Tramita no congresso nacional, há mais de uma década, a idéia de reformulação de algumas legislações que regulamentam e norteiam as tomadas de decisão no campo, dentre elas o Código Florestal, principal mecanismo legal de defesa ambiental brasileira.
Quando foi criado, a agricultura nacional não parecia em nada com a realidade que vivenciamos hoje. Quando do seu surgimento, o extrativismo ainda representava a atividade mais comum no campo, e o desmatamento era uma realidade praticada indiscriminadamente, tendo o código a função de regulamentar o setor e frear o desmatamento, impondo penalizações aos agressores do ambiente e também atribuindo direitos e deveres aos cidadãos que, de alguma forma, utilizavam ou beneficiavam-se das terras e florestas existentes no território nacional.
De lá pra cá muitas coisas mudaram, inúmeras tecnologias foram introduzidas elevando os níveis de produção, a confiabilidade e qualidade dos produtos colhidos e também a segurança alimentar e ambiental, tornando a agricultura nacional extremamente competitiva. Tais avanços elevaram o Brasil à qualidade de maior celeiro agrícola mundial, definido pela FAO como um dos poucos países do globo, capaz de evitar um futuro colapso mundial por alimentos.
Apesar desse avanço da agricultura, o Brasil ainda detém uma das maiores reservas intocadas de vegetação de todo o mundo. Em um estudo realizado pela ESALQ/USP, constatou-se que cerca de 63 % de nosso território preserva boa parte de sua cobertura vegetal natural, seja ela floresta, caatinga, pampa ou outra. Sendo o restante do território, ocupado por áreas agrícolas, corpos d’água e pelas regiões urbanas, principais responsáveis pelas ações degradantes.
Entretanto, mesmo com os elevados níveis de produtividade obtidos, uma grande proporção dos nossos agricultores está trabalhando na ilegalidade enquanto outros estão com suas propriedades embargadas e ou endividados por conta das multas impostas pelos órgãos ambientais, que atuam sob a luz da legislação vigente.
Nos moldes atuais, a substituição das áreas agrícolas pelas APP’s e Reservas legais (como impõe sorrateiramente o Código Florestal Brasileiro) colocaria o Brasil na condição de total dependência alimentar, tirando-o da situação de auto-suficiência e empobrecendo a sua população, extremamente dependente da agricultura. Isso, do ponto de vista de países como EUA e os membros da EU, é muito interessante, pois manteria a sua hegemonia agrícola e a dependência do Brasil em relação a eles, daí a briga ferrenha que as ONG’s, como as européias Greenpeace e WWF legítimas representantes desse modelo imposto por tais países, mas não praticado por eles, vêm travando para que se mantenha a rigorosidade do Código Florestal atual.
Pensar o Código Florestal é uma medida de extrema urgência, para preservar, acima de tudo a vida, seja ela vegetal ou animal. Preservar a vida do homem que se dedica a colocar alimento na mesa de todos os brasileiros e também do mundo, e preservar a vida do ambiente, pois “as mãos que produzem, devem ser as mesmas que preservam”, mas de forma harmoniosa, visando o bem estar dos agricultores e a sustentabilidade ambiental.
A discussão do novo Código Florestal, como documento final, ainda requer maiores debates, os quais devem ser feitos com embasamento científico, para que sejam oferecidas importantes contribuições ao documento. A comunidade científica brasileira tem se destacado na geração de tecnologias para o campo e na sua constante busca pela sustentabilidade, sendo capaz de oferecer lucidez a questões que podem tornar a nova legislação desastrosa do ponto de vista ambiental, uma vez que os diferentes biomas existentes no Brasil não podem ser tratados da mesma maneira.
É necessário conhecer os sistemas antes de realizar intervenções, independente da finalidade das mesmas. Não se pode extrapolar uma idéia que deu certo em uma área, para outra que apresenta características totalmente diferentes, seja de solo, clima e ou relevo. O tamanho das áreas de proteção permanente (APP’s), por exemplo, não pode ser uma definição fixa e aplicável a todas as regiões, mas deve se considerar a complexidade do sistema onde essa será implantada, bem como os diferentes graus de fragilidade ou resiliência de uma dada área.
Da mesma forma que a agricultura se adapta às diferentes áreas, com técnicas produtivas distintas, a preservação deve ser avaliada considerando as necessidades de cada região e as suas potencialidades. Do que serve, por exemplo, uma mata ciliar, se o topo da encosta está descoberto? Evita-se o assoreamento dos rios, porém promove-se uma degradação ao logo do território. É possível preserva uma várzea, baseado no modelo utilizado para preservação da caatinga, ou mesmo preservar a mata atlântica existente no sul Brasil, utilizando as mesmas técnicas utilizadas na região nordeste? Tais questionamentos devem ser trazidos á tona, para dar maior consistência às propostas e reduzir as possibilidades de erros na implantação de leis que regulamentam o setor.
Aliado a essas questões, não creio que a preservação ambiental deva ser realizada às custas do empobrecimento das populações, principalmente rurais. Dessa forma, não se pode tirar a legitimidade da exigência dos produtores brasileiros. A classe, não reivindica do congresso nacional os incentivos fiscais e subsídios que os agricultores de países desenvolvidos recebem do governo. Não reivindica auxílios para sobreviver sem esforço, mas sim, condições dignas e uma legislação condizente com a realidade para que possam exercer sua função e desenvolver o trabalho que mais lhe aprazem: fazer a terra produzir. Entretanto, tal legislação não deve, de forma alguma, permitir ações degradantes que culmine na eliminação da biodiversidade existente.
Pregar a harmonia e não radicalismo deve ser a bandeira dos envolvidos nesse e em todos os setores da sociedade. Harmonia entre ambiente e sociedade, entre produção agrícola e preservação ambiental. Dessa forma, o novo código florestal deve ser capaz de nos conduzir do preservacionismo desumano ao conservacionismo politicamente correto, que considera cada região como única e carente de ações específicas.