CI

OLERICULTURA ORGÂNICA



Cléo Marcos Carollo

Introdução

A preocupação com a sustentabilidade não é simplesmente o tema da moda. Apenas na década de 60 a humanidade começou a se dar conta de que o potencial de transformação desenvolvido pelo progresso tecnológico estava gerando problema numa escala mais ampla do que a natureza podia corrigi-los.

O modelo de desenvolvimento predominante no planeta traz em si o princípio da exaustão, uma vez que compromete os recursos naturais essenciais ao seu funcionamento. Essa percepção da degradação das condições essenciais à vida no planeta conduziu à busca de um novo paradigma de desenvolvimento, cristalizado no conceito de sustentabilidade, na Eco-92, no Rio de Janeiro. Este conceito engloba também os fatores econômicos e sociais, cujas necessidades precisam ser atendidas para que uma situação seja efetivamente sustentável.

Naturalmente, o que não é economicamente competitivo, não será sustentável, seja uma pequena exploração olerícola ou todo um país. Uma vez alcançada a economicidade, ela só se mantém se as condições sociais forem aceitáveis para os agentes envolvidos na produção. A insatisfação social põe em risco tanto os aspectos econômicos quanto os ambientais. E, ainda que seja lucrativa e socialmente aceitável, nenhuma situação será sustentável se a base natural em que se alicerça estiver sendo desgastada.

Definições

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, 1980) define agricultura orgânica como sendo “um sistema de produção que evita ou exclui amplamente o uso de fertilizantes, agrotóxicos, reguladores de crescimento e aditivos de rações animais, elaborados sinteticamente. Tanto quanto possível, os sistemas agrícolas orgânicos dependem de rotações de culturas, de restos de culturas, estercos animais, de leguminosas, de adubos verde e de resíduos orgânicos de fora das fazendas, bem como de cultivo mecânico, rochas e minerais e aspectos de controle biológico de pragas e patógenos, para manter a produtividade e a estrutura do solo, fornecer nutrientes para as plantas e controlar insetos, ervas invasoras e outros organismos daninhos” (Paschoal, 1994).

Mas agricultura orgânica pode ser também definida como sendo “um método de agricultura que visa o estabelecimento de sistemas agrícolas ecologicamente equilibrados e estáveis, economicamente produtivos em grande, média e pequena escalas, de elevada eficiência quanto à utilização dos recursos naturais de produção e socialmente bem estruturados, que resultem em alimentos saudáveis, de elevado valor nutritivo e livres de resíduos tóxicos, e em outros produtos agrícolas de qualidade superior, produzidos em total harmonia com a natureza e com as reais necessidades da humanidade” (Paschoal, 1980).

Segundo Paschoal (1994) o uso de fertilizantes orgânicos, complementados por adubos minerais pouco solúveis, evita todos os inconvenientes dos fertilizantes sintéticos solúveis. Eles fornecem todos os macro e micronutrientes que as culturas precisam, sem excessos nem carências. Isso faz com que as plantas adubadas organicamente apresentem metabolismo equilibrado, sem acúmulo de substâncias solúveis, tornando-se mais resistentes à ação deletéria de espécies daninhas. O húmus estimula a proteossíntese evitando que fiquem substâncias nitrogenadas (aminoácidos) livres na seiva e no suco celular, isso faz com que as pragas e patógenos não consigam se multiplicar porque falta-lhes o alimento básico.

Além disso a matéria orgânica humificada do solo também melhora suas propriedades físicas e biológicas, permitindo que as raízes se desenvolvam mais e, assim, a planta consiga competir satisfatoriamente com plantas invasoras, explorando um perfil maior do solo, para retirar o seu sustento. A matéria orgânica também evita a erosão, reduzindo o escorrimento superficial da água da chuva, que penetra mais no solo, devido à sua porosidade aumentada pela agregação maior de suas partículas pelo húmus. Estimulada pelas substâncias húmicas, a raiz aumenta sua capacidade absortiva de nutrientes, de hormônios de crescimento, de antibióticos, de vitaminas, de aminoácidos e de outros componentes, minerais e orgânicos, liberados no solo pela maior atividade microbiana. Nesse ambiente, as plantas serão mais viçosas, sadias e desinteressantes para todo o tipo de espécie daninha. É a terapêutica dos adubos orgânicos (Paschoal, 1994).

