CI

Distúrbios produtivos e reprodutivos em rebanho submetido ao estresse térmico


Luciene Lomas Santiago

Aproximadamente 1/3 da superfície do globo situa-se na zona tropical, que é deficiente na produção de alimentos, as terras são de má qualidade e existe um baixo nível econômico. A produção de animais nas regiões tropicais é menor quando comparado aos países temperados: 10-20% da produção leiteira; 1/6 da produção de carne; alta mortalidade devido à alimentação.

Num passado não muito distante o Brasil era um grande importador de genética, com o intuito de melhorar a produtividade nacional, visto que o nosso rebanho não havia passado por nenhum programa de seleção para produção, mas sofreu uma seleção natural ao longo dos anos, se tornando um gado resistente a doenças, a parasitas, a elevadas temperaturas e a pastagem de baixa qualidade nutricional. Com isso foram selecionados animais com baixa capacidade produtiva e de menor porte. Para reverter esta situação de forma mais imediata, rebanhos de origem européia foram importados, sendo estes excelentes produtores e reprodutores em seu país de origem. Contudo, as expectativas em muitos casos não foram superadas, pelo contrário, foram muitas vezes tentativas frustradas. Mas o que ocorreu? Esta resposta quem nos dá é o estudo da bioclimatologia, ou seja, a relação entre o ambiente e o organismo, como o primeiro afeta a constituição, o comportamento e a evolução do segundo. O organismo é conseqüência do ambiente em que vive, e sofre adaptações em resposta a determinado ambiente diferente do qual sua genética estava anteriormente adaptada e proporcionava uma elevada produtividade. A adaptação do animal ao novo ambiente é acionada visando proporcionar bem-estar e sobrevivência àquele organismo, contudo outros itens menos relevantes para vida animal deixam de ocorrer e, a partir desta adaptação ocorrem alterações fisiológicas no organismo, para que o animal se mantenha em homeotermia (animal com temperatura constante). Sendo assim, quando o mesmo se encontra fora de sua zona de conforto térmico, o mesmo passa a apresentar queda de produção e problemas reprodutivos. 

A zona de conforto térmico é aquela na qual o animal não precisa lançar mão de nenhum mecanismo fisiológico (ex: sudorese, ofegação) para perder calor. A temperatura está "agradável", permitindo ao animal poder expressar sua máxima produtividade, desde que não haja limitantes, como por exemplo, carências nutricionais. A zona de conforto térmico varia entre espécies, raças, idade, sexo. No caso de bovinos, as melhores condições climáticas para a criação seriam a de uma temperatura entre 13 e 18oC; uma umidade relativa do ar de 60 a 70%, a velocidade dos ventos de 5 a 8 km/hora e incidência da radiação solar como aquelas encontradas na primavera e no outono. Importante lembrar que animais recém-nascidos (neonatos) e aqueles com poucas semanas de idade apresentam-se em conforto térmico em temperaturas mais elevadas que os demais. Por isso a época de nascimento dos mesmos deve ser monitorada para que os mesmos não morram de hipotermia (baixa temperatura corporal) ou venham a ter problemas como pneumonia. A zona de conforto térmico (ZCT) se encontra dentro da zona termoneutra como podemos observar na figura.

A temperatura crítica para a lactação de vacas da raça Holandesa é de 21oC e a temperatura crítica para consumo de alimentos é de 24 a 27oC. É a região que chamamos de zona de tolerância ao calor. Nesta faixa de temperatura, o animal começa a lançar mecanismos termorregulatórios (sudorese e ofegação) para se manter em homeotermia. O animal reduz a atividade corporal para ter menor produção de calor, reduz seu consumo alimentar, bebe mais água, evita longas caminhadas, tem vasodilatação periférica, aumento da freqüência respiratória, mudanças comportamentais, tem desinteresse sexual, e pode apresentar aumento da temperatura retal. Estas alterações provocam então queda na produção de leite, redução do crescimento e peso e, queda na taxa de concepção.

       O incremento na temperatura retal em 1oC pode reduzir a taxa de concepção em 10% e, dependendo da duração, do momento e da intensidade do estresse, os resultados da inseminação artificial podem ser reduzidos a 0%.

            Outros fatores climáticos, além de temperatura e umidade, interferem na produção e reprodução animal, tais como radiação, luz e precipitação pluviométrica. Os dois últimos estariam diretamente relacionados com a sazonalidade reprodutiva de ovinos, caprinos e eqüinos, devido aos efeitos da luz e na disponibilidade de forragem.

Entretanto, o que nos interessa neste texto é abordar sobre os extremos do índice de temperatura de umidade (ITU). Este índice é uma equação que leva em conta os valores de temperatura mínima e máxima e a umidade relativa do ar. Através deste ITU podemos saber se o animal está sob estresse calórico ou não, e a partir disso podemos tomar decisões para minimizar as perdas de produção. Contudo, estas medidas podem estar sendo tomadas muito tardiamente, pois já houve um prejuízo, os animais já apresentam queda na produção, bem como a taxa de concepção está reduzida. O ideal é conhecer o ITU da região ao longo dos 12 meses e planejar para reduzir estas perdas, fazendo um projeto adequado para região e o tipo de criação, procurar por soluções práticas e econômicas e utilizar ao máximo os mecanismos naturais ou uma genética apropriada e quando não for o caso lançar mão de mecanismos artificiais. 

