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Percevejo barriga-verde: nova prioridade das culturas em sucessão à soja


Percevejo barriga-verde: nova prioridade para o Manejo Integrado de Pragas nas culturas em sucessão à soja
 
Por José Magid Waquil¹ e Lenita J. Oliveira²

Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), cujos registros iniciaram-se na safra 1977/78, a região Centro-Sul, naquela safra, já cultivava cerca de sete milhões de hectares de soja. O cultivo da soja no verão e do trigo no inverno, na mesma área, parecia uma combinação perfeita para o produtor, principalmente associando o sistema de plantio direto à sucessão de uma leguminosa (soja) por uma gramínea (trigo). Entretanto, a partir de 1982, as primeiras experiências de sucessão da soja com milho ou sorgo iniciaram-se como alternativa ao cultivo do trigo. Devido à menor produtividade obtida com o milho e o sorgo cultivado nessa época, comparada com a safra normal, esta segunda safra foi denominada safrinha.

A safrinha de milho e de sorgo teve especial incremento, a partir do início da década de 90, quando o acordo comercial entre Brasil/Argentina facilitou a importação de trigo, derrubando drasticamente a rentabilidade dessa cultura no Brasil. Nestas últimas duas décadas, a área de soja passou de aproximadamente nove para 19 milhões de hectares e a do milho-safrinha de 0,5 para 4,5 milhões de hectares. A área cultivada com o trigo caiu de 3,3 para 2,3 milhões de hectares, mas, na safra 1995/96, caiu para perto de um milhão de hectares. Desde então, a área cultivada com soja e as culturas utilizadas em sua sucessão, como o milho, o trigo, o sorgo e o girassol, está crescendo (Figura 1). Em 2007/2008, a área cultivada com o girassol ultrapassou os 100 mil hectares.

Os percevejos sempre desempenharam papel importante, causando danos expressivos na cultura da soja. Entretanto, as espécies de percevejos predominantes na cultura da soja são o percevejo-verde (Nezara viridula) e o percevejo-marron (Euschistos hero). Essas espécies têm recebido especial atenção pelos produtores, cuja predominância de um ou outro varia em função de ano e de região. Entretanto, algumas espécies que ocorrem no final do ciclo da soja, como as duas espécies conhecidas como percevejo barriga-verde, Dichelops furcatus (Fabr, 1775) e Dichelops melacanthus (Dallas, 1851) (Heteroptera: Pentatomidae), não têm merecido controle na cultura da soja.

No caso do percevejo barriga-verde, o não controle na soja se deve à sua baixa densidade, onde participa com menos de 14% da população de percevejos. Todavia, em 1993, foi registrada, pela primeira vez, a incidência de D. melacanthus causando danos em plântulas de milho, no município de Rio Brilhante, MS, pelo Dr. Crébio Ávila e Dr. Ricardo A. Panizzi, ambos da Embrapa. Desde então, as espécies D. melacanthus e D. furcatus, em ocorrência simultânea ou não, têm sido mencionadas em lavouras de milho, trigo, sorgo e em capítulos de girassol além de várias espécies de plantas invasoras como, por exemplo, o cordão-de-frade, vassourinha e trapoeraba, na Região Centro-Sul do Brasil.

O nome comum dessas duas espécies - percevejo barriga-verde - é devido à sua aparência, pois, a face dorsal é marrom e a ventral verde. Embora essas duas espécies sejam muito semelhantes na aparência geral, elas podem ser facilmente separadas, pois, D. furcatus é maior, medindo cerca de 10 mm de comprimento e na extremidade anterior da cabeça nota-se uma reentrância longitudinal profunda, dando um aspecto bifurcado. O adulto de D. furcatus apresenta, ainda, os prolongamentos laterais no pronoto, em forma de espinhos, da mesma cor do dorso, enquanto que D. melacanthus é menor (7 mm) e apresenta a extremidade dos espinhos mais escura do que o resto do dorso, daí o nome melacanthus - cantos escurecidos (Figura 2).

