
Hipólito A. Antônio Mascarenhas, Roberto Tetsuo Tanaka e Elaine Bahia Wutke, IAC
Através de simbiose de bactérias do gênero Bradyrhizobium com raízes de leguminosas, o nitrogênio é retirado do ar e liberado no solo através de nódulos desprendidos das plantas. Esse processo pode dispensar a adubação nitrogenada nas culturas seguintes
O nitrogênio é um dos nutrientes que as culturas agrícolas necessitam em quantidades relativamente grandes, sendo, portanto, considerado um macronutriente. Cerca de 78% do ar atmosférico é constituído por esse elemento, mas sob forma não diretamente assimilável pelas plantas.
Entretanto, as plantas da família botânica das leguminosas (fabáceas), e somente elas, são capazes de absorvê-lo por meio de nódulos formados nas raízes, os quais se desprendem espontaneamente no solo. Isso ocorre graças à simbiose estabelecida com bactérias do gênero Bradyrhizobium, que são adicionadas às sementes imediatamente antes da semeadura. No caso da soja, a bactéria é da espécie Bradyrhizobium japonicum, cuja eficiência é de tal magnitude que a adubação nitrogenada pode até mesmo ser dispensada pelo sojicultor. O mesmo não ocorre com espécies cultivadas não-leguminosas, para as quais há respostas a esse tipo de adubação, como por exemplo as gramíneas, entre elas o milho, o arroz, o trigo, o sorgo e a cana-de-açúcar.
A simbiose soja/rizóbio pode proporcionar uma fixação de 100 a 160 kg de nitrogênio por hectare de solo cultivado. Em termos de suprimento de nitrogênio, tem-se ainda o efeito benéfico da sucessão de uma cultura de leguminosa por outra não leguminosa.
No entanto, para que esses resultados possam ser obtidos na máxima grandeza possível, faz-se necessária a inoculação artificial prévia das sementes de soja com a bactéria específica anteriormente mencionada. Também o solo precisa estar adequadamente corrigido por meio da calagem, para que a saturação por bases trocáveis (V%), como cálcio, magnésio e potássio, esteja num nível adequado, ou seja, 50% a 60%, conforme orientação dos especialistas.
Na atual crise energética e econômica mundial, o custo da produção agrícola tem sido consideravelmente aumentado em função do preço dos fertilizantes nitrogenados. A energia dispendida para produção de 50kg de fertilizante nitrogenado é equivalente àquela proporcionada por cerca de 80 litros de gasolina, quantidade essa superada pela fixação biológica pela soja, segundo estimativa de pesquisadores norte-americanos.
Assim é que, no contínuo cumprimento da missão institucional e, com conseqüente relevante contribuição para o agronegócio paulista, a partir dos anos 70, no Instituto Agronômico - IAC, sediado em Campinas, SP, foram sendo realizadas diversas pesquisas relacionadas à cultura da soja em rotação com gramíneas de importância alimentícia e econômica, particularmente o milho, arroz, trigo, sorgo e cana, sendo então demonstrada a efetiva possibilidade de substituição parcial ou total da adubação nitrogenada, com garantia de otimização da produtividade, redução parcial dos custos de produção, além da contribuição para a preservação ambiental.
Exemplificando, em experimentação realizada com a cultura do milho na região da Alta Mojiana, em Guaíra, SP, em áreas em sucessão com soja, cultivar Santa Rosa, após um a quatro anos consecutivos, não houve efeito na produtividade da gramínea em função da aplicação de 12 kg/ha de nitrogênio, na semeadura, e das doses crescentes zero, 20, 40, 60 e 80 kg/ha desse nutriente, na forma de sulfato de amônio, em cobertura, aos 35 dias após a emergência das plântulas, nos diferentes tratamentos. Os rendimentos variaram entre 5.180 e 5.684 kg de grãos/ha e, dessa maneira, o nitrogênio do solo foi suficiente para suprir as necessidades do milho, sendo evidenciada a contribuição dos restos culturais da leguminosa - incluindo-se ainda as raízes e nódulos - para a manutenção do nitrogênio do solo em nível de suficiência. Além disso, a produtividade do milho foi crescente após um maior número de anos de cultivos sucessivos de soja, tendo sido aumentada de 4.158 para 6.483 kg/ha, do 1º para o 4º ano. Isso pode ser atribuído a efeitos indiretos, tais como, maior volume de raízes de soja, melhoria da estruturação do solo e armazenamento mais adequado de elementos nutricionais. Resultados similares também foram obtidos em Mococa, SP.
Em Ribeirão Preto, SP, após quatro anos consecutivos de cultivo da soja, cultivar Santa Rosa, para a multiplicação de sementes, obteve-se acréscimo de 15,8 kg de arroz em casca, do cultivar Batatais, para cada quilograma de nitrogênio aplicado. Os tratamentos utilizados nessa experimentação foram as doses zero, 20, 40, 60 e 80 kg/ha de nitrogênio, na forma de sulfato de amônio, em cobertura, aos 35 dias após a emergência do arroz, além de 12 kg/ha de N na semeadura. Como não houve diferenças de produtividade devido às doses de N aplicadas, concluiu-se ser desnecessária a adubação nitrogenada, do ponto de vista econômico. Ressalte-se, ainda, o maior desenvolvimento vegetativo do arroz em condições de utilização de elevadas doses de nitrogênio, o que pode contribuir para o aumento da incidência de brusone, doença causada pelo fungo Pyricularia grisea, com prejuízos à produtividade. Portanto, esse é um outro fator a ser também considerado no momento de decisão pela aplicação de N em cobertura ou pela realização da sucessão com a soja.
