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A Igreja Católica não é criminosa


Richard Jakubaszko


Discordo da opinião de que a Igreja Católica é criminosa ao inibir as ações de políticos e do governo em distribuir preservativos nos sertões do Brasil, e de que essa posição seria a principal causa do avanço da AIDS. Não distribuem porque não dá voto, assim como esgoto não dá voto. Discordo, porque a disseminação da AIDS não é no sertão ou nos interiores do Brasil, está nas grandes cidades e, principalmente, nas turísticas e portuárias. Nas pequenas o moralismo é evidente, funciona como freio moderador para atos não sintonizados com o que a sociedade pensa, e onde todo mundo se conhece. Nas grandes a juventude é livre – na condição de anônima - e pratica o que acha que pode, seja sexo ou drogas. Lamentavelmente a AIDS avança silenciosamente no Brasil em todas as classes sociais e econômicas, dissimulada por falsas estatísticas que indicam sua involução, em especial doentes das classes C e D, acobertadas por médicos coniventes que mascaram diagnósticos.

O modismo da elite intelectual brasileira de responsabilizar a Igreja pelo descontrole e avanço da AIDS incomoda-me como católico porque é mais uma hipocrisia brasileira, como tantas que grassam pelo país. Apesar da Igreja pactuar o sexo apenas no casamento – e para procriação da espécie – isso não foi obedecido. Então, o que se pretende agora? Que a Igreja contrarie e ignore o dogma milenar e recomende o preservativo? Adiantaria? Se os "fiéis" não praticaram o preceito antes, porque o fariam agora? Nem alguns padres usaram os preservativos, e estão com AIDS. Os cônjuges que traem jamais vão usar em casa, seria admitir culpa. Ora, meus amigos de opinião contrária, saiam desse modismo e mudem de opinião. Não me envergonho de mudar de opinião, porque penso. Então, raciocinem comigo.
Pedir que a Igreja Católica recomende o uso de camisinhas é um paradoxo e uma quimera, assim como pedir ao Ministro da Justiça que – ante a antiga legislação permissiva para armas de fogo – autorizasse usar silenciador para não incomodar o vizinho. O mesmo da recomendação malufiana: estupra, mas não mata!

O problema da AIDS está na matriz cultural do povo: macho não usa camisinha; macho come todas e dá 3 ou 4 por dia; usar camisinha é como chupar bala com papel; virgindade dá câncer; e a pior, quem passa AIDS é bicha, mulher não, porque tem vagina lubrificada etc. O avanço da AIDS só vai perder velocidade se o governo encarar o problema de frente: escola para todas as crianças – com educação sexual. Em paralelo façamos campanhas realistas e agressivas, e não à base de desenho animado, ou com artistas globais e simpáticos, e apenas durante o Carnaval, hipócritas campanhas lights. Tem de dizer que cada transa com parceiro novo é 50% de chance de pegar AIDS, porque o outro tem ou não tem o vírus. Na segunda transa mais 50% de chance, o que eleva a chance para 75%, e na terceira vez o sujeito está com 87,5% de chances de ter contraído AIDS. O risco é progressivo. Quem sobe num avião com 50% de chances dele cair?

O paradigma implícito de que felicidade e sucesso está no sexo - apregoado na TV, cinema, nas revistas, deve ser repensado. Sexo quase explícito na novela das 8 faz mais pelo avanço da AIDS  – como incentivo à prática – do que discurso de padre recomendando uso de camisinha para deter a epidemia. Isso me lembra a história do marido que levou a esposa ao zoológico e mandou-a mostrar pernas e seios para o orangotango na jaula. Depois de alguns safanões o macacão derrubou a porta e avançou para a mulher enquanto o marido avisava: agora diz rápido prá ele que tá com enxaqueca, diz que tá com dor de cabeça, diz...

Não vi nenhum padre proibir preservativo, no púlpito ou na TV. É fácil incentivar o jovem – que é inseguro – e excitá-lo, e depois culpar a Igreja porque não recomenda a camisinha. Não estou sugerindo que voltemos à era vitoriana, mas lembremos o que ocorreu como conseqüência da epidemia de sífilis, também fatal naquela época. Houve uma mudança de paradigma no comportamento da sociedade para deter o avanço da epidemia.

Não culpem a Igreja de proibir o uso – ela não proíbe explicitamente, nem adiantaria, apenas não incentiva o uso. A ação e a postura da mídia, ao lado das indústrias do lazer e da moda, de estimular sedução, é a principal incentivadora da epidemia – junto com os hormônios próprios da idade. Não há diretor de filme ou novela que não tenha sua concepção individual e imperiosa necessidade de mostrar no mínimo uma cena caliente de sexo (acho estranho isso...).

Guardo em meu mais profundo íntimo uma plena identificação na contestação de inúmeros hábitos e tradições da sociedade humana, a exemplo da personagem Emília dos livros de Monteiro Lobato, onde aprendi minhas primeiras letras. Em paralelo, até por uma questão de caráter, e também da atividade jornalística, onde convive-se no dia-a-dia com opiniões contrárias, acredito piamente no embate das idéias como fator de crescimento individual e coletivo, e lamento profundamente o silêncio dos que se sentem agredidos pela postura dos críticos da Igreja Católica. Há flagrante omissão, é uma fuga e um comportamento galináceo dos católicos brasileiros nesse assunto, em que comprovam o horror atávico aos temas polêmicos, o que também não deixa de ser uma autêntica hipocrisia.

Assim não dá, meus caros amigos a favor ou do contra, eu não sou lobo e nem vocês ovelhas, mas vocês estão turvando as águas dos rios da vida. Não é possível viver em cima do muro e conviver, sistematicamente, com uma no cravo e outra na ferradura.

Richard Jakubaszko, jornalista, publicitário, escritor e consultor de marketing, é autor dos livros "Marketing da Terra" e "Marketing Rural: como se comunicar com o homem que fala com Deus", e trabalha em uma nova obra: "Meu filho, um dia tudo isso será teu".
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