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Os desafios do Agronegócio


Dante Scolari

A globalização recente da economia brasileira, com grande mobilidade de capital e transformações nas estruturas produtivas tradicionais, tem causado modificações importantes em diferentes setores. O país passou a fazer parte de um espaço econômico integrado globalmente e muito competitivo, onde está acontecendo uma verdadeira revolução tecnológica, com descobertas cientificas e avanços tecnológicos acelerados e significativos, com novos métodos de produção e novos produtos oriundos de cadeias produtivas integradas globalmente e onde a questão ambiental passa a ter importância fundamental nos processos de produção (“produtos limpos e processos limpos”) comercialização e consumo. A geração de conhecimento é globalizada, a legislação sobre a propriedade intelectual está sendo normatizada em quase todos os países, há um forte movimento de capitais internacionais em investimentos em pesquisa e desenvolvimento e surgem empresas transnacionais, que comercializam conhecimentos e novas tecnologias em base empresariais.

Esta economia baseada no conhecimento, onde o principal insumo é o capital intelectual, já é responsável por parcela significativa das transições internacionais. No comércio internacional de bens diferenciados por nível tecnológico, os chamados bens de alta tecnologia duplicaram a sua participação de 11% para 22%, no período de 1976/1996. Quando agregados, os produtos de média e alta tecnologia, passaram de uma participação de 33% para 55% neste mesmo período. Por outro lado, os produtos de baixa tecnologia, os produtos primários ou bens baseados em recursos, que em 1976 detinham 67% das relações de troca, em 1996 participaram com apenas 42%. Estes valores sinalizam um crescimento acelerado de transações de bens que incorporam inovações tecnológicas, alterando substancialmente as vantagens comparativas e competitivas de vários segmentos econômicos em todos os países.

No Agronegócio, estas transformações já começam a acontecer com maior intensidade em algumas situações já conhecidas (algodão, soja, milho, carnes, flores, por exemplo). Assim, as vantagens comparativas tradicionais de paises em desenvolvimento, onde o setor agropecuário representa uma parcela importante na formação do PIB (Produto Interno Bruto) apoiadas na disponibilidade de recursos naturais (terra, principalmente) e mão de obra barata, importantes no passado recente (“era da revolução verde”) passam a ter importância secundárias, pois diminuem com o surgimento acelerado e crescente de novos conhecimentos científicos e tecnológicos, que rapidamente são incorporados às diferentes cadeias produtivas organizadas, que se tornam cada vez mais competitivas.

Alguns estudos do Banco Mundial sinalizam um cenário mundial para os próximos anos de crescimento da população mundial e de aumento de renda, principalmente em países da Ásia. Além disso, a área global disponível para a agricultura no mundo todo está diminuindo - em 1961 havia 0,64 há/habitante, em 1996 0,26 há/habitante e a tendência é que em 2050 seja apenas 0,15 há/habitante. Adicionalmente, mesmo com as notícias recentes de aumento de subsídios nos Estados Unidos, e de ainda persistirem políticas de apoio (barreiras comerciais e não comerciais) e de subsídios implícitos e explícitos para diversas cadeias produtivas, em vários países, já ocorre um movimento mundial significativo no sentido de diminuição e retirada/eliminação gradual dos subsídios agrícolas, em face das negociações em andamento e das posições de vários países, na OMC (Organização Mundial do Comércio). Estes fatos indicam que pode haver escassez de alimentos no mundo nas próximas décadas - o que pode significar boas possibilidades de negócios para o país.

Portanto, numa visão de futuro realista, pode-se considerar que existe uma tendência de aumento da participação do Brasil no comércio internacional de produtos do agronegócio - o país possui áreas agricultáveis ainda inexploradas e em várias cadeias produtivas existe a possibilidade concreta de iniciar e/ou continuar acontecendo ganhos de produtividade substanciais via inovações tecnológicas. Além disso, a participação das exportações do agronegócio brasileiro no mercado mundial do agronegócio ainda é reduzida, de cerca de 4,0% (superior à participação do total das exportações brasileiras no mercado mundial de exportações, que é de 0,9%) - e existe espaço para crescer.

