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HEROI TAMBÉM APANHA


Paulo Lot Calixto Lemos

“Loirinha, loirinha, de olhos claros de cristal. Desta vez a moreninha, ganhou este carnaval”...

Rio de Janeiro, 1934, o carnaval corria solto pelo trecho da avenida Rio Branco entre a praça Mauá e o marco do Obelisco... Os carros, em sua maioria conversíveis, desfilavam pela avenida com seus ocupantes jogando para todos os lados confete, serpentina e perfumando os ares com lança-perfume. As moças iam sentadas no encosto do banco traseiro com os pés apoiados no assento, os rapazes acomodados no banco da frente. Todos, paramentados com vestimentas alegres e coloridas. Pelas calçadas e pelos canteiros centrais desfilavam diversos bloquinhos fantasiados, dançando e cantando marchinhas de carnaval, num vai e vem sem fim pela avenida...

Nesta época, o nosso artista maior, Zé da Beca, cursava seu curso de Belas Artes no Rio de Janeiro, assim como o nosso futuro doutor Patti fazia seu curso de medicina. E, logicamente que os dois amigos e conterrâneos eram dos mais animados foliões daquele carnaval. Desfilavam pela avenida fantasiados. O Dr. Patti de “malandro”, chapeuzinho tombado, camiseta listrada, bigodinho postiço, sapato branco envernizado. Zé da Beca, talvez devido sua origem rural, ia vestido a caráter de cowboy, chapéu americano, botas de cano longo, jaqueta e calça de couro “a lá Búfalo Bill”, gravatinha “a lá Bat Masterson”. Enfim, Zé da Beca estava um verdadeiro “Tom Mix”, o maior herói dos filmes de cowboy da época. E Dr. Patti um legitimo “Zé Carioca”.

E lá iam eles, hora da praça Mauá até o Obelisco, hora do Obelisco até a praça Mauá, dando o que tinham em meio a centenas de outros foliões. E a marchinha nunca parava: “Loirinha, loirinha, de olhos claros de cristal...” Até que numa das passagens em frente ao Assírio, antigo cabaré que ficava nos porões do teatro municipal, nossos personagens foram levados de roldão por uma tremenda briga. Na confusão, o Dr. Patti foi o primeiro a ser atingido. Um potente soco fez com que ele fosse jogado longe, já desacordado. Zé da Beca, tentando socorrer o amigo, foi atingido também por outro violento golpe na nuca, que o fez aninhar por ali mesmo. Ficaram então, estendidos no chão, o malandro e o cowboy por imprecisos minutos, até que a turba passou e a confusão amainou... E a muito custo, conseguiram se reanimar.

- Patti! – falou Zé da beca – você está bem?

- Acho que sim Zé...

- Então vamos brincar mais, anima homem!

- De jeito nenhum! Vou embora agora mesmo!

- Tá louco Patti! É carnaval, olha a loirinha!

- Que loirinha da onde Zé, eu tô sangrando o nariz! Tenho que ir dar um jeito nisso...

Assim, não houve nada que segurasse o “ex-malandro”. Pegaram então um táxi e desceram na praça Saez Penna, na republica onde o doutor morava para que Zé o ajudasse com o curativo, e logo depois Zé da Beca rumou para sua pensão no bairro de Santo Amaro. Mas antes, ouviu o seguinte pedido do Dr. Patti:

- Zé, por favor, não comente esse incidente lá em Passos não viu? Não fica bem um futuro medico se envolvendo em brigas de rua no Rio de Janeiro...

- Que bobagem Patti! Mas vá lá, não vou falar nada não...

Promessa feita, promessa cumprida, mas que teve muito pouca serventia, pois no outro dia, logo de manhã, ainda curtindo uma ressaca daquelas, Zé da Beca correu até a republica do Patti com um exemplar da edição matutina do J.B. debaixo do braço. Rindo e lembrando em alto e bom som os nomes passenses que recebiam aquele jornal, exibiu ao doutor a prova do crime: uma enorme foto dos dois, nocauteados e estirados no chão, que vinha acompanhada de uma também destacada manchete, que dizia:

- TOM MIX E SEU COMPARSA APANHAM NA PORTA DO CABARÉ “ASSIRIO”.

Paulo Sergio Calixto Lemos

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