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O VELÓRIO DE RAIMUNDO BARATA


Paulo Lot Calixto Lemos

Passos sempre foi famosa pela hospitalidade de seu povo, e porque não dizer, pela quase inocência de seus governantes, ouço freqüentemente alguém dizer: “Passos é uma péssima mãe, mas uma ótima madrasta”.

Bem, isso pode ser verdade no mundo dos negócios, em casos como o da tecelagem Teka, que foi recebida com todas as honras e benesses e se portou como aves de arribação: “se faz bom tempo elas vêm, se faz mal tempo elas vão”. E ao que parece, não estamos nem aí...

Porém, no que diz respeito às coisas do coração, ou melhor, aos nossos amigos, às nossas donzelas e namoradas, nosso sangue latino sempre falou mais alto, e nos tornamos verdadeiros guerreiros. Este fato tornou nossa cidade famosa, também pelas suas turmas, digo “turmas”, não gangues. Sim, foram varias nessas ultimas gerações. Apenas para lembrar algumas: tivemos a célebre turma da Brahma, a famigerada turma da Barrinha, a notável turma do TTT (topa tudo). E, interessante, todas elas possuíam um traço marcante em comum: seus membros eram invariavelmente “muito bons de copo”. Amantes vorazes da loira estupidamente gelada.

Nos idos anos 60, a célebre turma da Brahma, notável pelos seus desconcertantes trotes telefônicos, costumava se reunir no “bar Primor”, cujo proprietário, Ferinho, era um de seus mais ilustres membros. Todos os finais de semana lá estavam, além do próprio Ferinho, o João da Brahma, o Wilton Figueiredo, o Hernani da Silveira, o Tiãozinho do Nino, o Rafael do Zé da Beca, o Zé Carvalho. Todos se regalando com as estupidamente geladas e mancomunando o trote da noite. Sempre escoltados pelo sempre bem-vindo Ali “Biscatão” Alux.

Como em todas as turmas, nesta também havia o “sapo”, e na ocasião, o sapo de plantão era o vulgo Raimundo Barata, que ficava por ali, ora ajudando na cozinha, ora atendendo fregueses, ora arrumando mesas. Tudo isso em troca de uns “goles”, pois que era um bebedor inveterado, que literalmente, bebia até cair...

Foi o que aconteceu naquela madrugada de Sábado para Domingo. Após uma noitada de fazer inveja ao próprio “Baco”, Raimundo Barata desabou, desmaiou de vez, e não houve como acorda-lo.

Mas como se tratava da turma da Brahma, alguma coisa incomum teria que ser feita... O providencial João da Brahma, como sempre cheio de idéias, logo surgiu com a solução:

- Já que o Barata tá mais morto do que vivo. Vamos então fazer o velório dele aqui mesmo, uai!

- É isso ai! – emendou o Tiãozinho do Nino – vamos espichar ele numa mesa, cobrir com uma toalha de mesa e acender aquelas velas de 7 dias na cabeceira!

- Vamos coloca-lo de mãos postas, O Barata precisa virar um defunto no capricho! – emendou nosso atual prefeito, o Dr. Hernani da Silveira.

E assim fizeram... O dia amanheceu e os primeiros transeuntes começaram a passar em frente ao bar, que ficava na rua presidente Antonio Carlos, de fronte à casa da dona Yáyá Stockler e da casa do seo Cocota. As beatas que desciam para a missa das 6:00, olhavam de soslaio para dentro do bar e, arregaladas viam a cena e faziam o nome do pai... Os padeiros, os entregadores de leite, os madrugadores de todo dia, cada vez mais gente se interava do que estava acontecendo e a noticia foi se espalhando:

- Coitado, o Raimundo Barata morreu esta noite de tanto beber!

- Disseram que antes de morrer ele fez um ultimo pedido, ser velado dentro do bar...

- Isso é que é gostar de boteco heim? Ser velado dentro de um bar!

- Isso é mentira! Vou lá conferir essa historia com meus próprios olhos!

E o povo foi chegando... As 10:00 da manhã tinha mais gente no velório do Barata que em velório de político senador. Dona Yáyá mandou flores para cobrir o pobre defunto. O outro vizinho, seo Cocota, logo providenciou café e quitanda para os assustados prestigiadores dos funerais do popular alcoólico. Os mais corajosos ou os mais curiosos, que conseguiam chegar perto do “corpo”, ouviam os comentários da pseudotristonha turma da Brahma:

- É, lá se foi o maior “bebum” da cidade. Morreu fazendo o que ele mais gostava...

- Coitado, até que ele tá um defunto bonito, nem parece que tá morto! Esse morreu feliz...

O zun-zun-zun era cada vez maior, o povo a cada momento mais pesaroso e assustado com tão inusitado velório. A cena era tão surrealista que mais parecia ter saído de um livro de Gabriel Garcia Marques ou de uma pintura de Salvador Dali.

E assim foi até que em determinado momento Raimundo Barata resolve acordar. Uma ressonada ecoou nos ares, acompanhada de um ronco surdo e grotesco, de uma só vez Raimundo Barata se pôs de pé em cima da mesa, e derrubando copos, flores e velas, com os olhos esbugalhados e a boca escancarada, emitiu palavras que impregnaram no ar com um som tão gutural, que parecia vir do fim do mundo:

- Vamo bebê moçada!!!

As duas portas do bar Primor ficaram minúsculas... A debandada de gente rezando e pedindo socorro foi tamanha que mais pareceu um estouro de boiada! E a “velório” de Raimundo Barata ficou na historia...

Paulo Lot Calixto Lemos

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