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O admirável (ou nem tanto) mundo novo da biologia sintética


Gilberto R. Cunha
Da fusão entre a biologia e a engenharia surgiu o que se convencionou chamar de biologia sintética. Uma área do conhecimento, vista por alguns, como algo totalmente novo, e, por outros, como um mero eufemismo que se presta unicamente para a sofisticação da surrada expressão “engenharia genética”. Discussões acadêmicas à parte, há que se considerar que, se no começo da engenharia genética, a biologia foi preponderante, mais especificamente a genética, mesmo que a área biológica não tenha perdido terreno, em biologia sintética, os preocedimentos e as visões da engenharia ganharam maior expressão.
Como é comum acontecer em toda área do conhecimento relativamente nova, em biologia sintética também abundam especulações sobre aplicações potenciais, algumas, inclusive, nunca antes imaginadas. Por meio da criação dos chamados circuitos biológicos e da escrita de novos programas genéticos, muitos vislumbram que serão encontradas as soluções para os grandes problemas que hoje afligem a humanidade, como são os casos da fome, das doenças e do abastecimento energético.
A visão de engenharia no uso de genes e proteínas como blocos de construção para criar novos tipos de células e outras funções para as células é o que deu sentido de aplicação à biologia sintética, via a criação de organismos com novas características. Evidentemente, que para a combinação de genes de um jeito novo e interessante, tem que se entender muito de biologia e, simultaneamente, não se pode prescindir da ciência e da criatividade dos processos de engenharia e nem de habilidades e domínios nas áreas de tecnologia da informação e computacional.
A biologia sintética, assim se pode dizer, começou com a manipulação genética. Um dos marcos nessa trajetória foi a descoberta, por Hamilton Smith, em 1968, das enzimas de restrição, que têm a capacidade de cortar o DNA em sequências específicas. Essa descoberta foi revolucionária por ter permitidos que pedaços de DNA fossem cortados e posteriormente colados. Marcou o início da engenharia genética, especialmente com a complementação de Herbert Boyer e Stanley Cohen, de 1972, envolvendo a transferência de plasmídeos (pequenos fragmentos circulares de DNA) de uma célula para outra. Sendo estabelecido que dois pedaços de DNA quando cortados com a mesma enzima de restrição podem ser também colados, foi encontrado um jeito de corta e colar DNA envolvendo organismos diferentes. Estava dominada a transferência de genes de animais e plantas, por exemplo, para dentro de uma bactéria usando plasmídeos e enzimas de restrição. Foi uma revolução na indústria farmacêutica. A empresa Eli Lilly, em 1982, depositou a patente do processo de produção de insulina humana pela inserção do gene responsável em uma célula bacteriana. Era, em outras palavras, a transformação de uma bactéria em uma fábrica de insulina humana. Até aqui, apesar do significado simbólico e os resultados práticos vultosos, como a mudança radical do processo de produção de insulina humana, ainda lidamos com muita biologia e pouca engenharia, tais como, classicamente, entendemos essas ciências.
Á guisa de exemplo, podemos dizer que um engenheiro eletricista costuma pensar em termos de circuitos elétricos, por meio dos quais um comando externo se traduz em uma ação ou uma cadeia de ações. Em biologia também se pode imaginar circuitos relacionados com a síntese ou não de determinadas proteínas, seguindo o comando de genes ao estilo liga/desliga. Um sinal externo, térmico ou hídrico, pode ligar ou desligar genes diferentes em uma célula.
Tão logo se conseguiu, pelos caminhos da biologia, operacionalizar a movimentação de genes entre células de organismos diferentes, os engenheiros começaram buscar meios para que múltiplos genes pudessem ser combinados de outras formas, criando espécies de circuitos genéticos não encontrados na natureza. Isso envolveu a programação de circuitos biológicos capazes de criar funções celulares até então desconhecidas. Um exemplo de aplicação relevante foi conseguido, em 2005, por Jay Keasling, relacionado com a incorporação de um grupo de genes em uma levedura, viabilizando, com isso, a produção sintética da droga mais usada no tratamento da malária (artemisinina). Em agricultura, há muito ainda a ser explorado, diante dessa nova visão de síntese que se afigura em biologia. É o passo além da transgenia em biologia avançada.

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