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O confisco agrícola na Argentina – Isso já aconteceu aqui


Eleri Hamer

Na segunda-feira passada, dia 31 de março, fez exatos 28 anos do famoso confisco da soja no Brasil. Para quem nasceu a partir da década de 80 ou para aqueles que tenham começado tarde a se interessar pelo agronegócio, provavelmente não saibam a que estou me referindo.
Vamos refrescar a memória e posteriormente relacionar com o que está acontecendo na Argentina e obviamente impactando no Brasil. Antônio Delfim Netto, Ministro do Planejamento da época decidiu aplicar sobre o preço da soja exportada uma tarifa aduaneira de 30%.
Este mecanismo de comércio internacional tinha como propósito reduzir o crescente fluxo de soja destinada à exportação, motivado pelos altos preços externos dessa commodity, muito melhores do que os preços internos. Prática de controle governamental que rapidamente foi batizado de “confisco da soja”.
Para entendermos melhor, naquele momento o Brasil iniciava um momento de tensão inflacionária que perduraria até meados da década de 90, com hiperinflação e tudo mais. Desse modo, com o objetivo de segurar os preços internos, principalmente do óleo de soja para alimentação humana e do farelo para composição das rações do setor pecuário e base na alimentação de massa populacional que migrava para as cidades, o governo passou a frear a exportação via confisco.
Com a prática, 30% do preço externo do produto passava a ficar com o governo, inviabilizando sua venda para o exterior e permitindo, por outro lado, realocar esses recursos em outras áreas mais interessantes para o Estado no momento, fazendo cumprir um dos papéis do setor rural no desenvolvimento econômico: fornecer recursos para outros setores.
A revolta dos produtores de soja foi imediata, e mesmo que posteriormente o governo tenha substituído o confisco por um mecanismo delimitador do volume vendido ao exterior, o resultado do movimento foi a rápida retirada do confisco, algo em torno de três dias.
Em relação ao país vizinho, as manchetes vindas da argentina não são nada animadoras para los hermanos. A queda de braço entre os produtores rurais e o governo daquele país chegou a níveis insustentáveis. O agora governo Cristina Kirchner tem pela frente um duro páreo, somado ao já deteriorado estado de desenvolvimento que o país enfrenta há quase uma década, tal qual o Brasil estava iniciando à época do ministro Delfim.
Também como nós na década de 80, depois de diversas tentativas desastrosas de equilíbrio econômico tentando melhorar a imagem e manter o acesso da população a alimentos, o governo da presidente Kirchner decidiu, a partir do dia 11 de março, abocanhar mais da metade da renda do setor por meio de um aumento das retenções sobre as exportações.
A soja virou alvo de uma das maiores crises políticas da Argentina, deflagrada pela decisão dos produtores em protestar contra o governo, com caminhões e tratores atravessados nas estradas. Além dos produtores de soja, somaram-se a estes os de trigo, milho e girassol, além de boa parte dos pecuaristas, o que iniciou um processo de desabastecimento de alimentos nos grandes centros urbanos e começou a afetar alguns países, principalmente aqueles do frágil Mercado Comum do Sul - o Mercosul.
Embora o protesto dos produtores tenha sido suspenso após três semanas de intensa balbúrdia, com o propósito de retomar as negociações, o ambiente não é animador. As tentativas anteriores de políticas governamentais foram infrutíferas tanto na soja, como na carne bovina, frango e leite principalmente, cruciais para a manutenção do já combalido sistema alimentar da população mais pobre, que infelizmente tem aumentado muito.
Adotando uma postura de retenções, controle de preços e proibição de exportações, a Argentina está exportando cada vez menos. Se por um lado melhora, ou de certo modo, mantém a capacidade de compra da população, ela não se sustenta no médio e longo prazo, uma vez que a geração de riquezas através da ampliação da disponibilidade de divisas se torna negativa.
Em outras palavras, menos exportação, no curto prazo, é menos dinheiro no bolso dos produtores que não abastecem o sistema econômico do agronegócio, e no médio prazo também menos dinheiro nos cofres públicos, pois a produção tende a se reduzir. Se a coisa continuar assim, a Argentina, antes um importante player, vai perder market share.
Parece que lá, assim como aqui, o setor rural de vez em quando também é chamado para socorrer o Estado. Boa semana.

Eleri Hamer é Mestre em Agronegócios, Professor de Graduação e Pós-Graduação do CESUR, desenvolve Palestras, Educação Executiva e Consultorias em Gestão Empresarial e Agronegócio. Home-page: www.elerihamer.com.br E-mail: [email protected]

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