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Diversidade de peixes no Pantanal: Por que conservar?


Débora Karla Silvestre Marques

Atualmente, os conceitos “biodiversidade” e “conservação” são considerados indispensáveis para o desenvolvimento sustentável nas diversas regiões do mundo. A biodiversidade engloba tanto a diversidade de espécies quanto a diversidade genética, que, por sua vez, reflete a variedade de genes e pode ser estudada em nível de espécie ou de populações de uma mesma espécie. Normalmente, quando nos referimos a recursos naturais, conservação e biodiversidade são inter-dependentes.

Em sentido amplo, de acordo com o “Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente”, publicado pelo IBGE em 2004, o conjunto de atividades e políticas que asseguram a contínua disponibilidade e existência de um recurso garante a conservação. Este assunto tem sido amplamente debatido, dada a intensificação do uso dos recursos naturais pelas demandas oriundas do crescimento populacional humano, seja pela exploração direta ou por meio de agentes poluentes ou modificadores do ambiente.

O Pantanal é uma vasta planície alagável localizada na Bacia do Alto Paraguai (BAP), que abrange áreas do Brasil, Paraguai e Bolívia, considerado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988 e reconhecido, em 2000, como Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).  Esta região apresenta um regime hidrológico peculiar que se caracteriza pela alteração sazonal dos níveis dos rios, chamada pulso de inundação, que está entre os principais fatores que regem o funcionamento do sistema e garantem a biodiversidade, representada por mais de 650 espécies de aves, 80 espécies de mamíferos, 50 espécies de répteis, 2.000 espécies de plantas e mais de 260 espécies de peixes.

Britski e colaboradores, no livro “Peixes do Pantanal”, publicado em 1999, listaram a ocorrência de 11 ordens de peixes, representadas por 109 espécies de Characiformes, 105 de Siluriformes, 16 de Perciformes, 12 de Gymnotiformes, 11 de Cyprinodontiformes e 11 de espécies distribuídas nos grupos Myliobatiformes, Clupeiformes, Beloniformes, Synbranchiformes, Pleuronectiformes e Lepidosireniformes.

A diversidade da fauna de peixes do Pantanal existe graças a processos evolutivos, com desenvolvimento de diferentes estratégias de uso dos recursos ambientais, principalmente quanto à obtenção de energia por meio da alimentação. Assim, nesta região, há peixes detritívoros (que se alimentam de restos de animais e vegetais, encontrados no fundo dos rios), herbívoros (alimentam-se de folhas e frutos), carnívoros (que se alimentam de peixes, por exemplo) e suas variações, que são outras formas de alimentação, como, por exemplo, insetívoros, iliófagos (que se alimentam de lama), lepidófagos (que se alimentam de escamas), etc.

A pesca, nas modalidades profissional e esportiva, representa a segunda atividade econômica mais importante no Pantanal e ocupa mão-de-obra desde a catação de iscas vivas à pesca propriamente dita, para fins comerciais ou para a própria subsistência. O conhecimento da diversidade de peixes e do ambiente no qual ela se desenvolveu é de extrema importância para o bom desempenho da pesca. É necessário, para o pescador, saber as características morfológicas e comportamentais das espécies de peixes, bem como os seus padrões de migração, seus hábitos alimentares e as relações entre as espécies e destas com o meio em que vivem. Esta é a “ciência natural” adquirida pelo homem ao longo de sua evolução em paralelo com a evolução do ambiente no qual está inserido, e que permite uma exploração do recurso natural de forma naturalmente sustentável.

Para a conservação e uso sustentado dos recursos naturais são feitos manejos, com planejamento e procedimentos baseados em pesquisas científicas.  Neste sentido, a Embrapa Pantanal vem há anos estudando os recursos pesqueiros, a fim de conhecer sua biologia, ecologia e genética para gerar subsídios para sua conservação e uso sustentado.  O manejo de estoques pesqueiros utiliza medidas de ordenamento como a definição de épocas de pesca, respeitando, por exemplo, o período de reprodução das espécies - chamado “período de defeso”; restrição do uso de petrechos de pesca, proibindo aqueles equipamentos pouco seletivos, que, portanto, desfalcariam as populações em várias faixas etárias, incluindo os juvenis; e definindo os tamanhos dos indivíduos capturados – “tamanho mínimo de captura”, evitando que sejam capturados os indivíduos que nunca se reproduziram.

O tamanho mínimo de captura é aquele acima do qual todos os indivíduos de uma determinada espécie já se reproduziram pelo menos uma vez. Levando-se em conta que uma única reprodução de um peixe significa a produção de milhares de ovos e dezenas de novos indivíduos, ao se adotar o tamanho mínimo de captura, se considera que estão sendo capturados indivíduos que já deram uma contribuição significativa para a sua população de origem.

Adota-se também como medida de ordenamento as cotas de captura. Por exemplo, atualmente no Pantanal é permitido ao pescador esportivo capturar 10kg de peixes mais um exemplar (Decreto nº 10.634 de 2002).  Podem ser feitas restrições quanto às atividades a serem realizadas em determinados locais. Em alguns rios a pesca não é permitida. Em outros, apenas algumas modalidades de pesca podem ocorrer. Por exemplo, no Pantanal a pesca no rio Vermelho só pode ser realizada nas modalidades pesque-e-solte e para subsistência (Deliberação CECA nº 003 de 2000).

De forma geral, a associação de políticas públicas com as atividades da sociedade e a realização de pesquisas garante a efetividade do manejo no uso e conservação dos recursos naturais.
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Débora Karla Silvestre Marques ([email protected]) é pesquisadora da Embrapa Pantanal, na área de Recursos.

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