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Saiba os impactos do ciclone na agricultura

Gabriel Rodrigues, meteorologista do Portal Agrolink explica a previsão


Foto: Divulgação

Por Gabriel Rodrigues com colaboração de Aline Merladete

O avanço de um ciclone extratropical e a intensa instabilidade atmosférica associada prometem um cenário crítico para as lavouras brasileiras entre os dias 7 e 10 de novembro de 2025. De acordo com Gabriel Rodrigues, meteorologista do Portal Agrolink, a sequência de ventos superiores a 100 km/h, chuvas volumosas, granizo, tornados, queda brusca de temperatura e alta umidade representa uma ameaça severa ao desenvolvimento de culturas como soja, milho e feijão em diversos estágios fenológicos. A seguir, o boletim técnico detalha os principais impactos esperados no campo.

Impactos

Considerando toda a dinâmica meteorológica descrita – a formação e amadurecimento do ciclone extratropical, a sequência de ventos extremos, chuvas volumosas, granizo, tornados/microexplosões e a subsequente queda de temperatura – os impactos nas lavouras em desenvolvimento durante os dias 7 a 10 de novembro de 2025 estruturam-se em múltiplas dimensões que se potencializam mutuamente.

Acamamento generalizado e perdas estruturais

O impacto mais imediato e visível diz respeito ao acamamento de plantas, particularmente em soja, milho e feijão em estádios vegetativos precoces a intermediários. Nas regiões Noroeste, Norte e Nordeste do Rio Grande do Sul, onde os ventos são previstos para superar consistentemente 100 km/h, o acamamento será generalizado. Plantas em desenvolvimento vegetativo – que caracterizam a maioria da soja plantada em outubro no RS – registrarão inclinação severa ou tombamento total, danificando o sistema radicular e interrompendo o transporte de nutrientes. As perdas de produtividade resultantes podem atingir 30% a 60%, dependendo da altura e resistência das plantas no momento do impacto.

O milho em fases precoces (V4 a V6, com 4 a 6 folhas expandidas) apresentará acamamento que dificultará a colheita posterior e comprometerá de 10% a 20% da produtividade final, mesmo em plantas que não sofrerem tombamento completo. O feijão, por sua fragilidade estrutural, pode registrar perdas ainda maiores, com plantas inteiras arrancadas do solo em áreas expostas aos ventos mais extremos.

Encharcamento do solo e morte de plantas por asfixia radicular

Os volumes de chuva extraordinários previstos – 122 mm em Ijuí/RS, 109 mm em Lages/SC, 115 mm na região central goiana e até 176 mm em Juína/MT – criam cenários de saturação severa do solo. Para culturas como feijão e milho em fases iniciais, o encharcamento prolongado resulta em apodrecimento radicular e morte de plantas inteiras por falta de oxigenação do solo. Áreas com drenagem inadequada registrarão perdas totais de 20% a 40% em feijão e de 5% a 15% em milho.

A soja, embora mais tolerante ao encharcamento do que o feijão, sofre deficiências nutricionais induzidas pela má aeração, particularmente deficiências de ferro e manganês, que se manifestam como cloroses foliares. A recuperação dessa condição leva semanas, durante as quais a planta permanece em estado de estresse fisiológico que reduz a produção final.

Incidência crítica de doenças fúngicas

A combinação de umidade elevada (molhamento foliar contínuo durante 72 horas ou mais), temperaturas amenas (mínimas entre 10°C e 15°C, mas com máximas ainda moderadas durante o dia) e presença de inóculo já estabelecido cria ambiente quase perfeito para epidemias de doenças fúngicas. A ferrugem asiática, enfermidade mais custosa em soja, requer apenas 6 horas de molhamento contínuo para iniciar infecção em folhas. Sob as condições previstas, a disseminação de ferrugem será rápida e abrangente.

O mofo-branco, particularmente importante no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, terá condições ideais de desenvolvimento, afetando soja em floração com potencial para reduzir significativamente a produção de vagens. Doenças como a mancha-alvo e a septoriose em milho também avançarão, prejudicando a fotossíntese em momento crítico de enchimento de grãos.

Granizo: destruição potencialmente total em pontos afetados

O granizo de grande porte é um dos impactos mais catastróficos. Embora localizado, quando ocorre, provoca destruição quase completa das lavouras atingidas. Soja em floração sofrerá perdas totais em áreas atingidas por granizo acima de 2 cm de diâmetro, necessitando replantio imediato com severas penalidades agronômicas. O feijão sofre perdas superiores a 90% quando atingido por granizo, tornando frequentemente inviável a continuação do cultivo naquela área nesta safra.

