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Reunião da OMC em Cancún termina em fracasso


Fracassou a 5.ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que deveria ter dado novo impulso às negociações lançadas no ano passado em Doha, no Catar. “Eu não diria que a Rodada de Doha está morta, mas certamente precisa de cuidado intensivo”, disse o comissário de Comércio da União Européia, o francês Pascal Lamy, numa entrevista ontem à noite. Será difícil, depois do que houve em Cancún, concluir a rodada até o fim de 2004, no prazo combinado inicialmente, avaliou o representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior, Robert Zoellick.

O ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, preferiu evitar a palavra fracasso. Reconheceu que houve um revés, mas afirmou que houve progressos para os países em desenvolvimento, com a atuação do Grupo dos 21, coordenado pelo Brasil. Participam desse grupo, entre outros, Argentina, México, Índia, China e África do Sul. “Saímos deste processo mais fortes do que entramos”, disse o chanceler brasileiro. Ontem à tarde, o bloco tinha 22 associados, com a saída de El Salvador e o ingresso de Indonésia e Nigéria.

O fracasso da conferência resultou de um confronto entre ricos – União Européia, Suíça, Coréia e Japão – e algumas dezenas de países pobres, na maioria africanos, em torno de investimentos, regras de concorrência, transparência em compras governamentais e facilitação de comércio.

Desde a reunião de Cingapura, em 1996, os países mais desenvolvidos pretendiam que as regras internacionais de comércio cobrissem esses temas. Em Doha, no ano passado, vários países pobres, liderados pela Índia, recusaram a inclusão desses assuntos na pauta da nova rodada. Foi acertado, no instante final, que só entrariam na agenda se fosse criado um consenso explícito até a reunião de Cancún. Nunca houve esse consenso.

Ontem, os europeus aceitaram que a agenda incluísse apenas compras governamentais e facilitação de comércio. Os africanos consultaram seus governos e rejeitaram a proposta. O ministro coreano discordou do abandono de dois temas. O presidente da Conferência, o chanceler mexicano Luiz Ernesto Derbez, decidiu que era inútil continuar e levantou-se para sair.

Foi uma espécie de anticlímax. Durante toda a semana, o Grupo dos 21, coordenado pelo Brasil, havia negociado intensamente com os EUA e com a UE um acordo sobre os objetivos e o alcance da negociação agrícola. Pelo menos sobre isso as avaliações coincidiam: se houvesse fracasso, seria por causa da agricultura. As negociações paralelas, com pressões denunciadas pelas organizações não-governamentais e confirmadas discretamente por diplomatas, tiveram como foco a questão agrícola.

Inconcluso – As discussões sobre o tema haviam avançado pela noite de sábado e as bases para um entendimento pareciam próximas, ontem de manhã. O ministro Derbez havia distribuído um novo rascunho da declaração final de Cancún. Na parte sobre agricultura, a redação se tornara mais aceitável para o Brasil e outros países do Grupo dos 21. Tópicos fundamentais, como a eliminação gradual de subsídios à exportação de produtos agrícolas, estavam mais próximos das propostas do grupo. Ainda havia desacordos e todos pressionariam por mudanças, mas delegados brasileiros e de outros países do grupo exibiam otimismo. O texto, argumentavam, era melhor que o apresentado em Genebra pelo presidente do Conselho Geral da OMC, o uruguaio Carlos Pérez de Castillo – este bem mais favorável aos países ricos.

Conhecido o fracasso da reunião, a área comum do centro de convenções de Cancún transformou-se num inferno, com jornalistas e delegados amontoando-se em entrevistas improvisadas e membros de organizações não-governamentais gritando e cantando para festejar o resultado. Às 4 da tarde, cinco representantes do G-21, G-22 ou G-20 mais, como disse o ministro Amorim, deram entrevista. “Fomos capazes de mostrar o que pode fazer um grupo de países em desenvolvimento unidos não por uma bandeira ideológica, mas por um tema concreto, a agricultura, o mais importante assunto inconcluso da OMC”, afirmou Amorim.

Cada um dos delegados falou nessa entrevista, respondendo às perguntas de um auditório lotado. Todos insistiram em que o grupo trabalhou em busca de oportunidades de comércio, apresentando propostas para levar as negociações adiante. Segundo Amorim, o grupo espera que as discussões continuem do ponto em que foram interrompidas.

A conferência deveria ter dado rumos para as negociações até a conclusão da Rodada de Doha, programada para 1.º de janeiro de 2005. Os trabalhos seriam conduzidos pelas delegações que representam os vários países na OMC, em Genebra. Ainda não estava claro, na noite de ontem, se haveria uma nova reunião ministerial antes do encontro de Hong Kong, já marcado para o final de 2004. Ninguém poderia ter segurança nem mesmo quanto ao cronograma oficial, depois desse fracasso. Mas a OMC estava pelo menos ampliada com o ingresso do Nepal e do Camboja, dois dos países mais pobres do mundo. Agora são 148.

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