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MP do Agro é sancionada e facilita tomada do patrimônio do produtor rural inadimplente


TIAGO JALIL GUBIANI

Com o objetivo de modernizar o crédito rural nasceu a Medida Provisória nº 897/2019 conhecida como ‘MP do Agro’, sendo recentemente sancionada pelo Presidente da Repúblicacomo a Lei 13.986/2020. As novidades são profundas e exigem um estudo detalhado dos advogados agraristas e dos próprios produtores rurais, haja vista que as alterações e revogações atingiram vinte e uma legislações, dentre leis e decretos, além de criar outros instrumentos normativos, como o Fundo Garantidor Solidário (FGS); Cédula Imobiliária Rural (CIR), patrimônio rural em afetação e outras novidades.

 

Inegável que a legislação veio em boa hora e a primeira impressão é positiva. Não é segredo que as operações de crédito rural dos bancos públicos já perderam a atratividade para o produtor rural em muitas situações, tendo em vista que além dos custos para o produtor tomador que incluem o valor da taxa nominal de juros, custos do projeto, taxa de análise e outros, a União Federal ainda compensa financeiramente os bancos e utiliza para isso parte considerável do orçamento do Ministério da Agricultura. Nesse contexto surge um ambiente favorável para o crédito privado financiar o agronegócio brasileiro, especialmente em tempos de inflação controlada e taxa SELIC baixa.

 

Contudo, para atrair o dinheiro do crédito privado para o agronegócio, a nova legislação aprovou garantias reforçadas aos credores, o que redundou na previsão de institutos jurídicos até então alienígenas do crédito rural tradicional. Exemplo disso é o “Patrimônio de afetação”, conceituado na lei como sendo a faculdade do proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, submeter seu imóvel rural ou fração dele ao regime de afetação, destinado a prestar garantias por meio da emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) ou em operações financeiras contratadas pelo proprietário por meio de Cédula Imobiliária Rural (CIR).

 

Em outras palavras, o patrimônio de afetação atrelado à garantia de uma operação de crédito nada mais é do que a conhecida figura da alienação fiduciária em garantia. Nela, com o eventual inadimplemento do devedor, o credor se consolida na propriedade do bem, que se torna, assim, plena. Por seu turno, na nova legislação, com o inadimplemento surge para o devedor a obrigação de transferir ao credor o imóvel ou a fração deste que compõe o patrimônio de afetação, para que seja iniciado o procedimento previsto na Lei 9.514/1997 de alienação fiduciária do imóvel.

 

De plano é possível indicar duas razões principais de instituição do patrimônio de afetação. A primeira delas diz respeito com a possibilidade de potencializar o aproveitamento econômico do bem, com a concessão de fração dele em garantia. A segunda razão é o objetivo de atrair o regime previsto na Lei de Falência e Recuperação Judicial, no qual os patrimônios de afetação permanecerão separados do bem do falido até o advento do termo final desse patrimônio ou do cumprimento de sua finalidade.

 

O fato é que se o produtor não pagar a dívida no prazo fixado, o credor pode leiloar extrajudicialmente o bem dado em garantia, sem a necessidade de uma ordem judicial e por preço vil, ou seja, por quantia inferior a 50% do valor de mercado do imóvel.

 

Nesse sentido, é possível imaginar o previsível contexto de o produtor rural contrair o crédito rural privado, oferecendo seu imóvel, ou parte dele, na nova modalidade de garantia. Ao sofrer os efeitos de uma baixa produtividade por excesso ou falta de chuvas, por exemplo, não tem capacidade de pagar o valor da sua dívida. Nesse cenário o bem em garantia poderá ser vendido por meio de leilão extrajudicial, procedimento no qual não é assegurada a garantia do leilão judicial que prevê a nulidade da hasta pública por arrematação do bem por preço vil, nos termos do artigo 891, do Código de Processo Civil.

 

Para piorar ainda mais a situação do produtor rural inadimplente, a nova legislação também possibilitou (artigo 28, §3º) que, se no segundo leilão extrajudicial o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor da dívida, o credor poderá ingressar com uma nova execução para cobrar o valor remanescente, descontando os valores recebidos da venda do imóvel.

 

Em resumo, a MP do Agro convertida em lei amplia a concessão de crédito para outros players do mercado e a tendência é que reduza o portfólio de atuação massiva dos bancos. O produtor rural deve estar atento e buscar conhecimento sobre as novidades, especialmente sobre o patrimônio de afetação, que poderá propiciar um crédito com menor custo, mas facilitará a perda do seu patrimônio em caso de inadimplência, o qual poderá ser vendido por preço vil no procedimento do leilão extrajudicial.

 

Tiago Jalil Gubiani é integrante do escritório Wellington Barros Advogados, com sede em Porto Alegre/RS.

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