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Manejo da lagarta da soja



Dionisio Link

Inúmeros insetos se adaptaram à cultura da soja, utilizando-se dela para a sua sobrevivência, seja na forma de alimento, seja na forma de substrato para reprodução. Alguns destes insetos se adaptaram à soja desde a sua introdução no país, caso da lagarta da soja, Anticarsia gemmatalis.

            As pesquisas sobre os inimigos da soja têm destacado a importância desta lagarta que ataca as lavouras em todo o Brasil, com os maiores prejuízos ocorrendo na região Sul do Brasil; isto não significa que nas outras regiões não haja prejuízos, apenas são menos importantes.

            Até 1960, as cultivares de soja utilizadas pelos agricultores possuíam ciclo extremamente longo, superando sete meses de cultivo, eram de crescimento indeterminado, possuíam folhas grandes e decumbentes e, em solos férteis, acamavam com facilidade. Estes fatores proporcionaram o "desenvolvimento de ferramentas" para o desponte da soja, com algum mercado no início da década de 1970, quando vários modelos de "despontadores" estavam sendo comercializados.

            Os estudos da pesquisa, na época, determinaram a ocorrência de quatro a seis gerações da lagarta da soja, durante o ciclo da cultura, sendo que a partir da segunda (no caso de quatro gerações) ou da terceira (no caso de seis gerações) o desfolhamento atingia níveis consideráveis e, quando estas infestações ocorriam na floração, o prejuízo era total. A partir da floração ocorria incidência, mas os danos tendiam a serem menores, devido à queda da temperatura e a ocorrência de infecção fúngica, a muscardina verde, causada pelo fungo Nomuraea rileyi.

            A cultura ocupava pequenas áreas por propriedade e tinha como finalidades principais a produção de massa verde para forragem animal e a de grão para a formação de ração animal, especialmente suína. A comercialização dos grãos era secundária.

            A partir da década de 70 (1970-79), ocorreu uma enorme expansão da área cultivada com essa leguminosa, em grande parte, devido ao surgimento de cultivares de crescimento determinado e de ciclo mais curto; estas cultivares foram desenvolvidas por pesquisadores de instituições federais e estaduais localizadas no Rio Grande do Sul. O Instituto Agronômico do Sul (IAS) do Ministério da Agricultura e o Instituto de Pesquisas Agronômicas (IPAGRO) da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul lançaram várias cultivares, com possibilidade de colheita mecanizada, o que muito contribuiu para a expansão da área cultivada.

            A colheita mecanizada favorecida por estas novas cultivares e a comercialização dos grãos que se tornou a primeira opção dos produtores mudaram o modo de controle das pragas da soja, até então utilizado.

            Na época, estava em uso, um calendário fitossanitário, onde, entre o Natal e o Ano Novo, se fazia a primeira aplicação de agrotóxico, geralmente a base de Metil-parationa mais DDT ou a base de Canfeno clorado, formulações estas de longo poder residual; a segunda aplicação geralmente era realizada em fins de janeiro e uma terceira, em fins de fevereiro. A partir de março com a queda da temperatura e a presença do fungo muscardina, agente de controle biológico natural, raramente havia necessidade de mais uma aplicação de agrotóxico para controlar lagartas.

            As pequenas lavouras eram mantidas isenta de invasoras, através do controle mecânico (capina) o que dificultava a sobrevivência dos inimigos naturais da lagarta da soja e de outras pragas da cultura. Além disso, facilitava a ressurgência do ataque de lagartas.

            Com a expansão da área cultivada e, a redução do espaçamento entre as fileiras de soja, o controle mecânico das invasoras tornou-se problemático e, consequentemente, a pesquisa determinou quanto de concorrência a cultura da soja podia suportar, sem maiores reduções na produção e, entre os fatores estudados, a rapidez com que a soja cobria o terreno, impedindo o desenvolvimento das invasoras foi importante para a seleção de herbicidas seletivos à cultura, os quais tornaram-se fundamentais pois dependiam do estádio fenológico da invasoras e das condições meteorológicas para serem eficazes. A sobrevivência de algumas plantas invasoras, sob a copa das plantas de soja, permitiu a presença e sobrevivência dos  inimigos naturais da lagarta da soja.

            A partir de 1975, com a instalação do Centro Nacional de Pesquisa de soja, onde se estabeleceu a coordenação das atividades de pesquisa na cultura, foi desenvolvido um programa de manejo das pragas da soja, com destaque para a lagarta, onde, através da lona de coleta ("ground-cloth") para avaliar os níveis de infestação e quando tomar a decisão de controle químico.

            Estes dados tornaram-se necessários, visto que as novas cultivares, de crescimento determinado e de ciclo mais curto, não suportavam o "calendário fitossanitário" até então utilizado.

            Foi estabelecido que, a partir de uma densidade média de 40 lagartas por dois metros de linha e, 30% de desfolha na fase vegetativa ou 15% na fase reprodutiva, o controle químico ficava viável e compensava economicamente. Este programa é utilizado oficialmente até hoje.