De que forma isto pode ser feito? De uma forma bastante simplificada e resumida podemos sugerir para uma propriedade de rebanho leiteiro e com baixo capital de investimento, procurar utilizar rebanho mestiço (Girolanda), ou animais mais resistentes a temperaturas elevadas, como os da raça Gir leiteiro ou Jersey.  Com isso evita-se gastos com instalações onerosas. Mas é importante lembrar que mesmo os animais mais resistentes a temperaturas elevadas devem ter um local sombreado para descansar nos horários mais quentes do dia, seja estas sombras de árvores ou sombrites. Por outro lado se a propriedade deseja uma produção mais especializada, na qual se utilizam animais da raça holandesa, a mesma deve se preocupar com o conforto térmico destes animais, e para isto deve-se investir em instalações equipadas com ventiladores e nebulizadores (este último apenas para regiões de baixa umidade), serem bem ventiladas, serem utilizados materiais nas construções que absorvam e irradiem menos calor para o interior das instalações e desta forma possa proporcionar um ambiente adequado ao longo do ano, evitando perdas. 

O motivo pelo qual a vaca Holandesa é mais sensível ao calor se deve a sua genética, adaptada às regiões temperadas, e a alta capacidade de produzir leite. Como a produção de leite envolve um aumento na produção de calor metabólico dos animais, quanto maior a capacidade de produção de leite, maior o calor produzido pelo mesmo, agravando o problema da manutenção da homeotermia sob condições de elevada temperatura e/ou umidade ambiental. Novilhas em geral são mais resistentes ao calor, pois as mesmas ainda não produzem leite ou estão na sua 1a lactação e, cuja produção é baixa comparada aos animais de lactações mais avançadas.

Os efeitos deletérios de altas temperaturas sobre a fertilidade em fêmeas podem ser devidos à ação direta do calor sobre o animal levando a um aumento da temperatura corporal, com isso o trato reprodutivo se torna um ambiente inadequado para que o espermatozóide possa fecundar o óvulo, bem como para o desenvolvimento do embrião. Também ocorre redução na atividade sexual de machos e fêmeas, reduzindo as detecções de cio. Novilhas também são mais resistentes que vacas quando se trata de fertilidade, havendo uma queda de fertilidade em novilhas apenas quando a temperatura ultrapassa em média 35oC enquanto em vacas isso ocorre a partir de 20oC.

O aumento da temperatura ambiente faz com que o animal utilize mecanismos para regular sua temperatura corporal, dentre estes está a redistribuição do fluxo de sangue que é maior para pele, favorecendo a perda de calor para ambiente, contudo é reduzido o fluxo de sangue no útero. Isto pode levar a perda embrionária, levando a queda na taxa de gestação e pode ser causa insucessos nos programas de transferência de embriões em épocas mais quentes do ano como primavera e verão ou, pode levar a um menor desenvolvimento do feto, pois a diminuição de circulação no útero também diminui a disponibilidade de água, nutrientes e hormônios naquele órgão, e o sangue é quem transporta os mesmos. A redução de consumo da vaca gestante em decorrência do estresse térmico também pode levar ao menor desenvolvimento do feto. Este comprometimento do crescimento faz com que haja uma diminuição do peso ao nascer, deixando este animal mais susceptível a doenças, e com maior dificuldade de serem criados resultando em baixa fertilidade na puberdade.

Os machos também sofrem influência direta de temperaturas elevadas prejudicando as funções reprodutivas dos touros, pois nas épocas mais quentes do ano ocorre redução na libido destes animais e alterações espermáticas (patologias e queda de motilidade espermática), diminuindo a fertilidade do rebanho, tornando-os temporariamente estéreis ou sub-férteis, conhecido como esterilidade de verão. A gravidade das lesões depende do tempo de exposição ao estresse e da raça em questão. Animais de raças européias expostas ao calor apresentam seus testículos mais pendulosos quando comparado aos zebuínos, para permitir perda de calor na região testicular, entretanto, esse mecanismo nem sempre permite que o animal se adapte ao clima tropical e o torna mais susceptível a traumas na região escrotal por este estar mais próximo ao solo, levando a problemas reprodutivos não apenas pelo calor, mas também por injúrias físicas no testículo.

Importante lembrar que o estresse pelo frio também pode influenciar negativamente, principalmente os animais de origem zebuína, podendo as fêmeas apresentar períodos de anestro.

Como podemos perceber bem-estar animal é uma necessidade e não um luxo, e está diretamente relacionada à produtividade, como bem descrito pela Dra. Danielle Maria Machado Ribeiro Azevêdo em "Etologia, Bem-estar e Produção Animal" publicada neste site em 11/10/2006. Não demora e este bem-estar animal será um pré-requisito no mercado europeu, como já vendo sendo exigida por alguns "traders" (compradores) de carne suína, sendo uma tendência para um futuro próximo.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.