A perspectiva do consumidor

Aliada às preocupações do agricultor, uma outra perspectiva tem motivado o crescimento da proposta da agricultura orgânica. É a crescente demanda dos consumidores por produtores saudáveis, isentos de agrotóxicos. Ao longo das últimas décadas temos colecionado constantes denúncias de contaminação dos alimentos. A busca de uma vida mais saudável, para se contrapor ao estresse provocado pela modernidade, também tem levado a um aumento constante no nível de exigência do consumidor em relação à qualidade de sua alimentação. Há na sociedade uma relação cada vez mais forte e mais freqüente entre alimentação e saúde.

A população deve ter acesso à comida para satisfazer suas necessidades, mas estes alimentos devem trazer saúde e não carências nutricionais ou doenças. E, esta percepção está cada vez mais presente na população como um todo, na medida em que se tem acesso a informações, ocorrendo desta forma uma busca por alimentos mais saudáveis.

Aqui, reside o motivo dos alimentos orgânicos ainda serem uma demanda mais consistente na classe média e alta. São elas quem têm tido mais acesso a informações e, conseqüentemente, tem mais elementos para decidir sobre qual alimento consumir. Deve-se então, buscar formas de se socializar as informações sobre o que é a qualidade dos alimentos. Não só apresentar problemas óbvios, como a contaminação por agrotóxicos, mas também, sobre a qualidade nutricional propriamente dita. Há relatividade poucas pesquisas sobre este tema, destacando-se trabalhos realizados por Schuphan, além de citações feitas por Claude Aubert e Francis Chaboussou.

Produção

Tanto consumidores quanto produtores têm se preocupado em buscar alternativas que viabilizem uma produção que resgate os objetivos principais da atividade agrícola – a produção de alimentos. Até o momento, esta busca de alternativa têm se dado no seio de organizações da sociedade civil. São organizações não governamentais, organizações dos próprios agricultores, como associações e pequenas cooperativas, organizações de consumidores e algumas entidades de caráter representativo, tanto de agricultores quanto de técnicos. O Estado não tem, em nenhum momento, se preocupado em apoiar estas iniciativas, salvo algumas honrosas exceções, que partem muito mais da boa vontade pessoal de alguns, que de uma decisão política do aparelho de Estado.

É importante esclarecer que a perspectiva da produção orgânica de hortaliças é de trabalhar com níveis de produtividade e apresentação do produto compatíveis com as necessidades da população atual e o nível de exigência do consumidor. A produção de hortaliças é hoje uma realidade que, se ainda não atingiu um volume que possa ser contabilizado com números estatísticos expressivos, ao menos aponta um caminho seguro para a olericultura.

Certificação

Um dos temas que surgem freqüentemente, quando nos referimos à produção e comercialização de produtos orgânicos, é a certificação. A certificação é o processo que garante ao consumidor que o produto que ele consome é de fato o que se propõe a ser. Ou seja, produzidos sem insumos químicos de síntese. A certificação, tal como se apresenta hoje, tem sua origem em dois fatos: o primeiro é que a comercialização de produtos orgânicos vende algo que não se enxerga – o alimento puro, livre de resíduos tóxicos. O segundo, é que se entendeu, e muitos entendem até hoje, que era necessário um sobrepreço pelo fato deste alimento ser “limpo”. Na realidade, hoje está longe de ser um consenso a “necessidade” do produto orgânico ser mais caro do que o chamado convencional. E isto por várias razões: as tecnologias desenvolvidas têm permitido que, em vários casos, o custo de produção seja menor quando se produz o alimento “limpo”; há o entendimento de que não se pode produzir o alimento de melhor qualidade apenas para uma parcela privilegiada da população; e, ainda, a visão de que queremos que a produção e o consumo dos alimentos orgânicos aumentam significativamente , sendo, para isso, necessário que o preço seja competitivo.

De uma forma ou de outra, quer o preço do alimento orgânico seja ou não mais caro, a formação de instituições que têm como função garantir que a produção do agricultor é aquilo que ele afirma ser é, no mínimo, questionável. Cria-se mais um elo na já extensa corrente que separa produtores e consumidores. Onera-se o preço final do produto.

Hoje, é uma exigência do Mercado Comum Europeu que os produtos orgânicos a serem importados pelos seus países-membros devam ser certificados. E, esta certificação só será válida com o aval dos governos dos países exportadores.

