
Bom dia! Como é que tá sua tia? Tá com a perna fria?
Você vai bem, veio de bonde ou veio de trêm? Pagou vinte ou pagou cêm?
Enquanto brincava, sua mão já estava estendida fazendo questão de ser beijada ao pedido da benção, e saindo tudo a contento, uma balinha de presente também saia de seu bolso... Assim era meu avô Alvim da Silva Lemos.
É... Hoje, amanheci com saudades. Ontem minha cunhada Tânia me trouxe um exemplar da Folha da Manhã, pois ainda não havia lido o (para mim) comovente e muito bem escrito artigo de Adriana Dias sobre as freqüentes queimada na famosa mata do Alvim. Enquanto lia aquelas linhas muitas lembranças vieram à minha memória. As palavras de Adriana me levaram de volta, também, à minha infância... Ao sabor melento e farináceo do jatubá, à caneca de leite morno e espumado tirado na hora, ao doce especial das graúdas jabuticabas do mato, ao cheiro gostoso da comida de fogão de lenha e gordura de porco da casa do sô Zé Rodrigues e de sua bondosa dona Lia, da nossa turminha Joaquim, Wilson, Paulinho 4 ôio, Carlinho, Vitinho, Tadeu... Ao “pau pra toda obra” Zé Bino, à disposta dona Fia e seu monte de filhos, aos meeiros sô Zico e Dito Barbosa, ao seu Neca da serraria, ao oleiro João Anacleto, ao retireiro sô Zezinho... E principalmente ao meu avô, das diversas entonações de sua voz, do seu jeito de andar, do cheiro da sua mão.Enfim, agradeço Adriana por ter-me trazido tão ternas lembranças, e gostaria de me juntar a ela para também gritar: Parem de queimar nossa infância, pois na verdade o que estão queimando é o futuro de seus (nossos) filhos!
Em homenagem ao meu avô capitão Alvim, torno dele hoje, este espaço da coluna “Dia a Dia”, publicando um manuscrito seu, que sem duvida, trata-se de um lindo e triste poema de amor:
MORTA
Tinha a beleza cálida da rosa
Era morena, lânguida, nervosa
Dera-lhe Deus tão régia formosura
Que só se via nessa bela criatura
A suprema ventura...
Assim tão bela mais nenhuma havia
Era uma flor dos trópicos, sadia
Inda o som de sua voz escuto
Ah! Mas um dia, num dia
Ficou envolta em luto
E junto dela, aquela casa cheia de alegria
Findou-se, morria...
Eu soluçava a beira de seu leito
Certo de que afinal acabara tudo
O coração parara em seu peito
E seu lindo olhar pelo terror desfeito
Ficara mudo, eternamente mudo...
Ah! Que saudade louca
De sua doce e rósea boca
Da serena elegância de seus passos
Do calor terno de seus abraços
Amor! Vivemos a sonhar com a sorte
Sem nunca lembrar, que existia a morte...
Deus! Ela ao túmulo descia, foi sepultada
Jaz inerte, num caixão deitada
Hoje é cinza, é pó, é nada
Essa mulher querida
Que um dia
Foi tudo para mim na vida...
Alvim da Silva Lemos (Capitão)
*Escrito em 05/11/1934, ocasião da morte de sua primeira esposa.