Mas, para participar ativa competitivamente na conquista e na manutenção de mercados, tanto interno como externos, é necessário criar uma cultura empresarial que estimule a existência de uma visão estratégica de “cadeias produtivas integradas”, (suprimento, produção, processamento, distribuição e consumo), alterando a visão do setor agrícola como um setor de fornecimento de produtos primários para os demais setores da economia. Embora o país já possua algumas cadeias organizadas e competitivas, (suco de laranja, fumo e frangos, por exemplo) este conceito de agronegócio com base em cadeias produtivas integradas é relativamente novo e ainda não está internalizado na cultura existente no meio agropecuário nacional – mas tem profundas implicações na reorganização/reorientação da atividades econômicas. O agronegócio nacional em 2.001 gerou uma renda total de R$ 306,86 bilhões, equivalente à 27% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto que a agricultura isoladamente participou com apenas 8,0%, equivalente à R$ 86 bilhões. Mesmo assim, a participação do agronegócio no saldo da balança comercial brasileira tem sido altamente significativo nos últimos anos, com valores acima de 10 bilhões de dólares / ano, apesar da participação do setor ter apresentado um declínio acentuado no volume total das exportações brasileiras (já foi de 80%-90% e atualmente está ao redor de 25%-30%).

Os desafios atuais relativos a inserção empresarial competitiva nos mercados globais são grandes, já que as exigências dos consumidores globalizados (e uma parcela significativa da população brasileira já é globalizada) são maiores em termos de preços, qualidade, processos produtivos, prazos, regularidade de entrega, origem, rastreabilidade, conformidade com padrões globais, etc. Além disso, ainda existem limitações e dificuldades, gerais e /ou específicas de cada cadeia produtiva, tais como: pouca integração e gerenciamento de cadeias de produção, escalas de produção inadequadas, carga fiscal elevada, padrões deficientes de qualidade, padrões inadequados de padronização e classificação, deficiente qualificação gerencial, deficiência nos sistemas de informação, fontes de financiamentos limitadas, juros relativamente elevados, baixo nível de inovação tecnológica, etc., que acabam limitando/reduzindo a competitividade do agronegócio.

O maior de todos os desafios está relacionado ao incremento da competitividade, que envolve a criação de uma cultura mercadológica e visão exportadora, com conceitos desenvolvidos de qualidade, conformidades à padrões globais, preços competitivos, prazos, redução de custos, (capital, tributos, logística), etc. Para vencer este desafio o país necessita uma melhoria substancial na organização do agronegócio como um todo (aumento do nível de informação, administração (gerência) profissional, integração de elos, relações contratuais como prática corriqueira, reforma do papel do estado, entre outros) e o desenvolvimento de mecanismos e condições que possibilitem a geração de renda adicional e de novas oportunidades de negócios (escalas adequadas de produção, especialização, diferenciação de processos produtivos e de produtos, agregação de valor, etc.) Neste contexto a agricultura familiar pode desempenhar um importante papel, na conquista de nichos específicos de mercados, com geração de produtos de qualidade e criação de marcas diferenciadas, gerando renda e aumentando o nível de emprego no campo.

Neste mercado, o domínio e o uso de novas tecnologia e de novas ferramentas, principalmente aquelas proporcionadas pela Biotecnologia, passa a desempenhar papel de fundamental importância. Afinal, a revolução biotecnológica está apenas no seu início e os poucos produtos já disponíveis no mercado estão operando com inovações geradas pela “primeira onda” da revolução biotecnológica, que está relacionada somente às características agronômicas (genes de interesse agrícola relativo a tolerância a herbicidas e à resistência à insetos). Novos conceitos e novas ferramentas que estão sendo rapidamente desenvolvidas envolvem engenharia genética, “cartografia molecular”, genética de genomas, cultura de tecidos, engenharia metabólica, engenharia de proteínas, tecnologia de biosensores, bioinformática, etc. Os produtos esperados, frutos das “ondas emergentes” da biotecnologia, terão novas e impactantes características relacionadas a qualidade, funcionalidade, processamento, fármacos, químicos específicos, etc.