Os danos causados pelos percevejos no milho, trigo e sorgo, são devidos, principalmente, à alimentação de adultos e ninfas na base das plântulas, logo após a germinação das sementes. O percevejo se posiciona com a cabeça voltada para baixo, na base do colmo do hospedeiro, como por exemplo, mostrado no milho na Figura 3. Durante a alimentação, o percevejo introduz seu estilete nos tecidos jovens, injetando saliva para facilitar a sucção de seiva. Dependendo da idade da plântula e da intensidade da infestação, o dano do percevejo pode causar desde sintomas leves até morte da plântula. Esta se inicia com murchamento das folhas centrais, sintoma de “coração morto” e termina com a seca total da planta, reduzindo o estande da cultura. A alimentação do percevejo pode, ainda, promover alterações fisiológicas na planta à semelhança da retenção foliar na soja. Nas folhas das gramíneas, o dano do percevejo não permite a abertura (desenrolamento) do limbo foliar, formando o sintoma denominado “encharutamento”. Em alguns casos, pode provocar o super perfilhamento, cujo sintoma é conhecido como “enrosetamento” ou pode, ainda, causar apenas lesões (furos) simétricas com bordas amareladas no limbo foliar.

Assim, os prejuízos causados pelos danos do percevejo barriga-verde podem variar desde a perda total da planta até perdas de 30% da produção nas plantas sobreviventes. No caso específico do trigo, resultados experimentais revelaram que as perdas são proporcionais ao número de percevejos/planta e equivalentes a 254,4 Kg/ha para cada incremento de um percevejo/planta. Na cultura do sorgo, o percevejo provoca danos semelhantes aos provocados no milho, mostrando poucas diferenças entre cultivares, entretanto, após o controle, as cultivares de sorgo mostraram diferentes capacidades de recuperação. Mais recentemente, têm sido relatados, inclusive, danos de D. malacanthus em plântulas de soja e sintomas de danos do percevejo nas braquiárias.

As fêmeas, após o acasalamento, colocam seus ovos, de coloração verde-azulada, sobre as folhas, inclusive de plantas daninhas. Entretanto, estudos de laboratório indicam uma baixa sobrevivência de ninfas e adultos de D. melacanthus em alimentos que não sejam vagens imaturas de soja. Ainda foi registrada uma alta não-preferência das fêmeas para oviposição em outras espécies como milho, trigo, crotalária e trapoeraba.

Para D. melacanthus, está registrado na literatura que seus ovos não se desenvolvem em temperaturas abaixo de 20 oC. Nessas condições, a sobrevivência de ninfas é menos de 3%. Mesmo a 25 oC, apenas 56% das ninfas completam seu desenvolvimento em, aproximadamente, 25 dias. Além da temperatura, também o fotoperíodo afeta a biologia dos percevejos. Sob condições de dias longos, entre 13 a 14 horas de luz, os adultos apresentam maior desenvolvimento dos espinhos, o abdômen mais verde, baixa concentração de lipídeos no corpo e maturidade dos órgãos sexuais. Adicionalmente, levantamentos realizados a campo no mês de novembro, no MS, revelaram que 49% dos ovos de D. melacanthus estavam parasitados e não se desenvolveram.

Os adultos do percevejo barriga-verde têm maior atividades nas horas mais amenas do dia, pela manhã, final da tarde ou durante a noite. Nas horas mais quentes, os adultos ficam escondidos em plantas daninhas não afetadas pelos herbicidas ou sob a cobertura de matéria orgânica. Isto explica sua maior incidência nas áreas de plantio direto, comparado com o sistema convencional, onde não fica esconderijo para os adultos e ninfas. Todos esses fatores discutidos acima podem explicar, pelo menos parcialmente, porque as populações dessas espécies ocorrem em densidade expressiva apenas no final do ciclo da soja, causando danos apenas nas culturas em sucessão, como o milho, trigo, sorgo, girassol ou braquiária. Aparentemente, essa praga depende do sistema de sucessão, soja/outra cultura, para causar danos, uma vez que os resultados experimentais indicam o não fechamento de seu ciclo na ausência da soja.

