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Crise de confiança e desespero também no agronegócio


Eleri Hamer
Confiança é a palavra-chave no mundo dos negócios. Você faria alguma transação, mesmo bem contratuada, se não houvesse confiança nessa relação comercial? Pois bem, a crise de confiança, o que na prática está se traduzindo em desespero, atinge novamente o agronegócio.
Quatro questões cruciais cercam fatidicamente o setor. De um lado, temos o prenúncio da época de plantio e a respectiva necessidade de aporte de recursos para fazer lastro ao empreendimento.
De outro, temos uma histórica deficiência de recursos públicos somados à incapacidade de recuperação dado um conjunto de fatores históricos recentes e que manteve boa parte dos produtores num nível de endividamento altíssimo.
O terceiro ponto diz respeito às cotações internacionais das principais commodities que despencam sem freio e nem obstáculo à vista e para piorar a situação, os custos de produção, principalmente dos insumos, se mantém em patamares altíssimos, resistindo à crise.
Por fim, para completar o estrago iminente, o fluxo de capitais estagnou e não há recurso disponível nem no médio prazo. O dinheiro sumiu. Mesmo grandes empresas agrícolas que captavam no mercado internacional estão em sérias dificuldades de um momento para outro.
O cenário é reflexo de uma das grandes preocupações que alguns analistas já destacavam na semana passada: o pacote que o governo americano demorou a aprovar deve ser insuficiente diante da brutal crise de crédito.
Se alguns projetam um rombo de US$ 1,3 trilhão, o que são US$ 700 bilhões? Pouco mais da metade, e vale lembrar que os outros US$ 140 bilhões incluídos no pacotão são penduricalhos que não auxiliam no desenrolar da crise.
Embora os governos, tardiamente, estejam se esforçando para alocar recursos no sentido de reter o efeito manada da venda de ações nas bolsas e a óbvia crise de liquidez, pouco efeito tem surtido. Não estamos no olho do furacão, mas os solavancos já podem ser sentidos.
O aporte de R$ 5 bi do governo federal para a agricultura demorarão para chegar ao campo e representa pouco diante da demanda crescente por crédito. Mesmo os recursos prometidos para gerar liquidez e reter a escalada do dólar parecem tímidos frente ao tamanho do problema.
Devemos lembrar que o recurso do tesouro nacional já representava menos de 30% do necessário para o agronegócio. O restante, 70%, vinha da iniciativa privada. Desse montante a ampla maioria vinha através das captações no mercado internacional por meio dos grandes bancos de investimento.
Como essa fonte de recurso secou não é difícil imaginar o estrago que isso representará para o setor.
Devemos lembrar que boa parte do setor produtivo já vinha se arrastando com dificuldades de crédito e a celeuma das negociações de dívidas, além de considerar a possibilidade de novo aporte de recursos. Na inexistência desses, o desespero bateu à porta.
Porém, nem tudo está perdido e o barco como um todo não vai afundar. Alguns vão cair no mar e ainda há aqueles que serão salvos de lá pelos resgates federais e a natural capacidade de reação do setor.
Dentre os que conseguirão passar incólumes pela crise devem estar aqueles que anteriormente estabeleceram regras de contingenciamento nas suas atividades.
Conheço produtores, e são vários, que embora preocupados com a situação, conseguirão produzir com certa folga. É verdade, porém, que ninguém gosta de queimar gordura, ainda mais quando a causa do problema não está relacionada diretamente ao setor.
Pelo visto, nesses momentos, a gestão profissionalizada novamente volta a figurar como um dos assuntos vitais. Mas garanto, logo será esquecida. Basta o cenário melhorar.
A falta de atenção histórica ao tema tem feito desse, um setor em crise permanente desde o final dos anos 80, quando o Estado efetivamente deixou de ser o grande financiador da produção agrícola.

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