CI

As mudanças climáticas chegaram aos supermercados


Decio Luiz Gazzoni

            As mudanças climáticas começaram a chamar a atenção dos cientistas há uns 60 anos. Coisas estranhas estavam acontecendo, o clima não seguia mais o previsto nas séries históricas. Desde aquela época foi observado que as mudanças do clima estavam associadas a um aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, especialmente o gás carbônico.

 

O efeito estufa

               O efeito estufa em si é um fenômeno natural e possibilita a vida humana na Terra. Significa que parte da energia solar, que chega ao nosso planeta, é refletida diretamente de volta ao espaço, ao atingir o topo da atmosfera terrestre. Outra parcela é absorvida pelos oceanos e pela superfície da Terra, promovendo o seu aquecimento.

               Uma parcela da energia irradiada de volta ao espaço é bloqueada pela presença de gases de efeito estufa. Eles permitem a passagem da energia vinda do Sol, mas são opacos à radiação terrestre, emitida em maiores comprimentos de onda.

               A presença dos gases de efeito estufa na atmosfera torna a Terra habitável. Na sua ausência, a temperatura média do planeta seria muito baixa, inviabilizando a vida como a conhecemos. A troca de energia entre a superfície e a atmosfera mantém as condições que proporcionam uma temperatura média global, próxima à superfície, de 14ºC.

 

Gases de efeito estufa

            Os principais gases de efeito estufa são: a) o dióxido de carbono (CO2), cuja emissão resulta de ações humanas como a queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás) ou o desmatamento e as queimadas; b) o metano (CH4), resultado da decomposição da matéria orgânica (lixões, reservatórios de represas), pelo arroto do gado e cultivo do arroz; tem poder de efeito estufa 21 vezes superior ao CO2; c) óxido nitroso (N2O), resultado do tratamento de dejetos de animais, da decomposição de fertilizantes nitrogenados, da queima de combustíveis fósseis e de processos industriais; tem poder de aquecimento global 310 vezes maior que o CO2; d) halocarbonos (hidrofluorcabonos e perfluocarbonos), utilizados como isolantes térmicos, em aerossóis e refrigerantes, solventes e espumas; possuem impacto no efeito estufa até 23.900 vezes mais que o CO2.

            Como visto acima, o efeito estufa em si é um processo natural e benéfico, quando o sistema está equilibrado, resultado da evolução de centenas de milhões de anos. O problema ocorre com o aumento da concentração de gases na atmosfera, em períodos curtos (inferiores a um século). Até 1950, a concentração de CO2 na atmosfera era, em média, de 280 ppm (partes por milhão). Em 2023 chegou a 425 ppm, sendo a razão principal de uma perturbação de tal ordem que o sistema não funciona mais corretamente.

            Em função disso, a temperatura terrestre aumentou mais de 2º.C em 2023. Associadamente, aumentaram os eventos com extremos climáticos (furacões, tempestades, secas, etc.), que se tornam mais frequentes e mais intensos. É o que temos visto no mundo inteiro, com maior intensidade nos últimos cinco anos. E o Brasil é um dos países que mais tem sofrido com as alterações climáticas, como tem sido observado em períodos recentes.

 

Impacto na agricultura

            Toda a população e, praticamente, todos os setores da economia sofrem com a desregulação do clima, causada pelas mudanças climáticas. Os desastres se sucedem, ceifando vidas e levando o patrimônio construído a duras penas pelas famílias, como suas moradias, móveis e utensílios.

            A agricultura é uma atividade de risco. Mas, nos últimos anos, a taxa de risco elevou-se dramaticamente, a ponto de causar prejuízos difíceis de absorver, seja pelos produtores agrícolas ou pelos mecanismos de regulagens de safras – como os estoques. As perdas tem ocorrido, ironicamente, por excesso de chuvas, causando inundações que impedem as atividades agrícolas, como plantio, tratos culturais ou colheitas; ou por sua ausência, com secas prolongadas que levam a perdas de produção.

            Assim, a cadeia de abastecimento é afetada. Os primeiros sinais vêm das hortaliças, porque seu ciclo é mais curto. Mas logo atingem o arroz, o feijão ou as frutas. E prosseguem com o impacto no óleo de soja, ou nas carnes de porco ou de frango, que dependem da soja e do milho para sua produção.

 

No bolso do consumidor

            Usemos o mês de janeiro de 2024 como exemplo. O IBGE aponta como vilões das altas de preços dos alimentos o pepino (35%), batata-inglesa (19%), abobrinha (16%), repolho (12%) e outros produtos (8%). As frutas não ficaram de fora: laranja e maracujá (22%), limão (21%), tangerina (13%), abacate (10%) e banana (8%).

            Mas, o consumidor deve se preparar para escassez e aumento de preços de outros produtos. Os analistas projetam quebra de safra de arroz no Rio Grande do Sul (assim como aconteceu na Índia), logo o preço vai subir nos próximos meses. As safras de soja e milho do Centro-Oeste estão comprometidas, afetando o abastecimento de óleo de soja e de rações para animais. Sobe o preço do óleo, do frango, do porco, do biodiesel.

 

As mudanças climáticas chegaram

            Ainda existem negacionistas, que não enxergam a obviedade das mudanças do clima e seu impacto nas atividades humanas, como a produção de alimentos. Talvez sejam esses negacionistas a fonte das fakenews que correm nas redes sociais, ora atribuindo ao governo, ora dizendo que é do produtor a culpa pela escassez e consequente aumento de preços dos alimentos.

            Tapar o sol com a peneira, divulgar fakenews, não resolve o problema. Os fatos estão aí, mudanças climáticas estão sendo sentidas na pele e no bolso. E a pior notícia é que este será o novo normal, no limite podemos dizer que “dias piores virão”.

               A Humanidade está começando a pagar o preço de um processo de desenvolvimento insustentável, que pressionou recursos finitos do planeta, queimando combustíveis fósseis, desmatando e queimando florestas.

               A conta chegou e é ardida. Não adianta tergiversar, culpando governos ou agricultores. O melhor a fazer é cada um contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa, impedindo o caos climático previsto para as próximas décadas, se não houver uma reversão nas taxas de emissões.

 

O autor é engenheiro agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.