Em experimentação com a cultura do trigo, cultivar IAC-5, em Campinas, SP, utilizou-se uma área destinada, em ano anterior, à multiplicação de sementes de duas linhagens de soja, distintas quanto à capacidade de nodulação. As sementes da linhagem nodulante haviam sido inoculadas com Bradyrhizobium japonicum e as plantas da linhagem não nodulante adubadas com 50 kg/ha de N, em cobertura, na forma de sulfato de amônio, aos 35 dias após a emergência. Após a colheita da soja, o solo foi revolvido, sendo incorporadas as raízes remanescentes da cultura e aplicados 60 kg/ha de P2O5, na forma de superfosfato simples, no sulco, antes da semeadura do trigo. A produtividade do trigo foi 30% superior nas áreas anteriormente cultivadas com soja nodulante, variando de 1.529 para 1.974 kg/ha, aumento esse devido, sobretudo, ao aumento do teor de nitrogênio do solo. Resultados semelhantes foram obtidos na Flórida, E.U.A.
Em 86 experimentos desenvolvidos a campo, por dois anos, nos municípios de Maracaí, Assis e Cruzália, SP, na cultura do trigo, obtiveram-se respostas positivas à aplicação de doses crescentes de nitrogênio em apenas 9 deles, e satisfatórias em 44. Nos demais 33 experimentos, entretanto, não foram observados quaisquer efeitos, pelo fato de os mesmos terem sido instalados em áreas anteriormente cultivadas com soja.
Após quatro anos de estudo das doses 1, 4, 7 e 10 t/ha de calcário na cultura da soja, avaliou-se o efeito residual dessa calagem e também do nitrogênio, aplicado nas doses zero, 40, 80 e 120 kg/ha, na forma de sulfato de amônio, em cobertura, aos 35 dias após a emergência, na produtividade de sorgo, cultivar Contigrão 111, como cultura subseqüente. A produtividade em grãos foi pequena: 690 e 1740kg/ha com 1 e 4 t/ha de calcário, devido aos menores e inadequados valores de V%, respectivamente 23% e 37% e à toxidez de alumínio nas folhas, de 424 e 300 ppm. Já com a aplicação de 7 e 10 t/ha de calcário, as produtividades do sorgo foram substancialmente aumentadas para 2540 e 4100kg/ha não sendo obtidas respostas positivas à aplicação de níveis de nitrogênio. Isso é indicativo de que os resíduos culturais da soja supriram adequadamente as necessidades de N do sorgo, na ausência de nitrogênio mineral. Além disso, na dose máxima de nitrogênio, que foi 120 kg/ha, verificou-se efeito depressivo na produtividade da gramínea.
Em Orlândia, SP, em lavoura de cana-de-acúcar, plantada em sistema de plantio direto, sem aplicação de nitrogênio em cobertura e, após um ou dois anos de cultivo com soja, IAC-Foscarin-31 mantida até a colheita de seus grãos, avaliou-se o efeito dos tratamentos pousio, pousio + N (40 kg/ha de N em cobertura, na forma de sulfato de amônio) e cultivo de soja em novembro, instalados simultaneamente. As produtividades da cana foram respectivamente 132 e 128 t/ha nos tratamentos pousio + N, após uma safra de soja, não havendo diferenças estatísticas entre ambos, tendência essa observada no rendimento de açúcar, em t/ha. Isso demonstrou a desnecessidade de aplicação de N mineral na cultura da cana após a soja. Ainda, além da economicidade na utilização de herbicidas, a receita obtida com a venda dos grãos de soja seria suficiente para cobrir as despesas com o plantio da cana. Após dois anos de cultivo de soja, as produtividades também foram maiores, correspondendo a aumentos de 26 t/ha de cana e 3 t/ha de açúcar. Entretanto, na prática, o empresário agrícola deve optar pelo plantio da cana-de-açúcar após um ou dois anos com soja, baseado nos preços de ambas as culturas.
Assim, considerando-se apenas alguns dos resultados positivos da pesquisa, como os anteriormente relatados, cabe salientar, sobretudo:
a possibilidade de redução parcial do custo de produção para o agricultor, em função da diminuição ou até mesmo da eliminação da necessidade de utilização da adubação mineral nitrogenada, com conseqüente otimização dos rendimentos de algumas culturas de expressão econômica, como o arroz, milho, sorgo, trigo e cana-de-açúcar, unicamente devido à inclusão da soja nos esquemas de rotação, sucessão ou consórcio;
a contribuição para a preservação ambiental com a redução da poluição do solo pelos adubos minerais nitrogenados;
a contribuição para a Economia do país em função da redução, tanto da importação do adubo sulfato de amônio, quanto da quantidade de petróleo dispendido na produção de uréia.