Tecnologias Bt: cresce resistência de lagartas em campo
Lagartas resistentes a tecnologias Bt ameaçam eficácia de cultivares biotecnológicas

A resistência de insetos-praga aos cultivos Bt (modificados para expressar toxinas derivadas da bactéria Bacillus thuringiensis) já é reconhecida em ao menos 11 espécies, em diversos países.
Em um estudo recente, pesquisadores identificaram que a lagarta Helicoverpa zea evoluiu resistência em campo a cultivares Bt, e encontraram mecanismos genéticos inéditos — não relacionados aos genes “suspeitos usuais” previamente associados à resistência.
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Outro trabalho revelou que a proteína Bt Cry1Ab pode agir por duas rotas tóxicas diferentes contra pragas como o borer asiático (Ostrinia furnacalis), estratégia natural que pode retardar a emergência de resistência — embora algumas toxinas, como Cry1Fa, não apresentem essa redundância funcional.
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Essas descobertas reforçam que a resistência pode surgir por vias inesperadas e que manter a eficácia do Bt exige inovação contínua nas proteínas usadas e nos sistemas de manejo.
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Casos no Brasil: soja Bt, milho e lagartas emergentes
No Brasil, há evidências recentes de resistência em culturas Bt:
Na soja Bt (Intacta), lavouras no Paraná registraram a presença da lagarta falsa-medideira Rachiplusia nu em cultivares que carregam a toxina Cry1Ac. Esse achado foi confirmado por monitoramentos da ADAPAR (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná) em parceria com a Embrapa Soja.
Em Mato Grosso do Sul, produtores relataram preocupações com essa mesma espécie em lavouras de soja Bt.
Um estudo de 2025 investigou a expansão da Rachiplusia nu entre 2021 e 2024, indicando que ela se tornou cada vez mais predominante em áreas com soja Bt, especialmente em variedades que expressam Cry1Ac.
Na lagarta-do-cartucho Spodoptera frugiperda, análises moleculares identificaram mutações em genes como SfABCC2 (ligados à ligação das toxinas Bt) — entre elas, mutações de substituição de aminoácidos e cortes prematuros na proteína receptor, que reduzem ou eliminam a eficácia das toxinas Cry1Fa e Cry1Ab.
A literatura especializada já documenta que a quebra de resistência de tecnologias Bt e de inseticidas convencionais tem sido problema crescente nas pragas que atacam estruturas reprodutivas, como espigas de milho e vagens de soja.
Mecanismos genéticos e tendências de resistência
A resistência às toxinas Bt costuma aparecer via modificações nos genes de receptores no intestino dos insetos (como mutações em ABCC, famílias de receptores ou diminuição de expressão), que impedem a ligação eficaz da toxina.
No caso de S. frugiperda, a resistência cruzada (quando uma mesma população resistente responde a mais de uma toxina) torna inviável o uso isolado de genes Bt em pirâmide (combinações de várias toxinas).
Ainda, em várias espécies, as linhagens resistentes não exibem grande perda de aptidão (fitness) quando em ambientes sem Bt, o que favorece a manutenção desses genes de resistência na população.
Desafios para o manejo e estratégias alternativas
Com a evolução da resistência, cultivadores e pesquisadores enfrentam alguns desafios e oportunidades:
Refúgio e manejo integrado
A estratégia clássica de reservar áreas com cultivares não-Bt (refúgios) permite que insetos suscetíveis se cruzem com resistentes, retardando a fixação da resistência.
No entanto, seu sucesso depende da adoção rigorosa no campo e do uso adequado de doses “altas” de toxinas Bt (estratégia “high-dose”), que dificultam que heterozigotos sobrevivam.
Piramidização de genes Bt
Combinar duas ou mais toxinas Bt com modos de ação distintos pode dificultar que as pragas evoluam resistência simultânea. Mas já há casos, especialmente em pragas como Diabrotica e H. zea, em que essa estratégia foi superada.
Além disso, a resistência cruzada e a evolução rápida exigem inovação na combinação de genes.
Novas biotecnologias e diversificação
A combinação de Bt com RNA interference (RNAi) tem sido explorada para aumentar a eficiência e durabilidade das proteções. Um dos estudos demonstrou que, quando RNAi foi comercializado, já havia resistência ao Bt em algumas populações, o que reduz seu potencial de “reforço”.
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Pesquisas recentes também identificaram estratégias naturais para retardar resistência — por exemplo, toxinas Bt que atuam por vias múltiplas para “redundância funcional” (se uma rota é bloqueada, outra ainda pode ser letal).
A busca por novas proteínas Bt, engenharia de proteínas híbridas ou modularizadas, e edição genética para diversificar mecanismos de ação são linhas ativas de P&D.
Monitoramento contínuo e vigilância genética
Monitorar a suscetibilidade dos insetos no campo e acompanhar mutações emergentes é essencial para detectar resistência em estágio inicial e ajustar estratégias.
Investimentos em genômica e bioensaios são fundamentais para mapear pontos de ruptura antes que a resistência se torne “prática” (quando a eficácia da cultura Bt cai significativamente).
Implicações
A evolução de lagartas resistentes às tecnologias Bt representa um alerta: as ferramentas biotecnológicas não são infalíveis e exigem complementos robustos de manejo. Caso contrário, produtores podem enfrentar perdas crescentes, retorno ao uso mais intensivo de inseticidas e perda da sustentabilidade ambiental.
Para o setor, isso implica:
Reforçar programas de resistência com metas claras e fiscalização da implementação de refúgios.
Promover a diversificação de estratégias de controle (roteamento de cultivos, controle biológico, rotação, uso de cultivares tolerantes).
Incentivar a pesquisa pública e privada para geração de novas toxinas, híbridos ou tecnologias integradas (Bt + RNAi, por exemplo).
Estruturar sistemas de vigilância e alerta rápido para ocorrência de mutações resistentes.
A durabilidade das tecnologias Bt dependerá menos da inovação singular e mais da combinação equilibrada de ferramentas, vigilância genética e adoção disciplinada de boas práticas no campo.