Atualmente diferentes grupos de pesquisadores de diversos países realizam um grande esforço de pesquisa em várias áreas do conhecimento, buscando novas e originais soluções biotecnológicas para diferentes segmentos da economia: saúde humana, saúde animal, meio-ambiente, agronegócio, instrumentação complementar, química fina enzimas, etc. Estas empresas que estão surgindo rapidamente em vários países, nesta era da economia do conhecimento, são formadas basicamente por capital intelectual onde os principais ativos são intangíveis e estão representados pelos ativos do conhecimento, sistemas gerenciais e valor das marcas comerciais. Muitas delas já detém um patrimônio em capital intelectual muito maior que o valor de prédios e laboratórios. No Brasil já existem mais de 300 empresas identificadas como biotecnológicas que convertem produção científica e tecnológica em atividade empresarial gerando mais de R$ 5 bilhões/ano – mais de 70% concentradas no eixo SP-MG. Mas, o montante de recursos investidos neste segmento da economia ainda é limitado – como conseqüência, a lacuna tecnológica que existe entre o Brasil e os países desenvolvidos tem aumentado.

Portanto, parece óbvio que o agronegócio enfrenta excelentes oportunidades de melhorias em várias frentes, com potencial significativo de ganhos econômicos e sociais. A inserção competitiva definitiva de diferentes setores da economia e/ou de regiões produtoras nesta nova economia mundial, pressupõe uma adequada reorganização das políticas e das estruturas produtivas além de posturas e atitudes proativas de todos os atores envolvidos, seja com relação às inovações tecnológicas seja com relação às mudanças político-institucionais.

Entretanto, em que pese já haver no país uma série de novos mecanismos criados recentemente, principalmente os fundos setoriais, importantes no financiamento público das atividades de pesquisa, ainda persistem algumas questões fundamentais com relação as organizações de P & D que necessitam um encaminhamento mais adequado: a) a criação/existência de um arcabouço legal adequado e moderno, que pode vir a existir atravéz da lei de inovação tecnológica; b) a valorização institucional, por parte do estado e do governo, como cultura permanente da sociedade brasileira; c) um modelo adequado de gestão, principalmente nas organizações públicas e d) um forte engajamento do setor rivado ( com parcerias estratégicas, recursos específicos de financiamento, utilização de cientistas e engenheiros) em todo o processo de pesquisa e desenvolvimento, mas, principalmente, na inovação tecnológica.

Assim, seria recomendável ações integradas em diferentes níveis – governo, universidades, organizações de P & D e empresas privadas. A nível de governo, como forte indutor de projetos específicos de P & D, com visão de médio e longo prazos. “comprando soluções tecnológicas”, ao invés de subsidiar produtos, com uma visão de “governança integrada”. Nas universidades, formando cientistas e engenheiros para atender demandas específicas também de empresas privadas distintas, com forte integração com o governo. Nas organizações de P & D buscando atender a demanda atual e potencial, viabilizando soluções tecnológicas competitivas, com forte parceria com universidades e empresas privadas, estabelecendo arranjos e inovação tecnológica integrados (cluster tecnológicos) em diferentes níveis. Nas empresas privadas, com a internalização na cultura destas organizações, de que o processo de geração e desenvolvimento de novos conhecimentos, que são base permanente das inovação tecnológica, deve ser parte da estratégia mercadológica de conquista e manutenção de mercados e pressupõe uma visão empresarial moderna do “melhor, mais cedo e mais barato”. A criação e a disseminação de “Fundos Voluntários” ( fundo financeiro constituído de contribuições voluntárias feitas por produtores, comerciantes, agroindustriais, etc. visando ao desenvolvimento de atividades de P & D, marketing e orientação de produtores e consumidores),pode ser uma alternativa atraente para o setor privado participar mais ativamente, com ganhos econômicos privados e benefícios sociais, do esforço brasileiro em pesquisa e desenvolvimento.O agronegócio nacional, em fase de reorganização e adequação aos novos padrões de produção e negócios em vigor, enfrenta o desafio de crescer, de modo competitivo e sustentável, para atender a demanda interna e conquistar e manter espaços no mercado externo, fornecendo produtos e processos de qualidade, com sustentabilidade, origem e rastreabilidade e à preços competitivos.

Afinal, o processo de desenvolvimento de um país é feito com mudanças institucionais e estruturais e com profundas mudanças tecnológicas nos processos produtivos. E, neste mundo globalizado, só há espaço permanente para segmentos competitivos, onde a inovação tecnológica permanente e continuada é condição definitiva na conquista e manutenção de mercados.

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