            O melhoramento genético desenvolveu cultivares de soa, com folhas menores e eretas e com igual atividade fotossintética, plantas mais precoces que se traduziram em espaços menores entre fileiras e de densidade de plantas por área. Estes avanços da pesquisa, por outro lado, entraram em choque com o programa de manejo de pragas da soja em uso, pois se a decisão fosse tomada quando se chegava ao nível de desfolha ou à densidade de lagartas, nada mais havia de soja na lavoura para ser protegido. A desfolha nos níveis preconizados pelo programa, por outro lado, permitiam o ressurgimento das invasoras remanescentes causando maiores prejuízos nas lavouras.

            Em 1987, foi apresentada pelo autor uma modificação dos níveis de infestação, onde a densidade de lagartas para tomada de decisão levava em conta, o tamanho da planta, a presença de invasoras agressivas (milha, papuã, capim arroz e outras similares) e as condições meteorológicas ( em períodos chuvosos as invasoras eram o problema e nos períodos secos, as lagartas se destacavam). Ficaram estabelecidas novas densidades de lagartas para a tomada de decisão de controle, conforme a tabela 1. A assistência técnica particular de imediato passou a utilizar estes novos parâmetros, enquanto os serviços de extensão oficiais a ignoraram pelo menos em parte.

Tabela 1 – Densidade da lagarta da soja para decisão de controle, em lavouras de soja, em função da altura da planta e das espécies de invasoras.

Altura da planta:       30cm              50cm              80cm              >100cm

Densidade média       5                  15                  25                        30

de lagartas:

Invasoras agressivas: milhã, papuã, capim arroz e similares.

 

            A ocorrência de outras espécies de lagartas desfolhadoras, especialmente as falsas-medideiras (Plusiinae) com destaque para a lagarta do linho, Rachiplusia nu, e a falsa-medideira, Pseudoplusia includens, que com a redução do cultivo do linho e do cultivo de leguminosas forrageiras, de inverno/primavera, como os trevos e a alfafa, tornou-se problema menor no cultivo da soja convencional. Esporadicamente atingiam densidades populacionais que exigia tomada de decisão para o controle químico.

            Com o advento da soja geneticamente modificada (transgênica) e sua tecnologia de cultivo, praticamente isenta de invasoras, ocorreu a ressurgência de lagartas, tanto a da soja, como as falsas-medideiras, especialmente a P. includens que a partir da floração tem sido constatada nas lavouras de soja, com densidades de 10 a 40% do total de lagartas amostradas na lona de coleta. As lagartas falsas-medideiras, de uma maneira geral, exigem mais ingrediente ativo por unidade de área que a lagarta da soja, pois são menos sucetíveis aos agrotóxicos.

             A lagarta da soja ataca a parte superior da planta de soja e é facilmente constatada pelo agricultor enquanto a falsa-medideira ocorre no terço médio da planta e só é notada quando já causou seu dano. Como a cultura da soja transgênica ocorre com a quase ausência de invasoras, os inimigos naturais das lagartas falsas-medideiras tornaram-se escassos e até ausentes nas lavouras, isto tem favorecido a ocorrência de surtos destas lagartas.

            A aplicação de caldas com médio e baixo volume tem trazido à situação de pouca ou nenhuma eficácia do controle químico, o que leva o produtor a acusar o agrotóxico de ineficiente. Em soja com mais de um metro de altura e bastante densa, quase não há penetração da calda no interior do dossel e como conseqüência a ausência de controle das pragas ali ocorrentes. Testes indicaram que somente a aplicação de caldas com 150 litros ou mais por hectare tem sido eficientes, independente do ingrediente químico indicado para o controle da praga em questão.

TABELA 2 – Eficácia de dois ingredientes ativos aplicados com diferentes diluições no controle da lagarta da soja*.

quantidade de calda:          80litros           120litros         150 litros        200litros 

 Permetrina (35g i.a./ha)     74%                  80%                 88%                96%

 Clorpirifós (120g i.a./ha)    75%                 81%               87%                   94%

* lavoura com soja densa e com 1,40m de altura (a densidade média de lagartas foi de 35 exemplares grandes/lona de coleta). Dezesseis dias depois nova aplicação, devido ao nível de desfolha (>40%) e densidade de 18 lagartas/amostra, nas áreas tratadas com 80 e 120 litros de calda).

 

            Outra situação de constatação mais recente é a ocorrência de surtos da lagarta da soja, atacando as vagens em formação, quase sem dano na folhagem; fato este só notado pelo produtor no momento da colheita, que se apavora pela pequena quantidade de vagens existentes nas plantas. Esta situação tem sido constatada em lavouras, onde há pelo menos duas safras, tem sido feito o controle químico das doenças de final de ciclo, a partir da floração. Os fungicidas utilizados com esta finalidade são eficientes controladores do fungo muscardina verde, Nomuraea rileyi. Agente de controle biológico natural da lagarta da soja.

            A utilização do Baculovirus anticarsia para o controle da lagarta da soja, em lavouras transgênicas, tem funcionado da mesma maneira que nos cultivos convencionais quanto a sua eficácia, o problema é que a permanência do vírus na lavoura é mais difícil por serem as gerações da lagarta da soja, estanques e, a falta de gerações cruzadas impede a permanência deste agente de controle biológico nas lavouras.

 

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