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O pão nosso de cada dia não é nosso



Fabiano Daniel De Bona

Nem todas as coisas são previsíveis como muitas vezes aparentam ser. A nossa geração sentiu na pele os horrores e pânico que uma pandemia pode causar aos seres humanos. Enfrentamos incertezas, sofremos perdas de pessoas queridas e, no auge da disseminação da Covid-19 no mundo, empreendemos esforços conjuntos (não havia distinção entre pobres ou ricos, cor de pele, nacionalidades, etc.) para encontrarmos uma “saída” para curar os doentes e achar uma vacina para a imunização da população global. Lhes confesso que naquele momento eu, homem da ciência e cético por natureza, acreditei piamente que o mundo e as relações humanas seriam melhoradas milagrosamente após termos ficado face a face com a morte. Ainda bem que não apostei, pois teria perdido de goleada!

É difícil de admitir, pois parece contrassenso, mas os seres humanos não aprenderam quase nada com o período pandêmico e, o que é mais assustador, aparentemente nos tornamos pessoas piores ao descortinarmos sentimentos como egoísmo, xenofobia, descrença à ciência e falta de empatia generalizada. Será que estamos exagerando? Não, pois bastou a pandemia arrefecer que a globalização dos mercados mundiais começou a ruir, a Rússia iniciou a guerra contra a Ucrânia, reacenderam-se os conflitos intermináveis no Oriente Médio, políticas anti-imigração pipocaram em todo mundo (até a Itália resolveu promover uma desnacionalização em massa de seus descendentes espalhados pelo mundo), entre outras aberrações que indicam que o que vale pós-Pandemia Covid-19 para os povos e nações é a velha máxima “cada um por si e Deus por todos”.

E onde o nosso tema agricultura e pecuária brasileira entram nesse contexto nebuloso da aparente nova ordem mundial? Em vários pontos, desde a dependência de fertilizantes estrangeiros, taxação de nossos produtos agrícolas e, principalmente, garantia de segurança alimentar da nossa população. Ao se abordar segurança alimentar, o principal produto agrícola que o País é dependente em até 50% do consumo total é o trigo. Sim, até mais da metade do trigo que é a base do seu pãozinho do café da manhã é importado de Países como Argentina, Estados Unidos, Paraguai, Uruguai e Canadá. Se por algum motivo esses países deixarem de nos vender trigo ou se as taxas de importação desse cereal subirem exageradamente, o mínimo que se espera será uma forte inflação de alimentos insubstituíveis da cesta básica, como o pão, as massas e outros. Embora isso seja um cenário pessimista, certamente não é improvável de que o mesmo ocorra na atual conjuntura das relações comerciais internacionais, o que seria muito ruim para a população de baixa renda, uma vez que os alimentos fabricados a partir do trigo são, provavelmente, a maior fonte de carboidratos consumida pela população no dia a dia.

Pessoas de fora do cotidiano da produção agrícola brasileira podem estranhar essa informação de que produzimos apenas a metade do montante de trigo consumida pela população do Brasil, especialmente se considerarmos que lideramos o ranking de produção mundial de diversos alimentos. Certamente essas mesmas pessoas ficariam mais surpresas ainda se falarmos que não temos limitações técnicas para produzir trigo no território brasileiro. De fato, pode-se produzir trigo com altas produtividades e qualidade industrial em praticamente todo o chão brasileiro. Até em Roraima já restou demonstrado em experimentos que é possível se produzir trigo. A pesquisa desse cereal no Brasil tem mais de 50 anos e, embora ainda hajam gargalos na produção para serem resolvidos pela ciência (doenças como brusone e giberela, secas, tolerância ao calor, etc.), o trigo brasileiro é um produto nobre do agro brasileiro, sendo uma excelente fonte de renda ao produtor, especialmente num período do ano em que se tem poucas opções de culturas agrícolas comerciais (inverno na Região Sul) para cobrir o solo e diversificar as plantas na lavoura. 

A tecnologia existe e a vocação e vontade de plantar trigo os nossos agricultores possuem, mas o que principalmente limita a expansão da área plantada e plena autossuficiência de produção do trigo no Brasil são causas econômicas. Como o trigo é uma cultura que sofre com anos de clima ruim (muita chuva, geada fora de época, etc.), o produtor rural precisa de garantias para semear trigo e investir na lavoura. Essas garantias não se resumem ao seguro agrícola, mas principalmente garantias de preço mínimo pago pela saca do produto. As séries históricas demonstram que somente fomos autossuficientes em produção de trigo quando o governo adotava políticas de preço mínimo pago ao produtor, isso ocorreu nos idos de 1980. Uma mudança na forma de comprar o trigo naquele período histórico, indexando o preço do mesmo ao mercado externo, culminou em desvalorização do produto agrícola e, por consequência, no abandono da triticultura por muitos produtores. 

Escolhas do passado nos trouxeram a situação de dependência do trigo estrangeiro que perduram até hoje e que nos levam a concluir que é mais do que hora de repensarmos a segurança nacional em termos de alimentos, pois a prioridade número um dos governos é garantir acesso a comida de qualidade e a preços justos aos seus cidadãos. Além disso, o estímulo ao trigo por meio de políticas governamentais geraria mais renda no campo. No fim, tudo se reverte a favor da economia interna do País. Ressaltamos que temos terras, clima, tecnologias, profissionais técnicos e agricultores que se receberem o apoio adequado poderão tornar o “pão nosso de cada dia” realmente o nosso pão.

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