O histórico recente de municípios como Canoinhas/SC (onde mais de 1.000 plantações de tabaco foram devastadas), Sarandi/RS e cidades do Paraná que já sofreram granizo nos primeiros dias de novembro reforça o risco. A vulnerabilidade acumulada em áreas já danificadas potencializa ainda mais as perdas.

Risco de tornados e microexplosões: destruição extrema localizada

Embora localizados, tornados e microexplosões representam o risco máximo de destruição em pontos afetados. A ocorrência de 12 tornados já em 2025 em Santa Catarina, incluindo o evento de 3 de novembro em Itaiópolis com ventos de 80 km/h, demonstra a frequência desses fenômenos. Um tornado que passe sobre uma lavoura em desenvolvimento causa destruição total e praticamente irreversível daquela área, com perdas de 100%.

As microexplosões (downbursts), fenômenos descendentes violentos associados a nuvens cumulonimbus severas, causam devastação similar em áreas da ordem de algumas centenas de metros a alguns quilômetros. O Paraná, em particular, teve incidência crescente desses fenômenos na primavera de 2025, com o Simepar alertando continuamente para sua ocorrência.

Queda de temperatura pós-ciclone: paralisação do crescimento

A passagem da massa de ar frio na retaguarda do ciclone, com mínimas entre 3,7°C (Lages/SC, Pelotas/RS) e de 10°C a 15°C em muitas áreas do Sudeste, cria ambiente de estresse fisiológico prolongado. Soja em floração exposta a temperaturas entre 8°C e 10°C por 24 horas ou mais sofre esterilidade de flores e abortamento de vagens, resultando em perdas de produtividade de 20% a 40% em áreas afetadas.

Todas as culturas em desenvolvimento registram paralisia do crescimento quando expostas ao frio, particularmente se essa paralisia se estender por períodos superiores a 5-7 dias. Essa interrupção do acúmulo de biomassa em momento crítico reduz a capacidade competitiva das plantas contra plantas daninhas, reduzindo a produção final mesmo que não haja morte de plantas.

Atrasos na recuperação pós-evento e janelas críticas de replantio

Um impacto secundário, mas crítico, é o atraso no replantio de áreas destruídas. Para a soja no Rio Grande do Sul, a janela de replantio encurta progressivamente conforme avança novembro, com redução de produtividade esperada de 5% a 10% por semana de atraso após meados de novembro. Áreas que precisarem de replantio enfrentarão custos adicionais, redução de produção esperada, e possível impossibilidade de plantio do milho safrinha subsequente em sistemas de rotação.

Danos à infraestrutura rural que impactam a colheita

A queda de árvores, danificação de cercas, interrupção de energia elétrica em áreas rurais (com possibilidade de danos a sistemas de irrigação em pivôs) e destruição de estruturas de armazenamento prejudicam não apenas o campo no momento imediato, mas comprometem a capacidade operacional de colheita nas semanas seguintes. Silos danificados, máquinas imobilizadas e estruturas de drenagem destruídas reduzem a eficiência das operações agrícolas subsequentes.

Síntese dos impactos por cultura e estado

Região Noroeste do RS: soja com acamamento generalizado (perdas de 30% a 60%) e risco de granizo destrutivo localizado (perdas até 100% em pontos). O milho sofrerá acamamento moderado (perdas de 10% a 20%), encharcamento e risco de doenças. Feijão enfrentará encharcamento crítico e possível necessidade de replantio.

Santa Catarina: o oeste enfrentará vendavais, encharcamento e granizo (risco alto), enquanto o litoral será atingido principalmente por ventos extremos (acima de 100 km/h). Lavouras de soja em desenvolvimento apresentarão acamamento, e cultivos já danificados por eventos de início de novembro sofrerão novo impacto.

Paraná: soja com acamamento e risco de granizo. Lavouras que já sofreram danos no temporal de 31/10-01/11 enfrentarão novo ciclo de estresse. O trigo em maturação final sofrerá danos qualitativos (redução de peso específico).

São Paulo: o trigo terá perdas qualitativas. Soja em regiões de plantio tardio enfrentará acamamento moderado. O Vale do Paraíba registrará ventos extremos (100 km/h) com potencial para danos em cultivos e infraestrutura.

Minas Gerais: feijão em diferentes estágios fenológicos enfrentará risco alto de encharcamento e granizo. O risco de tornados na Zona da Mata não é desprezível.

Mato Grosso do Sul: soja sofrerá impacto moderado, com acamamento pontual e possível granizo no sul do estado. Milho em desenvolvimento poderá registrar paralisação do crescimento.

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