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Arrendamento rural e recuperação judicial


Escritório Barufaldi Advogados

DO ARRENDAMENTO RURAL APÓS O DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO ARRENDANTE: NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL?

O artigo 50 da Lei n.º 11.101/2005 elenca uma série de “meios de recuperação judicial”, dentre os quais (i) a alienação, (ii) o arrendamento ou (iii) usufruto de estabelecimentos. O contrato de arrendamento pode representar a fonte de recursos que a sociedade em crise precisa para estabilizar as suas movimentações financeiras ou para impulsionar parte de suas atividades empresariais, além de reduzir despesas inerentes ao bem arrendado e de preservar a propriedade do ativo arrendado, pois reduzir, portanto, a garantia dos credores.

A LREF não restringe a celebração do contrato de arrendamento rural, desde que, naturalmente, respeitado o princípio da satisfação dos créditos. Todavia, se no curso do processamento sobrevir ao empresário uma oportunidade atrativa para arrendar seu imóvel rural, antes ou após o momento de deliberação acerca do plano, é necessário, em atenção aos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e do que veda o enriquecimento injustificado, que o contrato seja submetido à análise do administrador judicial e à aprovação do juízo da recuperação. Caso o arrendamento rural possa ser oportunamente incluído no plano, isso deve ocorrer, para que maior estabilidade à relação contratual seja conferido pela aprovação direta e expressa dos credores.

Importante considerar o argumento de que a sociedade em recuperação poderia firmar contrato de arrendamento rural sem qualquer autorização judicial, porquanto se trata de mera relação de direito obrigacional, que não desfalca o ativo do devedor ou afeta a substância dos bens. Ocorre que nesta situação pode-se imaginar que algum credor ou terceiro legitimado poderá observar que o arrendamento não está alinhado nem com o propósito da recuperação judicial, nem com o conteúdo específico do plano; ou, ainda, que o arrendamento compromete outra destinação para o bem que seria mais adequada dentro do contexto fático-jurídico em que se encontra a sociedade devedora. Tais fatores, por si só, revelam que para o arrendatário se sentir seguro para investir na propriedade rural ao longo do tempo de vigência contratado – três anos no mínimo –, contrair obrigações com terceiros e realizar os tratos culturais com a tranquilidade que a lavoura demanda, a autorização judicial é medida imprescindível.

Cumpre atentar-se aos argumentos utilizados pelos Tribunais para fundamentar as decisões judiciais relacionadas ao tema:

Recuperação judicial. Autorização judicial para arrendamento de duas de suas plantas. [...] Concordância do Administrador Judicial e do Ministério Público. Contrato que não significa alienação ou oneração dos bens e direitos do ativo permanente. Desnecessidade de se aguardar autorização da assembleia geral. (TJ-SP - AG: 994093267465 SP, Rel.: Romeu Ricupero, julgamento em 02/03/2010, Câmara Reservada à Falência e Recuperação. Publicação: 11/03/2010.) 

No recurso acima citado, consta no parecer ministerial:

[...] o arrendamento, em princípio, importa em minimizar prejuízo aos credores. Anote-se, ainda, que se o plano não for aprovado, e, sobrevier a falência, os bens deverão ser arrecadados e alienados, hipótese que determinará a rescisão do contrato, se não preferir o administrador dar-lhe cumprimento. O arrendamento, em tese, não onera o ativo garantidor, mas se presta para a conservação do bem evitando o abandono ou a ociosidade que poderia determinar maior prejuízo aos credores. Finalmente, não há qualquer notícia de que o arrendamento importe em atos de fraude, o que, isto sim, poderia ser motivo impediente de efetivação dos contratos". 

O fato de a transferência se dar por arrendamento não retira do juízo da recuperação a competência para apurar a regularidade da operação, foi o entendimento proferido pelo STJ no julgamento do Conflito de Competência n.º 118183/MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, em julgamento ocorrido em 09/11/2011, na Segunda Seção. 

Anota-se que nos termos do artigo 66 da LREF, após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê (art. 66, e art. 27, I, f da Lei n.º 11.0101/05).  Com a alienação do bem, a quantia recebida não precisará ser depositada em juízo, podendo ser entregue diretamente à devedora que mais rapidamente poderá dar a destinação adequada aos recursos.  Assim, o mesmo procedimento poderá ser adotado com relação ao valor pago a título de arrendamento rural.

Nos casos em que já fora convolada a recuperação em falência, o legislador deixa expressa a submissão do arrendamento à autorização, visto que, segundo o parágrafo 5.º do artigo 192, “o juiz poderá autorizar a locação ou arrendamento de bens imóveis ou móveis a fim de evitar a sua deterioração, cujos resultados reverterão em favor da massa”.

A alienação de bem objeto de garantia real como meio recuperatório, a supressão da garantia ou a sua substituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia, ut art. 50, §1.º, da LREF. Na hipótese de financiamento da sociedade devedora durante a Recuperação Judicial, dispõe o artigo 69-A, incluído pela alteração de 2020, que, nos termos dos artigos 66 e 67, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos. Ainda, conforme o artigo 69-C, o juiz poderá autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original. 

Dessa forma, conclui-se que o contrato de arrendamento rural, quando o proprietário já tiver obtido o deferimento do processamento do seu pedido de recuperação judicial, deverá ser submetido à análise do administrador judicial e à autorização do Estado-juiz, promovendo-se, assim, o interesse do devedor, dos credores e das demais partes interessadas na superação da crise econômico-financeira subjacente ao pedido de recuperação pelo devedor.

Alexandre Barufaldi, Doutor | UFRGS
Eduardo Floriani Marques, Acadêmico | PUCRS

 

  Na mesma linha, ver: STJ, RMS: 56905/SP, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJ 16/04/2018. TJDF, AI n.º 0715024-31.2018.8.07.0000, DJDF 31/08/2018.
  Ver: SILVA PACHECO, José. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, p. 217. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
  SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência, p. 373. 2ª Edição. São Paulo: Almedina, 2017

 


 

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