Uma das grandes dificuldades para o controle do percevejo barriga-verde é a constatação da infestação. Geralmente, ela só é detectada depois dos danos já consumados, pelos sintomas nas plântulas danificadas. Nos casos mais severos, quando a infestação é notada, os danos já são irreversíveis e as perdas inevitáveis. Portanto, o produtor que pretende fazer uma sucessão de culturas deve começar a se preocupar com o percevejo barriga-verde mesmo antes da colheita da soja, monitorando a lavoura para detectar focos de ocorrência do percevejo barriga-verde.

É possível detectar a incidência do percevejo mesmo antes de instalar a cultura. No IAPAR, foi desenvolvido um sistema de detecção da presença de percevejos, utilizando como iscas, cerca de 300 g de sementes de soja embebidas em água por 10-15 minutos, adicionando sal de cozinha depois de escorrido o excesso de água. As iscas devem ser colocadas no campo no final da tarde, em local protegido com palha e as observações e contagens devem ser realizadas na manhã seguinte. É considerado infestação alta, média ou baixa se for observado, respectivamente, mais de 5, entre 3-5 e menos de 2 insetos/armadilha. Confirmada a presença do percevejo na área, seu controle é inevitável para implantar a cultura em sucessão.

Muitos produtores utilizam um inseticida de alto impacto na dessecação da área antes de semear o trigo ou a safrinha de milho ou sorgo. Obviamente, se na área houver presença de percevejo ou de lagarta a ser controlado, essa prática será benéfica, entretanto, se não houver, o impacto negativo sobre a população de inimigos naturais (predadores e parasitóides), que a nova lavoura estaria herdando da cultura anterior, pode promover uma maior infestação de insetos praga nas culturas em sucessão. Portanto, o monitoramento e o conhecimento do papel de cada espécie no agroecossistema são fundamentais para se tirar o maior benefício do seu equilíbrio biológico.

O controle do percevejo-barriga-verde pode ser realizado preventivamente, através do tratamento de sementes. Os tratamentos de sementes com os novos princípios ativos do grupo dos neonicotinoides (imidacloprido e thiamethoxan) têm apresentado eficiência superior a 87% no controle do percevejo, em avaliações realizadas até 30 dias após a emergência das plantas. Após o período residual, dependendo da população (dois ou mais percevejos por metro de fileira), demandará medidas de controle complementares. Nesse caso, a aplicação de inseticida deve ser direcionada para a base do colmo da planta, onde normalmente encontra-se o inseto. Os inseticidas recomendados, em pulverização, para o complexo de percevejos fitófagos da soja são eficientes no controle do percevejo barriga-verde. Deve-se dar preferência para pulverizar a área nas horas mais frescas do dia, quando os adultos têm maior atividade.

Finalmente, com base nas informações hoje disponíveis, o percevejo barriga-verde deve ser considerado uma praga-chave das culturas em sucessão à soja. Entretanto, o percevejo barriga-verde não consegue aumentar expressivamente sua população nessas culturas. Também, as condições ambientais parecem críticas para sua dinâmica populacional. Outro fator que deve ser considerado é a utilização de milho Bt com resistência às lagartas, pois, a não demanda de controle químico inicial dessas pragas pode deixar o produtor desatento para ocorrência do percevejo barriga-verde, que não é controlado pelo milho trangênico. Portanto, a melhoria do manejo do percevejo barriga-verde depende de um monitoramento mais sistemático da população no agroecossistema (inclusive na soja) e do aprofundamento dos estudos da sua ecologia, principalmente da dinâmica populacional e da interação inseto/planta.

Figura 1. Evolução das culturas do trigo e do milho e sorgo na safrinha para a região Centro-Sul do Brasil desde a safra 1977/78 até as estimativas para a safra 2009/10

Fonte: Conab: http://www.conab.gov.br/conabweb/index.php?PAG=131 , consulta 12/12/2009.



Figura 2. Espécies de percevejos barriga-verde, e Dichelops furcatus (maior) e Dichelops melacanthus (menor)


Fonte: Natasha Wright, Florida Department of Agriculture and Consumer Services, Bugwood.org




Figura 3. Percevejo barriga-verde alimentando-se na base da plântula de milho

¹Pesquisador aposentado da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas-MG); ²In memorian, ex-pesquisadora da Embrapa Soja (Londrina-PR)

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