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COM QUANTOS PAUS SE FAZ UMA CANOA


Paulo Lot Calixto Lemos

Quando o rio Grande ainda deslizava orgulhosamente pelas corredeiras de seu leito original. Lá em baixo, pouco antes da barra do rio São João, existia uma grande ilha, oficiosamente chamada de “Ilha dos Santos Reis”.

Como não tinha dono, nesta tal ilha existia apenas um rancho de morada e uma curralama improvisada. Porem possuía lá seus 100 alqueires de terra de cultura, quase toda formada de capim “gordura”. Uma “invernadona”, boa “qualquer tanto” pra engorda de boi. Obviamente que o acesso era difícil e arriscado e o mais problemático era ajeitar e manter um peão morador, para a lida diária com o gado.

Por todos esses motivos, poucos se interessavam por ela. Somente alguns jovens “corajosos” em começo de carreira se arriscavam na sua exploração.

Dizem que um deles foi o nosso conterrâneo e hoje conhecido Tião Maia. Sim, aquele mesmo que anos mais tarde tornou-se o pecuarista mais famoso do Brasil, e que fez muito sucesso tanto na Austrália como em Las Vegas. E, apenas a titulo de informação, Tião Maia fazia tanto sucesso com seus bois quanto com suas mulheres. O homem sempre foi terrível, um genuíno mineirinho “come quieto”.

Logo após tomar posse da ilha, Tião Maia transfere pra lá algo em torno de 200 garrotes, e consegue acertar, finalmente, o homem certo para tomar conta do gado – o peão José Estevão.

Zé Estevão era um mulato forte do norte de Minas, de cara amarrada e fama de “brabo”. Porem um homem quieto, caseiro e muito correto no trato. Foi de mudança pra ilha casadinho de novo. “O que era bom sinal” – pensou Tião Maia.

O que o Tião Maia não sabia, ou melhor, não conhecia, era a Aninha sua mulher. Aninha era uma moreninha cor de jambo, na flor de seus 17 aninhos, pele aveludada e olhos cor de mel. E, para o destempero de nosso personagem a mocinha exalava um aroma acre-doce de frescor e volúpia pelos poros...

Para chegar à ilha, ficou combinado soltar uns “foguetes”, e ouvindo o barulho, Zé Estevão com a canoa buscaria o patrão na outra margem. Praticamente toda semana a rotina se repetia, até que num belo dia, após o costumeiro “aviso”, quem aparece é ninguém menos que a própria Aninha, ao vivo e a cores. Só, bela e faceira... Com o coração aos saltos e solavancos, Tião Maia indaga:

- Aninha! Cadê o sô Zé Estevão?

- Ara sô Tião, o Zé tá ocupado com um boi atolado lá do outro lado da ilha, saiu pra lá agora a pouquinho... Mas ele me mandou buscar o senhor, caso o senhor aparecesse.

- Não me diga Aninha! – Animou-se Tião Maia – Você é mesmo uma moça muito prendada!

Assim que a canoa apontou pro lado da ilha o danado do boiadeiro começou a jogar conversa fora:

- Aninha, como uma moça bonita como você consegue morar tão isolada nesta ilha?

- No começo é mais difícil, mas a gente se acostuma sô Tião!

- Olha Aninha, se você precisar de alguma coisa é só me dizer...

- Se incomode não sô Tião, num tô carecendo de nada não...

- Mas uma moça tão nova e tão bonita assim, merecia coisa melhor... Sabe, eu tive pensando, eu tenho uma casinha lá na cidade, seria bom se de quando em quando, você fosse pra lá passar alguns dias... Afinal o Zé não precisa d’ocê todo dia aqui, é só você dizer que sua mãe tá doente...

- Uai sô Tião! E eu vou ficar fazendo o que lá nessa casa?

- O de fazer não há de faltar Aninha! Isso eu posso lhe garantir. E alem do mais, prometo lhe fazer companhia todo santo dia! – Respondeu com a cara mais safada do mundo.

- Sô Tião! Se eu to entendendo o senhor tá é querendo “ficar mais eu!?” Olhe, se o senhor disser mais uma palavra eu pulo dessa canoa! Onde já se viu! E não se achegue não que eu grito! Com todo respeito, eu “rumo” esse remo na sua cabeça! E tem mais, eu vou contar tudinho pro Zé Estevão!

- Calma Aninha!! Não tá aqui mais quem falou... Chiii! Agora que me lembrei, eu tenho que voltar agorinha... Dê meia volta e me deixe na margem, rápido Aninha!

“Ufa! Essa foi por pouco, tão cedo não volto nessa ilha...” – Pensou Tião Maia se lembrando da cara feia do Zé Estevão.

Os meses foram se passando, as noticias que chegavam davam conta que tudo corria bem lá na ilha, o gado estava engordando... O Zé olhando tudo direitinho...

Enfim, chegou o dia de vender a boiada, agora não tinha mais jeito – “eu tenho que ir ver o gado” – pensava Tião Maia – “afinal passaram-se muitos meses e com certeza a Aninha não havera de ter contado nada pro Zé Estevão”.

Assim que ouviu primeiro estampido, Zé Estevão apontou do lado de lá com a canoa... Chegou, encostou na margem e, meio sem graça Tião Maia acomodou-se na outra ponta da embarcação. A travessia iniciou...

Bem no meio do rio o Zé cisma de parar de remar, e no meio daquela quietude toda, começa a falar com sua voz gutural:

- Sô Tião, eu tenho que ter uma prosa muito séria com o senhor...

- Ora sô Zé, isso não é hora nem lugar, depois a gente conversa! Estremeceu o boiadeiro.

- Não sô Tião, carece de ser antes da gente chegar...

- Se for aumento de salário pode considerar aumento dado Zé Estevão! Mas vamos andando, reme homem! – disse com o suor já começando a escorrer por debaixo do chapéu...

Impassível, Zé Estevão retrucou:

- Não é salário não. É “mode” a Aninha sô Tião.

Tião Maia “gelou”, e suando frio gaguejou:

- O que é que tem a Aninha Zé Estevão?

- Sabe sô Tião, ela me contou tudinho o acontecido...

- Mas não aconteceu nada homem de Deus! Falou Tião Maia, já em tempo de pular da canoa...

- É por isso “memo” sô Tião. O senhor “descurpe” ela, mas tem dia que ela ridica “inté” pra mim!

Paulo Lot Calixto Lemos

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