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Pesquisadores do Amazonas transformam carcaça de pirarucu em ração para aves

Os restos do peixe viram ingrediente alternativo para alimentação das aves produtoras de ovos, gerando emprego e renda além de preservar os rios


As carcaças do pirarucu, hoje descartadas após a retirada dos filés do peixe, podem ser transformadas em um importante ingrediente alternativo para a composição da ração de poedeiras comerciais, aves destinadas à produção de ovos, trazendo benefícios econômicos para os sistemas de criação, além de geração de emprego e renda para os produtores de pescado do Amazonas. A reciclagem desses resíduos também é benéfica para o meio ambiente, uma vez que as sobras deixam de ser jogadas nos rios.

É o que mostra a pesquisa “Silagem ácida de resíduos de pirarucu na alimentação de poedeiras comerciais leves” desenvolvida pela zootecnista Oscarina Batalha. O estudo, defendido na última semana por ela, apontou que a silagem ácida obtida a partir da biomassa residual de pirarucu gerada na Unidade de Beneficiamento Pescado (UBP) no município de Maraã (a 634 quilômetros de Manaus) apresenta boa digestibilidade dos nutrientes pelas aves e potencial para ser utilizada como fonte energética.

A mestranda em Agricultura no Trópico Úmido, curso oferecido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC), explica que o produto pode ser incluído na forma de farinha de silagem ácida até o nível de 2,5% na ração sem interferência negativa no desempenho e na qualidade dos ovos de poedeiras comerciais leves. “Pelo contrário, observamos que a qualidade do ovo melhorou muito. A gema ficou maior e com a cor mais escura resultado da gordura do pirarucu”, contou.

Para produzir a silagem ácida, Oscarina utilizou a carcaça (espinha dorsal e costelas) do pirarucu. Ela triturou os resíduos, misturou com ácidos fôrmico e propiônico e deixou descansando por três dias. Depois deste período, levou a mistura para a estufa de ventilação forçada por mais 72h e, em seguida, triturou novamente para transformá-la em farinha de alta qualidade nutricional, que pode ser usada na composição de ração não só de aves poedeiras, mas também de suínos e peixes.

Na safra de 2014, a UBP de Maraã produziu em torno de 155 toneladas do peixe, gerando 50 toneladas de resíduos, como carcaças, vísceras, nadadeiras, escamas e couro, sendo que 30% deste total são descartados no meio ambiente por falta de uma estação de tratamento de resíduos. A expectativa é que agora com os resultados positivos do beneficiamento dessa biomassa residual, empresários e organizações se interessem em investir e fazer uso dessa tecnologia.

Bom para o meio ambiente

Para o doutor em biotecnologia Frank Cruz, coordenador do setor de Avicultura da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a pesquisa sobre silagem ácida de resíduos de pirarucu atingiu dois grandes objetivos: ofertar uma proteína de origem animal e oferecer uma alternativa para despoluir o meio ambiente ao aproveitar resíduos que são jogados na natureza.

Ele lembrou que o potencial de pirarucu no Estado é grande e seus resíduos ainda pouco explorados. Além disso, o Amazonas não tem uma fábrica de farinha de peixe no nível de produção comercial. A publicação do estudo pode fazer com que as próprias comunidades se organizem em locais onde tem produção do pescado para produzirem o produto.

“Não deixa de ser uma grande alternativa para a nossa região não só na utilização desses resíduos, mas também de transformar, futuramente, em geração de trabalho e renda para os ribeirinhos. A produção pode começar em pequena escala, mas daqui a pouco eles podem produzir em grande escala por conta da grande oferta desse pescado. Isso pode ser uma alternativa de renda para o produtor”, explicou.

E o mais difícil para começar essa exploração já foi feito, que é o desenvolvimento da pesquisa. “A nossa região, apesar de toda essa grandeza da oferta de alimentos alternativos, ainda carece de muitas informações sobre esses produtos. Na oportunidade como esta onde nós já temos definido o papel desse produto e como utilizá-lo é um grande avanço”, observou Cruz.

Outro ponto importante, conforme avalia o doutor em biotecnologia, é a redução de custos com alimentação que o produto vai proporcionar aos produtores do setor de avicultura. “O Amazonas importa 100% de toda matéria prima utilizada na confecção de rações (milho, farelo de soja, farinha de osso). Com a silagem de resíduos de pirarucu essa importação será reduzida e isso é muito importante porque em aves o item alimentação corresponde a 80% do custo total de produção”, pontuou.

A partir destes resultados, Sônia espera que a UBP de Maraã, que está fechada há dois anos, seja reaberta e que se implante uma estação de tratamento de resíduos de pescado para os produtores poderem fazer o aproveitamento desses resíduos direcionando-os para a produção de silagem e adubos orgânicos, agregando assim valor econômico a esses produtos. A Secretaria de Estado da Produção Rural (Sepror) não se manifestou sobre os planos para a UBP em questão.

Também pode virar adubo

O projeto “Inovações Tecnológicas no Tratamento de Resíduos da Indústria de Beneficiamento de Pescado de Maraã” gerou muitos resultados promissores, de acordo com a coordenadora Sônia Alfaia. Além da silagem ácida, que apresenta características químicas e valor nutricional adequados para servir como ingrediente alternativo na composição da ração de poedeiras comerciais, também foram produzidos, a partir dos resíduos de pescado, adubos orgânicos ricos em fornecimento de cálcio e fósforos, elementos fundamentais para a produção agrícola na Amazônia.

“Se nós considerarmos que o fósforo é crucial na Amazônia, onde 90% do solo têm deficiência deste nutriente, o resultado das pesquisas entra como uma luva para o fortalecimento da agricultura regional e a comercialização de produtos orgânicos, mais saudáveis para a sociedade, além de contribuir com o meio ambiente ao evitar o descarte dos resíduos de pescado como vem sendo feito”, destacou Sônia.

Ela destacou que os compostos em combinação com material vegetal de plantas leguminosas apresentam condições de substituir o esterco bovino na produção de adubos orgânicos. “A produção no campo foi tão alta quanto se fosse usado adubo químico. Só o fato de poder substituir o adubo químico é bastante válido porque ele é caro e o produtor do interior tem dificuldade de acessar esse produto”.

Financiado pela Fapeam

A pesquisa de Oscarina Batalha foi desenvolvida dentro do projeto de Inovações Tecnológicas no Tratamento de Resíduos da Indústria de Beneficiamento de Pescado de Maraã, coordenado pelo Inpa e financiado pelo Programa de Apoio à Consolidação das Instituições Estaduais de Ensino e/ou Pesquisa (Pro-Estado) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). O primeiro resultado do estudo foi aceito para ser publicado na revista Acta Scientiarum.

Tambaqui em outro estudo

Uma pesquisa semelhante está sendo desenvolvida na Ufam, pela mestranda em Ciência Animal, Cristiane Cunha Guimarães. Mas ao contrário de Oscarina Batalha, ela utilizará enzimas no lugar de ácidos, resultando em uma silagem biológica para também ser usada na composição da ração de poedeiras comerciais. Cristiane pretende produzir o produto de resíduos de tambaqui, outro peixe bastante consumido no Amazonas. O trabalho de campo deve começar dentro de um mês.

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