Ao desembarcarem em Londrina, no Paraná, no dia 22 de junho, o presidente Lula e sua comitiva (os ministros Dilma Rousseff, Paulo Bernardo e Reinhold Stephanes) estavam reconstruindo a saudável tradição, esquecida há uma geração, de apresentar diretamente ao agricultor, o 'Plano de Safra', da safra que ele vai plantar. Trata-se de festival simbólico, onde a nação reconhece o papel fundamental do setor agrícola para o bem estar de todos e pede à natureza 'bons tempos' e ao agricultor 'coragem e paciência' para enfrentar os riscos caprichosos que aquela lhe impõe. Para estimulá-lo na árdua empreitada, o mais alto representante da nação, o presidente da República, vai pessoalmente dar seu testemunho de solidariedade e apresentar a política pública que lhe dará algum conforto. Complementa, assim o presidente, o enorme suporte que o seu governo tem dado ao setor, com o apoio ao trabalho realizado pela Embrapa, a responsável pela revolução tecnológica da agricultura brasileira.
É impossível deixar de reconhecer que, se cumprido, o Plano Agrícola e Pecuário (o PAP) constituirá um avanço extraordinário. O montante de recursos financeiros prometidos é da ordem de R$ 108 bilhões, grosseiramente distribuídos entre R$ 94 bilhões para o custeio e comercialização e de R$ 14 bilhões para investimentos: R$ 93 bilhões vão para a agricultura comercial e R$ 15 bilhões para a familiar. Melhoraram as condições de acesso ao programa dos pequenos e médios produtores e a taxa de juros foi reduzida a 6,25%. O Proger Rural (Programa de Geração de Emprego e Renda) aumentou de R$ 3 bilhões para R$ 5 bilhões e o aumento de crédito prometido com relação ao efetivamente concedido na safra 2008/09 (R$ 65 bilhões) é de 60%. Houve também progresso no reconhecimento de algumas despesas no custeio, na fixação de preços mínimos e no subsídio governamental (que poderia ter sido um pouco melhor) aos prêmios de seguro da safra. Em condições meteorológicas normais isso deverá produzir uma ampliação da área plantada e da produtividade na safra 2009/2010, com amplos benefícios para a queda da inflação e o crescimento das exportações.
Há sinais claros que continuaremos a caminhar para uma política agrícola moderna e eficiente, que dará garantia de renda para os produtores: a safra física será segurada e os preços poderão ser travados quando eles julgarem conveniente com operações no mercado futuro. Isso ampliará a competição para o financiamento agrícola e reduzirá os seus custos.
Remanesce, ainda, o grave problema (para o agricultor) da dívida acumulada no passado devido à sinistra combinação da volatilidade de renda do setor com as oportunísticas políticas de combate à inflação promovidas pelo governo e que tem sido mal negociada quase anualmente. Resolvido ou melhor, amenizado o problema da volatilidade da renda agrícola pelo desenvolvimento simultâneo do seguro e de instrumentos financeiros para travar os preços, o passo seguinte deverá ser uma negociação benigna da dívida que liberte, definitivamente, o setor agrícola do seu pesadelo.
Há, ainda, duas questões que por sua importância para o crescimento do setor no longo prazo devem ser enfrentadas. Uma é do desrespeito frequente à instituição da propriedade privada, que tende a reduzir os investimentos na agricultura, e a outra é o da relação cada vez mais importante entre a atividade agrícola e a conservação do meio ambiente, que o Estado-espetáculo tende a empurrar sobre ela, aumentando-lhe os custos.
O estatuto da propriedade privada na agricultura tem sido violado cada vez com maior frequência e gravidade e, o que é pior, sob os olhos generosos, mas às vezes excessivamente complacentes, do Estado. Isso, certamente, estimula a violência e os conflitos fora da ordem institucional em que devem ser resolvidos. Recentes pesquisas empíricas feitas sobre a evolução da agricultura chinesa, em resposta ao voluntarismo de Mao, mostraram a importância do respeito à propriedade privada para estimular os investimentos e os ganhos de produtividade nas pequenas e médias propriedades.
Com relação à segunda questão, o discurso de Lula revelou, outra vez, a imensa intuição que sempre supera o conhecimento acadêmico de seus 'companheiros'. Disse ele em Londrina: '...o que estamos discutindo é a reserva legal, que nenhum outro país do mundo tem. De quem é a obrigação de manter essas grandes reservas? Essa é, em todo o mundo, uma responsabilidade dos governos e não apenas do produtor. Se a sociedade quer a preservação ambiental deve pagar por isso e não jogar todo o esforço nas costas do agricultor...' Essa é a 'grande verdade' que vamos ter de incorporar e, com ela, temperar o entendimento simplista excessivamente dominado pelo estilo rococó que, às vezes, ataca nossos ambientalistas. Estes tendem a ignorar o fato elementar que não há produção física sem a geração simultânea de CO2.
*Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 14/07/2009.