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O BAR DO ZÉ FEIO


Paulo Lot Calixto Lemos

Escrever sobre o “Bar do Zé Feio” daria um livro... Foi, talvez, o mais folclórico, agradável e inimitável boteco dessas paragens do Bom Jesus dos Passos. Ali, na esquina da rua Cel. Neca Medeiros com Jaime Gomes conviveram em perfeita harmonia diferentes gerações. Pessoas das mais diversas raças, idades, crenças, hábitos e tendências políticas misturavam-se no mesmo ambiente. Eram funcionários do Banco do Brasil, que na ocasião funcionava onde é hoje a agencia II do banco Itaú, empresários bem casados, homens de negócios, alcoólatras inveterados, contadores de piadas, pseudointelectuais, senhores idosos de cabelos brancos, jovens e adolescentes como a nossa turminha da época.

O ambiente era realmente “sui-generis”. Apenas uma exceção confirmava a regra dos botequins: mulher no recinto era coisa rara. A não ser algumas corajosas funcionárias do Banco do Brasil e a dona Dorothéia, que aparecia diariamente para fazer sua fezinha no jogo do bicho, elas não se sentiam bem vindas ao local.

Num espaço menor que 100m2 se acomodavam dezenas de fregueses tanto do lado de dentro como de fora do balcão, em mesinhas espalhadas, e ao redor de uma pequena mesa de sinuca no centro do bar. O recinto era um misto de pub com cassino. Os freqüentadores podiam ser classificados entre a turma que apenas bebia, discutia e filosofava. A turma que bebia e jogava sinuca. A turma do palitinho, a turma do jogo de piorra, e ainda a turma do jogo de Dama. Os jogos só funcionavam se fossem apostados, nunca dinheiro, mas sempre cerveja. Porém, entre todas essas categorias, a mais cobiçada era a de “sapo”, pois era ele quem comandava os jogos, quem podia dar os palpites que quisesse, e quem podia beber de graça o tanto que desse conta.

O Zé Feio e seu filho Limão serviam com grande prazer e personalidade a todos, sem nunca abdicarem seu modo característico de atender o freguês de forma agradável e pessoal. Lá se servia a Antarctica mais bem gelada do Brasil, sempre acompanhada do mais famoso cocrete de “camarão” do mundo! O controle das contas, ah! Esse eu nunca entendi... A conta de cada roda era anotada nas costas de papel de embalagem de pacote de cigarro. Mas, eram inexoravelmente, exatas!

O banheiro, ah o banheiro! Este sim era famoso... O WC mais inusitado do universo! Pra começar não tinha placa indicativa, talvez porque sua possibilidade de uso era apenas masculina... É!! Mulher não tinha vez! Ou melhor, não tinha como fazer reciclar as Antárticas ingeridas, pois o “toilete” era composto por apenas um vasinho mictório fixado na própria parede do bar, ao lado da pia de lavar copos! Sem nenhum tipo de cortina ou paredinha que impedisse olhares indiscretos. Como era prático o saudoso banheiro do Bar do Zé Feio... Se tivesse sido patenteado, com certeza centenas bares e botecos do mundo inteiro teriam comprado a idéia e feito ricos, os donos e usuários do inominável aparato utilitário.

De vez em quando, algum engraçadinho, insatisfeito com o ato público de esvaziamento de bexiga, aparecia com alguma sugestão de melhoria para o querido WC. Presenciei uma dessas prosas:

- Sô Zé ganhe um pouco de espaço onde está instalado aquele freezer e faça um pequeno cômodo onde caiba também um vaso sanitário. As pessoas se sentiriam mais confortáveis, e afinal seria possível satisfazer alguma necessidade mais vultuosa!

Zé Feio gesticulando suas grandes mãos, cheias de longos e fortes dedos brancos, respondeu apenas:

- Òia aqui “fulano”, pra mim, homem que é homem caga é cedo!

Como mencionei acima, dona Dorothéia era uma das poucas freqüentadoras do botequim, freguesa não de bebida ou comida, mas para fazer sua fezinha diária no jogo do bicho. Doró, como a chamávamos, pertencia a uma família tradicional de Passos, era respeitada por todos e parecia sofrer do chamado “Mal de Parckson”, pois sua voz saia tremula e meio cantada... Doró era viúva do famoso “Mamute”, dizem que esse homem foi a pessoa mais forte que Passos já viu, um turco, no sentido literal da palavra, pois veio da Turquia, que era um verdadeiro massiste. E, os palpites de jogo da dona Doró sempre tinham haver com o finado marido...

- Sô Zé, hoje eu tô sem palpite de tudo, eu sonhei com o falecido! Mas não lembro o que é que o danado queria dizer! Oh meu Deus, como é que eu faço agora!

Nesse ínterim, olhou de relance alguém que acabara de usar o WC se virando e guardando a “instrumentalha”...

- Lembrei! Põe $2,00 aí na cobra pra mim sô Zé!

Paulo Lot Calixto Lemos

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