CI

O enigma de Malthus


Gilberto R. Cunha

Os cientistas, no bom sentido, são movidos pela “ignorância”. O quê dirige a investigação científica são as coisas não sabidas. E ainda bem que é assim, pois do contrário, a prática científica seria um eterno reinventar de coisas. Foi por essa razão (acredito!) que os editores da Revista Science, no marco das comemorações dos 125 anos da publicação, procuraram dar destaque a questões que nós ainda não temos respostas (What Don´t We Know?). Um dos questionamentos, que diz respeito aos pesquisadores das ciências agrárias e interessa diretamente aos produtores rurais, é esse: Malthus continuará a estar errado?

O pensamento político e econômico (pra lá de pessimista, diga-se a bem da verdade) do reverendo britânico Thomas Robert Malthus (1766-1834) começou a ganhar adeptos (e críticos também) quando ele publicou, em 1798, o seu “Essay on the Principle of Population” (Ensaio sobre o principio da população). Essa obra (reeditada em 1803, com teses menos radicais) inclui a clássica assertiva malthusiana de que “a população cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumenta em progressão aritmética”. Na visão de Malthus, não haveria como se evitar epidemias, guerras e outras catástrofes decorrentes do excesso populacional sem uma forte restrição dos programas públicos de assistência social (caridade) e a abstinência sexual dos pobres. Para ele, a pobreza era considerada como um “destino” ao qual o homem não pode fugir. Suas idéias acabaram incorporadas à teoria econômica (Jonh Maynard Keynes foi um dos pioneiros em reviver a ligação entre população e economia política) e ressurgiram sob o manto do neomalthusianismo, encampando tendências políticas e ecológicas. Ou seja: envolvendo as complexas ligações entre densidade populacional elevada e a economia das nações e global, por um lado. E, por outro, a preocupação com a exaustão dos recursos naturais e o colapso dos ecossistemas produtivos. O argumento mais forte do pensamento neomalthusiano é que somente a compreensão científica da população mundial pode levar a um planejamento capaz de evitar a catástrofe da superpopulação (exaustão dos recursos, fome e instabilidade política).

Desde os tempos de Malthus, a população mundial foi multiplicada por seis (até chegar aos seis bilhões de almas dos tempos atuais) e, felizmente, suas expectativas apocalípticas não se concretizaram. Os argumentos de Malthus acabaram derrotados, especialmente na Europa, na segunda metade do século 19. Foram decisivos, para que isso acontecesse, os avanços decorrentes da Revolução Industrial e, particularmente, o abastecimento do continente com produtos agrícolas vindos da América do Norte. Destacam-se: as novas terras para a produção de cereais (trigo, especialmente), a melhoria do transporte marítimo e (não esqueçamos) as migrações européias, que viabilizaram (pela exclusão de um vasto contingente de pessoas) alimentar uma população em rápido crescimento.

Apesar dos avanços da agricultura, permitindo aumentos na produção de alimentos muitos superiores aos previstos por Malthus, os problemas demográficos da segunda metade do século 20, numa economia global fragilizada do pós-guerra, revitalizaram as suas concepções. Mais uma vez, admite-se que, pelo menos momentaneamente, as ciências agrárias (novas cultivares mais produtivas e melhores práticas de manejo dos cultivos) afugentaram o espectro de mau agouro de Malthus. Isso pela visão da produção global de alimentos, pois ninguém pode ignorar que por falta de renda (acesso aos alimentos) há uma multidão de famintos e subnutridos no mundo (a poucos metros de nós, inclusive).

Thomas Malthus ainda não descansa em paz. A expectativa de 10 bilhões de pessoas no mundo, por volta do ano 2100, é o novo (e grande) desafio para a humanidade. Alimentar mais quatro bilhões de bocas é a tarefa da agricultura mundial. Um mundo de recursos limitados, possivelmente, não suportaria 10 bilhões de indivíduos com o mesmo padrão de consumo de um americano médio dos tempos atuais, por exemplo. Somente com avanços em ciência e tecnologia não venceremos Malthus. Muitas decisões políticas, envolvendo escolhas difíceis, terão de ser tomadas para que Thomas Malthus permaneça errado. Por quanto tempo ainda? Eis o enigma que teremos de decifrar.

(Gilberto R. Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo e membro da Academia Passo-Fundense de Letras.)

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.