A situação vivida pelo produtor rural Wienfried Matthias Leh, de Guarapuava, ilustra o que vem acontecendo com milhares de agricultores em todo o Brasil. Do valor necessário para o custeio de sua safra de verão, 30% ele tem possibilidade de obter junto ao banco e o restante é financiado no mercado por cooperativas e fornecedores de insumos. Está cada vez mais difícil obter financiamento oficial com juros controlados. Com juros de 8,75% ao ano, os bancos liberam de 20 a 40% do limite por produtor, que é menor que o valor real do custo de produção, dependendo ainda da reciprocidade do cliente com o banco, conta Wienfried.
Mesmo conseguindo o financiamento, o produtor fica à mercê das taxas livres de mercado para obter a maior parte dos recursos necessários. A taxas estão entre 25 e 30% ao ano. Ou eu pego esse dinheiro ou não planto. Se não plantar, a terra fica ameaçada por sem-terras. O caso é que não me sobra dinheiro para saldar meus compromissos no fim do ano, desabafa o produtor que aponta o câmbio como principal responsável por este quadro. Segundo o economista do Departamento Técnico Econômico da FAEP (Federação da Agricultura do Paraná), Pedro Loyola, os preços internacionais estão bons se comparados à média histórica. O que está estrangulando o produtor rural brasileiro é o câmbio desajustado, que não permite que a produção gere renda para que os produtores saldem seus compromissos, analisa Loyola.
Menos crédito - O fato é que o governo federal e os bancos reduziram a oferta de recursos oficiais do crédito rural da safra 2005/2006 em relação à safra 2004/05. Comparando o desembolso de financiamentos de custeio no período de julho a dezembro dos anos de 2004 e 2005, com base em dados atualizados fornecidos pelo Banco Central, constata-se uma redução de 14% na aplicação de recursos com taxas de juros controlados. Enquanto no segundo semestre de 2004 foram aplicados R$ 16,3 bilhões, no mesmo período de 2005 este volume foi reduzido para R$ 14 bilhões.
Em contrapartida, a liberação de recursos com taxas livres nos bancos no mesmo período percorreu caminho inverso. Passou de R$7,5 bilhões para R$8 bilhões, ou seja, um aumento de R$500 milhões. Cada vez que um produtor rural procura financiamento junto ao agente financeiro para o custeio de sua safra, está consciente de que parte dos recursos liberados será com taxas oficiais controladas de 8,75% ao ano e parte com taxas livres de mercado, em torno de 15 a 20%. É o chamado mix.
Ao longo dos anos a composição entre taxas controladas e livres vem modificando. As taxas livres vêm tendo peso cada vez maior na liberação dos contratos, causando um efeito nefasto para as dívidas agrícolas. Atualmente o produtor depende de outras fontes de recursos que não os bancos. Uma alternativa comum são as cooperativas e fornecedores de insumos, onde a média de taxas livres é ainda mais alta que nos agentes financeiros, agravando ainda mais a situação extremamente difícil. Nos bancos, na safra 2003/04 a aplicação de custeio com recursos controlados representava 74% dos recursos totais e os juros livres 26%. Na atual safra, até o momento, esta relação passou para 63,8% de controlado contra 36,2% a juros livres.
A opção que o produtor tem hoje é tomar dinheiro caro, aumentando sua dívida em um momento em que a agropecuária passa por uma crise de renda aprofundada pela seca, ocorrência de focos de aftosa e altos custos de produção, enfatiza Loyola.
Retração de investimentos - Os reflexos dessa crise já podem ser sentidos. Conscientes de que mantida a atual situação a atividade não será rentável, os produtores reduziram drasticamente seus gastos em equipamentos, tratores e tecnologia. Os programas de financiamento de investimento do BNDES registraram retração de 51,28% no comparativo entre o segundo semestre de 2004 e o de 2005. Se em 2004 os produtores financiaram R$3,68 bilhões, em 2005 este número caiu para R$1,79 bilhão, o que significa uma queda de R$1,89 bilhão. Os programas que sofreram maior retração foram: Moderfrota (- 60,9%), Moderagro (-32,1%) e Moderinfra (-11,3%).
Recursos anunciados pelo governo não aliviam situação - No início deste mês, o Ministério da Agricultura anunciou medidas de apoio ao setor agropecuário, entre as quais, a liberação de R$ 2,56 bilhões para comercialização, custeio e investimento. Os recursos anunciados pelo governo não são novidades e já estavam previstos no orçamento do Plano Agrícola 2005/2006, analisa Pedro Loyola, da FAEP.
Segundo ele, a liberação deste dinheiro deveria ter ocorrido no ano passado, quando o produtor precisou de crédito a 8,75% para financiar a safra de verão, mas, ao procurar os bancos, se deparou com taxas de mercado que são inviáveis para a agropecuária.
No ano passado, devido à seca e os problemas de comercialização, os produtores renegociaram a maior parte de suas dívidas de 2005. Dados do Banco do Brasil demonstram que R$2,4 bilhões em contratos de financiamento foram prorrogados - somente no Paraná R$ 421 milhões. Como a renda do produtor será menor que em 2005, não haverá margem para honrar com os compromissos e muito menos para manter sua produção e capacidade produtiva.
Para este ano somam-se às dívidas normais da safra atual as prorrogações de custeio, investimento e renegociações do programa do FAT (Fundo de Apoio ao Trabalhador) Giro Rural com fornecedores de insumos e cooperativas referentes à safra passada. Para este e os próximos dois anos o produtor estará carregando, entre os seus compromissos, as dívidas normais da safra atual acumuladas com as dívidas renegociadas. Os produtores rurais estão descapitalizados. São necessárias medidas emergenciais que reordenem o endividamento do setor para restabelecer a capacidade de produção comprometida por todos os problemas que o setor vem enfrentando, aponta Ágide Meneguette, presidente da FAEP.
A proposta defendida pela FAEP é transformar as parcelas das dívidas de custeio e de investimentos vencidas e vincendas em 2005 e 2006 em operações securitizadas de longo prazo, com carência, através de Medida Provisória ou Projeto de Lei. Haveria uma mudança de credor e estes débitos bancários do produtor passariam para o Tesouro Nacional, pois para atender os princípios internacionais os agentes financeiros não podem arcar com alongamento de dívidas por 8 ou 10 anos.
A securitização das dívidas está para o produtor rural assim como a composição de dívida nos bancos está para o trabalhador urbano. Numa situação de dificuldade, ambos querem pagar seus compromissos, mas precisam de fôlego e prazo para quitar seus débitos, não se tratando de calote, adverte Loyola.