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Restrição do acesso a água para irrigação


Lineu Neiva Rodrigues

A água, indispensável à vida, é um direito humano. Assim, em situações onde ocorre a falta de água, deve-se sempre priorizar o consumo humano e a dessedentação de animais. Ninguém questiona essa priorização, pois não podemos viver sem água. Mas podemos viver sem alimento? Uma vez que água é o principal insumo utilizado na produção de alimentos, produzir alimentos também não deveria ser uma prioridade de uso?

Sempre esperamos pela chuva para fornecer água para as nossas culturas. Muitas vezes, entretanto, ela não vem na quantidade desejada ou não é bem distribuída no tempo, fazendo necessário o uso da irrigação para complementar o que faltou. A irrigação não só contribui para reduzir os efeitos do clima na produção de alimentos, ela viabiliza o desenvolvimento de regiões com pouca disponibilidade hídrica, contribui para a redução da pobreza e a melhoria da qualidade de vida das populações rurais.

A irrigação tem cada vez mais se tornado uma tecnologia estratégica para a produção sustentável de alimentos e desenvolvimento de regiões no Brasil. A irrigação agrega benefícios importantes para agricultura, propiciando a sua verticalização, ganhos em produtividade, estabilidade na produção e a viabilização da agricultura durante todo o ano. A agricultura irrigada, no entanto, é altamente intensiva no uso de recursos hídricos (água azul).

Nenhum setor da economia de um país pode se desenvolver de maneira sustentável sem que haja segurança hídrica. Com 12% da água doce superficial disponível no Planeta, o Brasil é um país privilegiado, mas tem aproveitado muito pouco essa dádiva. Todavia, o país tem enfrentado problemas hídricos em várias regiões e a água se tornou um fator limitante para o desenvolvimento econômico do país e fonte de conflitos em várias regiões.

É sabido que a quantidade de água disponível para os diversos usos deve ser avaliada na escala de bacia hidrográfica, que, por sua vez, tem um limite de suporte. A disponibilidade hídrica é variável no tempo e no espaço. Isto é, existem regiões no país com menor disponibilidade hídrica, como é o caso de algumas regiões no Nordeste brasileiro. Na maior parte do país, entretanto, a disponibilidade hídrica varia temporalmente. Isto é, a oferta hídrica varia ao longo do ano, com períodos com muita água disponível e baixa demanda. É importante se ter estratégias para transportar a água no espaço e no tempo (barragens).

Nesse contexto, outro aspecto importante a ser observado é a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, um dos instrumentos da Lei 9.433/97, cujo objetivo, em tese, é assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água. Com critérios muito restritivos, entretanto, a outorga tem limitado o acesso a água, limitando o crescimento da agricultura irrigada, o que está criando diferenças sociais no campo. É inviável um país se desenvolver de maneira efetiva utilizando menos de 5% das suas águas.

A temática sobre alocação da água tem ganhado maior visibilidade com o aumento da demanda e da escassez de água. Em um mundo onde a irrigação é cada vez mais uma tecnologia estratégica no quebra-cabeças da segurança hídrica e alimentar e onde os processos de tomada de decisão estão cada vez mais complexos, com necessidade de decisões mais rápidas, além de depender de análises de quantidade de dados cada vez maiores, os critérios de outorga precisam ser aprimorados. Respeitando as demandas hídricas ambientais, é importante que os critérios de outorga sejam aprimorados, não apenas com a informatização do processo. Em síntese, é preciso um olhar sistêmico para o problema, trazendo os usuários para a discussão e para o compartilhamento dos riscos.

Evidentemente, tudo isso deve ser feito respeitando as demandas ambientais e as características regionais. É importante os gestores entenderem que a irrigação, principal usuária de recursos hídricos, apresenta características de uso bastante diferente das demais categorias de usuários, uma vez que a quantidade de água que ela demanda é bastante variável de ano para ano. Isso dificulta a gestão e deixa o irrigante com a impressão de que a alocação de água não está sendo feita de forma adequada. Essa falsa impressão ocorre pelo fato de as outorgas serem fixas e a demanda ser variável, fazendo com que, nos anos de baixa demanda, haja água em excesso nos rios, trazendo ao irrigante a percepção de que ele poderia ter mais água para sua irrigação.

É preciso criar mais valor e bem-estar com os recursos hídricos disponíveis. Isso não significa, de maneira nenhuma, incentivar a cultura do desperdício de água. Com uma gestão de recursos hídricos competente e aberta para incorporar os novos conceitos e tendências, é possível trazer segurança hídrica e atender a todos os usos e usuários sem comprometer a disponibilidade hídrica.

*Lineu Neiva Rodrigues é pesquisador da Embrapa Cerrados e conselheiro honorário da Rede Nacional da Agricultura Irrigada (Renai).

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