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Um mundo surpreendentemente pequeno


Gilberto R. Cunha

Quando Richard Feynman (1918-1988), em 1959, na palestra “Há mais espaço lá embaixo”, proferida na Reunião da Sociedade Americana de Física, surpreendeu o mundo, afirmando que, na cabeça de um alfinete, mais que gravar a oração do “Pai Nosso”, fato que muitos, na época, já consideravam um exagero, era possível escrever os 24 volumes inteiros da Enciclopédia Britânica (em uma de suas vetustas e clássicas edições), começava a surgir uma área do conhecimento científico e suas aplicações que, hoje, se convenciona chamar de nanociência e nanotecnologia. De fato, Feynman sugeriu que chegaria um dia em que o homem seria capaz de manipular objetos em escalas atômicas e assim construir estruturas de dimensões nanométricas segundo o seu livre arbítrio (fato que se tornou realidade nos anos 1980, com a invenção do microscópio de varredura por sonda, entre os quais se incluem o de tunelamento e o de força atômica).

Os termos nanociência e nanotecnologia (este último cunhado por Norio Taniguchi, em 1974) referem-se, respectivamente, ao estudo e às aplicações tecnológicas de objetos e dispositivos que tenham ao menos uma de suas dimensões físicas menor que, ou da ordem, de algumas dezenas de nanômetros (um nanômetro corresponde a um bilionésimo de um metro, sendo representado pelo símbolo nm). Nano (do grego “anão”) é um prefixo usado nas ciências para designar uma parte em um bilhão. Assim: a nanociência procura entender a razão e a nanotecnologia busca se aproveitar dessas novas propriedades que surgem na escala nanométrica (também conhecida como nanoscópica) para desenvolver produtos e dispositivos para vários tipos de aplicações tecnológicas. As expressões nanociência e nanotecnologia estão, hoje, entre palavras as mais freqüentemente usadas na área de alta tecnologia (high-tech). Dessa forma, é um dever da comunidade científica informar e educar a população de maneira geral sobre o significado e o alcance desse novo ramo da ciência; sem desconsiderar os riscos e as incertezas inerentes.

Richard Feynman chamou a atenção para o fato de que, na dimensão atômica, trabalha-se com outras leis físicas (a lei gravitacional, por exemplo, não é dominante) e, assim, deve-se esperar também eventos diferentes, com a manifestação de propriedades que não são observadas no mundo macroscópico: novos tipos de efeitos e novas possibilidades de desenvolvimento de tecnologia. Na escala nanométrica os materiais não se comportam exatamente da forma como os conhecemos e utilizamos no dia-a-dia. Surgem novas e raras propriedades físicas e químicas, que estão ausentes para o mesmo material quando de tamanho microscópico ou macroscópico.

No Brasil, a nanotecnologia começou a ganhar, de fato, visibilidade, em 2001, quando da criação da Iniciativa Brasileira em Nanotecnologia para a formação de uma rede de pesquisa sobre o tema (CNPq/MCT). Hoje, no mundo todo, este ramo do conhecimento faz parte das chamadas áreas “portadoras de futuro”, que podem contribuir para o desenvolvimento tanto de setores considerados “de ponta” (nanoeletrônica: transitores, chips, processadores, etc.) quanto para os mais tradicionais, caso do agronegócio. Especialmente, neste último segmento: no aumento da produtividade da agricultura. Na Medicina, por exemplo, vislumbra-se uma revolução, atrelada a uma nova geração de fármacos, produzindo-se medicamentos constituídos de macromoléculas nanométricas com capacidade de armazenar no seu interior a molécula de uma droga ou princípio ativo, liberando-o lentamente, ou apenas nos tecidos alvos; além de uso no diagnóstico de doenças. Há ainda a questão da “fotossíntese artificial”, com vistas a permitir a produção de energia de modo ecológico e o desenvolvimento de nanotubos de Carbono, material com resistência mecânica 400 vezes maior que a do aço.

Especificamente no agronegócio, destacam-se o desenvolvimento de novas ferramentas para biotecnologia e para manipulação de genes e materiais biológicos, em agroenergia (catalisadores mais eficientes para a produção de biodiesel), na nutrição e na proteção de plantas (nanopartículas para a liberação controlada de nutrientes e pesticidas) e em tecnologia de alimentos (embalagens biodegradáveis e/ou comestíveis). Como produto da marca Embrapa na área de nanotecnologia cita-se o sistema sensor conhecido por “língua eletrônica”, desenvolvido pela Embrapa Instrumentação Agropecuária, com aplicações na análise sensorial (sensibilidade 10.000 maior que a do ser humano) da qualidade de bebidas, especificamente café e sucos, mas com possibilidade de extensão de uso para outros produtos (leite, vinho e água, por exemplo).

Como tudo o que é novo, a nanotecnologia não está imune aos riscos e as incertezas (embora, em tempos de debate sobre OGMs, este assunto tenha permanecido relativamente à margem das discussões). A ficção científica popularizou a nanotecnologia e ajudou a difundir temores, alguns reais e outros não. O livro de Eric Drexler, Engins of Creation (Engenhos da Criação, de 1986), é uma referência neste particular. A visão de que princípios do mundo macroscópico possam permanecer dominantes na escala nanoscópica não parece ser a mais adequada (a operacionalidade no mundo nanométrico não é a mesma). Entram nesta seara, a construção de nanorrobôs, autoreplicantes e dotados de inteligência própria.

Ainda suscita dúvidas o fato de que nanopartículas possam se difundir de maneira não controlada no ambiente, passando para a cadeia alimentar e servindo de vetores para patógenos desconhecidos. Há também questões éticas ligadas à possibilidade de desenvolvimento de armas de destruição em massa ou o risco de que cientistas venham a escrever seqüências de DNA e colocá-las em prática, nos moldes que se escreve um programa de computador.

Nanociência e nanotecnologia não é uma questão de ser pequeno (tampouco de pensar pequeno), mas sim de um tipo especial de pequeno.

(Gilberto R. Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo e membro da Academia Passo-Fundense de Letras.)

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