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O paradoxo de São Petersburgo


Gilberto R. Cunha

Quem quiser detalhes que procure nos Autos da Academia Imperial de Ciências de São Petersburgo. Foi neles que, em 1738, Daniel Bernoulli publicou o ensaio Specimen theoriae novae de mensura sortis (Exposição de uma nova teoria sobre a medição do risco), cujo tema central destacava que o valor de um item não deve se basear em seu preço, mas na utilidade que ele produz. Mais do que uma teoria matemática sobre análise de risco, combinando elementos objetivos e subjetivos, trata-se de um profundo documento sobre o comportamento humano frente ao processo de tomada de decisão. O destaque dado por Bernoulli às relações implícitas entre medição e sentimento envolve quase todos os aspectos da vida.

Daniel Bernoulli analisou racionalmente como as pessoas tomam decisões na vida real, quando o futuro é incerto. Conforme destaca Peter L. Bernstein no livro Desafio aos Deuses (Against the gods): O preço – e as probabilidades – não são suficientes para determinar o valor de algo. Embora os fatos sejam iguais para todos, “a utilidade... depende das circunstâncias específicas de quem faz a estimativa... Não há razão para supor que... os riscos estimados por cada indivíduo devam ser considerados de mesmo valor”. Cada um tem o seu próprio. O conceito de utilidade é intuitivo (envolve desejo ou satisfação). E nesse aspecto residiu, fundamentalmente, a discordância de Bernoulli com os matemáticos da época, envolvendo o cálculo de “valor esperado”. O exemplo clássico do arremesso de uma moeda: o valor esperado da aposta em arremesso de moeda é 50% (você pode esperar cara ou coroa, com a mesma probabilidade. Desde que não seja viciada; evidentemente. Uma moeda não pode cair mostrando cara e coroa ao mesmo tempo). Mas nem sempre as coisas são tão simples assim. No dia-a-dia, mesmo quando as probabilidades são conhecidas, os tomadores de decisões racionais buscam maximizar a utilidade (proveito ou satisfação) esperada, em vez de o valor esperado.

A tese básica de Daniel Bernoulli na sua Nova Teoria era de que as pessoas atribuem ao risco valores diferentes. Fazendo isso ele introduziu uma idéia central: “a utilidade resultante de qualquer pequeno aumento da riqueza será inversamente proporcional à quantidade de bens anteriormente possuídos”. Foi um grande salto intelectual na história das idéias. Nesse particular, uma vez sendo os fatos os mesmos para todos, entra em jogo o processo subjetivo. Permite determinar quanto a mais ou a menos cada indivíduo deseja algo. E o desejo é inversamente proporcional à quantidade de bens possuídos. Começou-se a medir algo que não pode ser contado: o desejo. Enquanto a teoria das probabilidades estabelece as opções, Bernoulli define as motivações das pessoas que optam. Foi a base intelectual das teorias que surgiram sobre como as pessoas tomam decisões e fazem escolhas em todos os aspectos da vida, não apenas em economia.

Uma das aplicações usadas por Bernoulli para ilustrar sua teoria ficou conhecida como o Paradoxo de São Petersburgo: quanto um jogador deveria pagar pelo privilégio de ocupar o lugar de outro que tem a perspectiva de embolsar uma boa soma de dinheiro? O paradoxo emerge porque o método de cálculo aceito (valor esperado) avalia, realmente, as perspectivas do jogador em questão como infinitas, mas ninguém estaria disposto a comprar essas perspectivas por um preço moderadamente elevado.

As teorias de Bernoulli extrapolaram os limites de meros exercícios acadêmicos envolvendo arremessos de moeda. A noção de utilidade influenciou a obra dos grandes pensadores que se seguiram. Por exemplo, forneceu o embasamento para os economistas vitorianos criarem a Lei da Oferta e da Procura, que possibilitou a compreensão do comportamento dos mercados e de como compradores e vendedores chegam a um acordo sobre o preço.

Ao formalizar sua tese, Bernoulli desvendou, de fato, foi o comportamento humano e o modo como chegamos às decisões e opções em face da noção de risco. E, felizmente, pois do contrário o mundo seria uma chatice só, os seres humanos diferem em sua atração pelo risco.

(Gilberto R. Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo, de Passo Fundo/RS, e membro da Academia Passo-Fundense de Letras.)

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