Comercialização

As estratégias de comercialização de olerícolas orgânicas têm sido as mais diversas. As feiras-livres têm cumprido um papel importante neste contexto. Em inúmeros estados do Brasil existem, hoje, feiras de diversos tamanhos e volumes comercializados. Em alguns estados, como Rio Grande do Sul e São Paulo, existem várias feiras não só nas capitais, mas também em pequenas cidades do interior. Algumas das vantagens deste sistema são:

1) O preço é normalmente bastante compensador para o agricultor, por se tratar de uma estratégia de baixo custo logístico e de preço final (sem intermediação);

2) Permite uma ampla e constante divulgação do trabalho, através de diferentes estratégicas de ‘marketing’ direto que podem ser utilizadas;

3) Permite um contato direto entre produtor e consumidor, que diminui o anonimato do mercado;

4) Leva a um contato maior com a cidade, que muitas vezes contribui para que o agricultor desmistifique a concepção fantasiosa do modus vivendi urbano.

Há algum tempo os supermercados são vistos como um grande filão a ser explorado pelos produtores orgânicos. Hoje existem grandes redes de supermercados que têm mostrado um interesse crescente na comercialização destes produtos, seguindo uma tendência mundial. No caso de olerícolas, duas maneiras de se efetuar esta comercialização podem ser observadas: a primeira através de gôndolas específicas para produtos orgânicos e, a segunda, através de mercadorias embaladas individualmente, normalmente de formas sofisticadas, que trazem algum tipo de identificação, atestando a origem do produto.

Conclusão

O modelo agrícola fundamentado em tecnologias que priorizam a produtividade das lavouras, sob uso intenso de agroquímicos, tem sido, nos últimos anos, alvo de questionamentos constantes em todo o mundo.

Aqueles que ainda defendem esse modelo não levam em conta ou mesmo desconsideram as relações agricultura meio ambiente. Este fato comprovadamente degenerou a própria base produtiva dos agroecossistemas, em especial nos trópicos, onde o ciclo vicioso pobreza-degradação ambiental traz consigo inúmeros e sérios problemas vivenciados diariamente.

Hoje em dia não se concebe o desenvolvimento agrícola sem uma base técnica de conhecimento adequada à diversidade e complexidade dos ecossistemas. Esta base deve ser coerente ao novo padrão tecnológico, isto é, desenvolver tecnologias que considerem o ecossistema natural, utilizando-o dentro de suas potencialidades e limitações e não compensando suas deficiências com emprego de agroquímicos.

Na prática uma agricultura menos agressiva ao meio-ambiente deveria começar com o uso de menos produtos químicos, para tanto é necessário que haja maiores informações sobre nível de danos e o uso de produtos fitossanitários registrados, o que proporciona um certo controle. Paralelamente a isso é preciso investir mais em pesquisa com variedades e sistemas de produção menos agressivos. Uma mudança muito abrupta no sistema de produção pode provocar resultados negativos e condenar a agricultura orgânica. Por isso é necessário que a mudança da agricultura tradicional para a orgânica se dê de uma forma gradual e segura para garantia de seu sucesso.

Bibliografia

BARRETO, C. X. Prática em Agricultura Orgânica. São Paulo. Editora Ícone. 2ª edição. 1991

KHATOUNIAN, C.A. A Sustentabilidade e o Cultivo de Hortaliças. Horticultura Brasileira, Brasília, v.15, p.199-205, 1997. Palestra. Suplemento.

MEIRELLES, L. Produção e Comercialização de Hortaliças Orgânicas. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 205-210, 1997. Palestra. Suplemento.

PASCHOAL, A. D. Produção Orgânica de Alimentos, Agricultura Sustentável para os Séculos XX e XXI. São Paulo, Editora Globo.1ª edição. 1994

RICCI et al. Produção de Alface Adubadas com Composto Orgânico. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 12(1), p. 56-58, 1994. Palestra. Suplemento.

SOUZA, J. L. de. Agricultura Orgânica, Tecnologias para a Produção de Alimentos Saudáveis. Espírito Santo. EMCAPA. Volume 1. 1998.

VOGTMANN, H. WAGNER, R. Agricultura Ecológica: Teoria & Prática. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987.

ZAMBERLAM, J.; FRONCHETI, A. Agricultura Alternativa, um Enfrentamento à

Agricultura Química. Passo Fundo. Ed. P. Berthier. 1994.

Este trabalho foi elaborado com a colaboração dos colegas, Engenheiros Agrônomos, Álvaro Lemos Costa, Clarissa Agnes Tessarzik, Léo Duc Haa Carson S. da Conceição e Regina de Oliveira, nos tempos de Faculdade.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.