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Desafios para o avanço do agronegócio brasileiro num cenário econômico incerto

Entrevista com engenheiro agronômo, Alysson Paolinelli


Nesse momento em que a falta de confiança na economia brasileira deixa em alerta vários setores, a AgroBrasConsult considerou oportuno ouvir a opinião do Sr Alysson Paolinelli – por sua visão histórica e importante trajetória profissional - sobre os desafios atuais e futuros que o agronegócio brasileiro deverá enfrentar para continuar crescendo e contribuindo para o equilíbrio da balança comercial brasileira.

Engenheiro agrônomo formado pela atual UFLA (Universidade Federal de Lavras), Alysson Paolinelli dirigiu a instituição quando ela ainda era denominada ESAL (Escola Superior de Agricultura de Lavras). Dedicou-se aos estudos sobre o potencial do Cerrado brasileiro para a produção agrícola e foi um dos responsáveis pela criação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Foi ministro da Agricultura no governo Geisel (1974 a 1979). Presidiu a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e elegeu-se deputado federal por Minas Gerais, em 1986. Foi secretário de Estado de Agricultura de Minas Gerais por três vezes. Em 2006 recebeu o prêmio World Food Prize, considerado o Prêmio Nobel da Alimentação. Atualmente é presidente da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho).

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Apesar do esforço do governo federal em minimizar as más notícias sobre ocenário macroeconômico brasileiro, existe razão para o nervosismo demonstrado pelo mercado de um modo geral?

Existe, porque a nossa economia realmente andou desalinhando um pouco. Alguns fundamentos que sempre foram muito bem alinhados, bem tratados, bem cuidados andaram saindo do limite possível. Isso não é bom, especialmente para uma economia que depende muito de um setor, no nosso caso, do setor agrícola. Então, a minha visão é de que, se não fosse pelo seu agronegócio, o Brasil teria sentido muito mais as consequências da crise financeira mundial e também teria passado por uma crise muito forte. 

Até que ponto a insegurança gerada pelo fraco desempenho da economia está afetando o crescimento do agronegócio brasileiro?
A insegurança, a falta de confiança na economia está afastando e muito o investimento externo, que é imprescindível para o crescimento deste setor. As incertezas, as medidas econômicas que ficam “flutuando”, as promessas que o governo faz e não cumpre, isso tudo é sinônimo de riscos e ninguém quer correr riscos. A insegurança jurídica também contribui muito para afastar o capital estrangeiro daqui. Por exemplo: o parecer de um advogado geral de um estado se sobrepõe à Constituição Federal. Isso só acontece no Brasil e faz com que as empresas estrangeiras recuem. Esses são problemas que nós estamos vivendo e em função deles assistimos ao desvio dos investimentos para outros países como Colômbia, Peru, Paraguai e principalmente para o México que tem captado muitos recursos. Se o investidor estrangeiro tivesse confiança na nossa economia estaria investindo muito aqui porque o agronegócio brasileiro está indo bem demais. A agroindústria é um setor fundamental e que poderia oferecer excelentes oportunidades para o capital estrangeiro, mas os investimentos foram praticamente trancados. 

Sendo assim, como o senhor enxerga o avanço do agronegócio brasileiro, a médio prazo?
Veja, o agronegócio brasileiro voltou a exportar US$ 100 bilhões no ano passado e a tendência é de que exporte mais nos próximos anos, com o crescimento das vendas externas de soja, de milho, de carne. Contudo, o que nos preocupa é que os setores em que nós somos competitivos não estão recebendo o apoio suficiente. Um exemplo clássico: ao ser anunciado em junho do ano passado, o Plano Safra 2013 fazia supor que o governo brasileiro havia reconhecido a importância da economia agrícola para o país. Mas o Plano Safra não está funcionando. Eu, que me entusiasmei ao acreditar que o governo tinha reconhecido a importância da agricultura e cheguei a colocar isso nos meus artigos, estou revendo o que eu disse, pois percebo que o meu entusiasmo não se concretizou. A mim - que tenho alguma experiência de governo, e fiz parte do conselho econômico do país por muitos anos – me parece que o aumento sem controle das despesas públicas levou a uma expansão da massa monetária e agora, para evitar efeitos inflacionários, o governo volta atrás e não executa alguns programas importantes para o financiamento agrícola. Esse é um ponto que eu considero temeroso e que precisa ser revisto com a máxima urgência porque, se por um lado alguns setores da economia brasileira não vão bem, a agricultura nacional vai muito bem e tem tudo para continuar assim, mas sem apoio, complica. Viajei muito no ano passado e pude confirmar a força que o Brasil tem, o respeito que ele conquistou junto ao mercado internacional. Estamos vendo a demanda aumentar. A demanda não é o Brasil quem faz, é o mundo. O Brasil pode muito bem atender a esse aumento da demanda, mas como as coisas estão sendo conduzidas pode ser que não consiga atender totalmente, como deveria.

