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China, produção e importação de alimentos


Decio Luiz Gazzoni

China, produção e importação de alimentos

Decio Luiz Gazzoni

A China importa centenas de bilhões de dólares em produtos agrícolas, valor que continuará crescendo a cada ano, nas próximas décadas. Em 2018, o Brasil respondeu por um quarto das importações agrícolas chinesas, seguido dos EUA (11,5%). A China (1,4 bilhões de habitantes) ocupa o posto de país mais populoso do mundo, o qual deve perder para a Índia na primeira metade da próxima década. Em 2019 a China possui o segundo maior PIB (US$15 trilhões) mundial, 61% do PIB dos EUA. Ocorre que, há 7 anos a China registrava menos de 50% do PIB americano. Pela diferença de crescimento anual, em duas décadas a China terá o maior PIB do mundo.

Como a taxa de crescimento populacional é muito inferior à do PIB, a renda per capita cresce aceleradamente na China e, a cada ano, dezenas de milhões de pessoas são guindadas da pobreza para a classe média, o que impacta diretamente os gastos com alimentação. Pelo menos até a década de 2050, a estimativa é de que a taxa de crescimento do consumo de produtos agrícolas da China será superior à média mundial, consolidando-se como o grande motor dos negócios agrícolas internacionais.

Do ponto de vista político, a China há muito deixou de ser um país comunista, passando a ser um país com um governo autoritário, que adota um capitalismo de estado. O planejamento é central e dirigido, com fortes políticas públicas para implantação das prioridades definidas pelo Estado, convivendo com uma progressiva liberação do mercado, inclusive o agrícola.

 

Produção na China

A agropecuária representa apenas 10% do PIB chinês, e sua participação deve reduzir-se inexoravelmente ao longo dos próximos anos. Apesar da baixa participação, o setor responde, no momento, por mais de um terço dos empregos – a parcela pobre da população, próximo a 500 bilhões de pessoas. Anualmente, hordas de chineses deixam o campo, atraídos por melhores oportunidades financeiras e melhor qualidade de vida na cidade – tal e qual ocorre em todo o mundo.

Por conta dos fatos acima (aumento da renda e do consumo de alimentos; êxodo rural), o governo chinês foca fortemente na contribuição da produção local para garantir o abastecimento e precaver-se de choques de ofertas, em âmbito mundial, causados por eventos como a atual guerra tarifária com os EUA. O setor tanto recebe fortes subsídios à produção agrícola, quanto é estimulado por medidas claramente capitalistas. Quem diria, hoje o agricultor pode comprar, vender ou arrendar terras, outrora um crime! Também o mercado de compra e venda de produtos agrícolas está sendo progressivamente liberado.

Porém, dois fatores merecem análise especial: defesa agropecuária e tecnologia.  No caso da segurança dos alimentos, a China ainda tem um longo caminho a trilhar, o que pode ser comprovado pela sucessão de problemas sanitários enfrentados pelo país, nos últimos anos. No momento a China sofre uma grave epidemia de peste suína, que impacta não apenas as cadeias de carnes como as de grãos. A questão sanitária é agravada pela pulverização agrária na China, com milhões de minifúndios, dificultando a tomada de medidas para melhoria do status sanitário.

Do ponto de vista tecnológico, as notícias são alvissareiras. A China aposta claramente na forte modernização dos sistemas de produção. Mecanização e automação (para compensar o forte êxodo rural); novas variedades (para aumentar a produtividade); defensivos modernos e biotecnologia (para controle de estresses bióticos) são parte de um ambicioso plano para modernizar a produção agrícola chinesa. A aquisição da Adama e da Syngenta pela ChemChina inserem-se na estratégia de dispor de tecnologia moderna em material genético e defensivos agrícolas.

 

Importações

Com uma população que equivale a sete brasis, porém sem as vantagens de solo e clima que aqui existem, a China continuará dependente de importações de produtos agrícolas. O país precisará importar frutas, hortaliças, grãos e carnes, além de produtos madeireiros.

Ciente desta condição, o planejamento central chinês atenta para ações ativas, como a “One belt, one road”, que agrega cerca de 70 países, que podem suprir produtos agrícolas. Em meio a este contexto, o Brasil continuará tendo uma posição protagônica, pela sua capacidade de produzir grandes volumes a baixos custos, especialmente nas cadeias de carnes, grãos e madeira. Assim, China e Brasil serão grandes protagonistas do mercado, ao menos nos próximos 30 anos.

A China é o maior consumidor de carne suína do mundo (mais de 50 milhões de t/ano), e a atual epidemia de peste suína abre as portas da importação do produto, ao menos por 5 anos, criando uma importante oportunidade de mercado para o Brasil.  Não obstante o consumo de carne bovina ser bastante inferior (pouco mais de 8 milhões de toneladas), a China é o maior importador mundial do produto, que continuará sendo importante para as exportações brasileiras. Assim, vislumbra-se um contexto bastante favorável para o comércio de proteína animal do Brasil para a China.

A importação de frango para a China não representa uma opção promissora de mercado para o Brasil, pois o país asiático é quase autossuficiente. Porém, para atender à demanda por ração animal, a China necessita importar milho e, sobretudo, soja. Adicionalmente, a aquacultura é um negócio em franca expansão na China, e pode atender grande parte do futuro mercado de carnes. A modernização da cadeia, em especial no tocante ao aspecto nutricional, também pressionará o aumento da demanda de grãos como soja e milho, o que pode representar um impulso enorme nas importações destes produtos.

No que tange ao mercado de produtos agrícolas, Brasil e China têm um longo caminho a percorrer em conjunto, que se desdobrará para outros negócios e investimentos em outros setores da economia. É importante analisar de forma holística a relação entre os dois países que, seguramente, redundará em um processo de ganha-ganha nas próximas décadas.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.

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