CI

Advogados criticam mudanças aprovadas na Lei de Falências


Opinião Livre

Finalmente a proposta inclui a possibilidade expressa do produtor rural requerer a sua recuperação judicial   

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de lei 6.229/2005, com uma série de mudanças na Lei de Falências (Lei 11.101, de 2005), por conta da calamidade pública da pandemia de coronavírus. As maiores inovações são: as possibilidades de financiamento na fase de recuperação judicial, ampliação do parcelamento das dívidas tributárias federais e apresentação do plano de recuperação pelos credores. Agora, o Senado vai analisar o texto.

A advogada Simone Zaize de Oliveira, sócia da Keppler Advogados Associados, considera que “o projeto, definitivamente, pouco contribui para a recuperação das empresas”. Segundo ela, a proposta “despreza os esforços de construção jurisprudencial dos últimos anos, cria problemas que não existiam, como na sistemática de alienação de UPI, torna mais dificultosa a obtenção de novos recursos financeiros, impedindo a alienação de bens que não compõem o ativo circulante, dota o Fisco de um protagonismo desenfreado, bem como, não cuida de problemas antigos”. 

O exemplo usado por ela é o do privilégio que goza o crédito bancário e a falta de estímulo ao fomento de empresas em dificuldade, tornando inócuo, mais burocrático e pouco efetivo o sistema de proteção a empresa em dificuldade, mesmo que essa seja viável, contribuindo diametralmente para a destruição do emprego e renda”. Ela diz esperar que o projeto não prospere.

Para Domingos Fernando Refinetti, sócio da área de Recuperação Judicial do WZ Advogados: “Esse projeto traz importantes alterações na atual lei de recuperação judicial, de recuperação extrajudicial e de falências, de nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, por meio (i) de dispositivos que tiveram sua redação alterada, (ii) de novos artigos que foram introduzidos na referida lei, (iii) de novas Seções que também foram nela introduzidas, (iv) de novo Capítulo nela acrescentado, (v) de alterações à lei 10.552, de 19 de julho de 2002, (vi) de disposições relativas à sua aplicação imediata aos processos pendentes, com remissão ao Código de Processo Civil, (vii) de alteração à lei 8.929, de 22 de agosto de 1994, e, finalmente, (viii) da revogação de determinados dispositivos da mencionada lei 11.101/05.

Trata-se, portanto, de projeto abrangente, sem adentrar no mérito das alterações propostas, que será, agora, encaminhado à apreciação do Senado Federal.

Nesse rápido olhar, cabe ressaltar o tratamento dado (i) ao exercício da atividade rural e (ii) à incidência do imposto sobre a renda e a contribuição social sobre o lucro líquido incidentes sobre o ganho de capital resultante da alienação de bens ou de direitos pela pessoa jurídica em recuperação judicial, (iii) à possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, (iv) à ampliação da natureza das obrigações que estarão livres de sucessão em caso de alienação de bens na recuperação judicial, (v) à ordem de preferência de pagamento dos credores em caso de falência, (vi) à declaração da extinção das obrigações do falido (fresh start), (vii) à recuperação extrajudicial, (viii) às conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, (ix) ao financiamento do devedor e do grupo devedor durante a recuperação judicial (DIP loans), (x) à assim chamadas consolidações substanciais e processuais, (xi) à insolvência transnacional e (xii) ao pagamento dos débitos para com a Fazenda Nacional pelo empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial.

São, todos (mas, não taxativamente) tópicos relevantes e sobre os quais vale a pena que os operadores do direito se debrucem com atenção e afinco, com o intuito de levar ao Congresso Nacional contribuições que permitam aprimorar esse importante marco regulatório das atividades empresariais no Brasil”.

Atividade rural

Para o advogado Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados, a proposta “incluiu finalmente a possibilidade expressa do produtor rural requerer a sua recuperação judicial”.   

De acordo com o proposta,  o produtor, para obter o benefício deve comprovar que exerce atividade por no mínimo 2 (dois) anos, por meio da apresentação da Escrituração Contábil Fiscal – ECF, se pessoa jurídica, pela apresentação de Livro Caixa Digital do Produtor Rural – LCDPR, ou documento similar. Ainda, dispões sobre a possibilidade deste optar pelo plano de recuperação especial similar ao destinado aos microempresários individuais, mas desde que o saldo devedor não ultrapasse o valor de R$ 4,8 milhões.

“Porém,  nem tudo são flores. Isso porque o mesmo projeto visa a alteração da Lei n° 8.929/94 quanto a não sujeição da CPR -Física aos efeitos da recuperação judicial.  Na emissão da CPR Física, o  agricultor recebe dinheiro do investidor e garante pagar de volta com o produto (soja, milho, etc).  A medida pode fazer sentido para o agente financiador, mas pode gerar desconforto ao produtor, pois como cumprirá a obrigação em caso da perda de safra? A proposta até tenta trazer algum alento porque discorre que em caso de força maior é possível obter a  suspensão da obrigação, porém determina que caberá ao MAPA definir o que será hipótese de caso fortuito e de força maior.  Isto é,  a norma tal como está acaba gerando uma  insegurança jurídica, porque,  por mero ato administrativo (portaria) poderão ser alterados os critérios legais, o que não faz muito sentido, ainda mais quando esse órgão está sujeito a pressões políticas.  Melhor seria se a lei trouxesse rol com critérios objetivos e razoáveis, ainda que caráter exemplificativo”, explica.

Mas, segundo ele, isso nem de longe é o pior. “O projeto discorre ainda que o crédito rural (Lei n. 4.829/65)  também não se sujeitará aos efeitos da medida. Esse fato torna a recuperação do pequeno produtor inviável, já que boa parcela dos recursos obtidos vem dessa forma de financiamento. Esperamos que no Senado tais questões sejam revistas porque, nos moldes atuais, a lei será para poucos”, conclui.  

Para o advogado Roberto Keppler, sócio da Keppler Advogados. a proposta de regulamentação da recuperação judicial do produtor rural seria louvável se contribuísse para a proteção do mesmo. “O que se extrai do projeto é a tentativa de esvaziamento das alternativas existentes hoje, que muito foram construídas por meio da jurisprudência, ou seja, por meio do esforço dos profissionais que militam sobre o tema, o sentimento é que o projeto desprezou a problemática vital de regulamentação da utilização do socorro judicial pelo produtor rural e tratou de cuidar da proteção ao crédito bancário, eis que pretende tornar extraconcursal o crédito oriundo da Cédula de Produtor Rural – CPR, responsável por grande parte da forma de financiamento do agro, ou seja, aquilo que deveria ser pensado para estimular a proteção e fomento da atividade agropecuária de nosso país, em realidade irá contribuir para sua desmobilização e destruição.”

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.