O senhor concorda que entre os obstáculos estruturais ao desenvolvimento do agronegócio nacional se destacam, a precariedade da infraestrutura logística, a má qualidade dos serviços públicos – por exemplo, qualquer licenciamento ambiental no Brasil é um processo demorado, oneroso, etc –, e o déficit na formação de mão de obra especializada?
Concordo plenamente. No que diz respeito à logística o governo se assustou, viu que não tem competência para fazer o que é necessário e agora está fazendo o que é certo: deixando que quem tem competência faça. É bom que seja assim e vamos torcer para que continue. Aos outros obstáculos mencionados eu acrescentaria o atraso ligado ao radicalismo ecológico- ou ambiental -, que está travando, por exemplo, o uso das nossas hidrovias. Qualquer especialista em questões logísticas diz que o Araguaia-Tocantins é hoje para o Brasil o que o Mississipi foi para os Estados Unidos na década de 30, do século passado. Isso é assustador, e o Brasil não decide!... Enquanto no Mississipi existem 104 eclusas, todas velhas, com mais de 100 anos, e onde o governo americano está gastando muito dinheiro para recuperar, aqui no Araguaia –Tocantins existem duas. Uma está pronta, novinha, nunca foi usada e, quanto a outra, falta decidir se vão estourar as pedras no canal ou se vão construir mais uma eclusa. E quem tem que decidir não decide, não tem projeto, nem coisa nenhuma. Está tudo parado por obra de um advogado e de uma juíza de primeira instância que segurou uma liminar por 13 anos. Passaram-se três governos sem que o poder público se mexesse. Quer dizer, há um descaso sim, um despreparo. Acho que até maior do que a falta de recursos. Outra questão fundamental, ligada à infraestrutura e que precisa ser equacionada com urgência é a do armazenamento. Anunciaram um plano de armazenamento espetacular, mas onde estão os armazéns? Ainda não saíram do papel. Como uma das medidas para reduzir a expansão da moeda o governo segurou o dinheiro do armazenamento. A safra vem aí. Onde vamos colocar?...

Isso significa que as linhas de financiamento anunciadas destinadas à construção de armazéns não existem de fato?
As linhas foram estruturadas mas o que aconteceu foi que a coisa emperrou no governo. A expansão de base monetária está atrapalhando tudo isso. Eles (governo) expandiram demais e agora estão tentando equilibrar porque a inflação dispara com muito dinheiro na praça, o que o governo quer evitar. Isso não é dito, mas quem tem experiência vê claramente o que está acontecendo: tentativa de redução do meio circulante para conter a inflação Se eles acham que isso vai resolver o problema do Brasil que continuem a fazer; só vão nos enterrar. Um outro exemplo é o da Petrobras, que está “quebrada” em função da política do governo de conter a inflação segurando o reajuste de preços dos combustíveis (gasolina e diesel). É o resultado desastroso de uma política pública que não está funcionando.

Um setor considerado estratégico para o país é o setor de fertilizantes, sem os quais não há produção agrícola. Por diversos motivos o Brasil é extremamente dependente do mercado externo para atender a demanda interna. Qual é a sua visão prospectiva para o setor de fertilizantes?
A produção brasileira de fertilizantes praticamente estagnou desde a década de 70 quando o Brasil consumia um terço do fertilizante que consome hoje. Nada de relevante foi feito praticamente, mas é fundamental que o Brasil resolva essa questão dos fertilizantes. Sob o ponto de vista de planejamento do futuro isso é estratégico para o país. Em relação aos nitrogenados por exemplo não adianta ficar repetindo que o gás natural brasileiro é caro, que está longe, que o aumento da produção vai demorar a se concretizar. Tem é que resolver, tratar de solucionar os obstáculos que impedem o crescimento da produção dos nitrogenados. No caso do fosfatados, sem dúvida houve avanços, mas muito, muito lentos. E no tocante ao potássio, a atual legislação ambiental brasileira impede a exploração da jazida localizada no Amazonas, que poderia fazer frente à demanda pelo produto. No caso do potássio então a solução para os próximos anos vai ser inovar. Outra coisa a ser feita é fechar contratos de longo prazo com os produtores para baixar preços. Recentemente os preços do potássio baixaram porque os produtores andaram brigando entre si, mas o Brasil não pode ficar nesse tipo de dependência. Os contratos de longo prazo seriam uma das maneiras que o país tem de garantir seu abastecimento, mas é preciso buscar soluções “brasileiras” para os fertilizantes em geral. Por exemplo, não tem produtos solúveis usa os insolúveis mesmo, trabalhando de forma diferente, com o termopotássio, fazendo a rochagem, colocando os produtos dentro do complexo biológico do solo para que eles possam ir se dissolvendo a longo prazo. A curto prazo o Brasil vai continuar importando fertilizantes, mas eu repito: vamos ter que encontrar a nossa solução. Essa é a minha visão.

Mesmo nesse contexto em que obstáculos não são devidamente enfrentados, o investimento não acontece, o agronegócio brasileiro continua avançando e segurando a balança comercial brasileira. O senhor apontaria alguma (s) medida (s) imediata (s) para impulsionar de vez esse setor?
É imprescindível e urgente “destrancar” os investimentos e para isso duas coisas podem ser feitas: o governo passar a fazer uma política econômica mais séria, mais confiável, ou então haver uma troca de governo. Mudar o comando.

A chance vem aí ?
A chance vem aí... mas, ganhar de um governo que tem o Bolsa Família não é fácil não. Mas, dizem que Deus é brasileiro; então, se ele não trocar a camisa de uma maneira ou de outra a coisa vai dar certo.

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