CI

Soja: quais os fundamentos?



IZNER HANNA GARCIA

Soja: quais fundamentos?

Lei da Oferta e Procura - Qual a Relação Com Sua Empresa? - Marcus Marques

Izner Hanna Garcia

            Peço-lhe, a você que lê, que distancie por alguns momentos do cotidiano. Afaste-se das notícias, dos gráficos e de tudo o mais.

            Pronto?

            Bem, agora, então, olhe o quadro geral da situação mundial.

            Claro, a primeira ‘foto’ deste quadro é a guerra Rússia x Ucrânia.

            Mas vamos além da Guerra em si em nossas análises. O que significa, em termos de consequências, esta guerra travada muito longe de nossa realidade? Será que as consequências da guerra estão ‘tão longe’ como a guerra em si?

            Em primeiro ponto deve-se compreender que esta guerra não é, em nada, semelhante a outros conflitos que vivenciamos ao longo do século XX e XXI. Mesmo as Guerras Mundiais tinham uma conotação totalmente distinta do que agora ocorre porquanto, reflita, tais guerras foram todas Ocidente vs. Ocidente.

            O que estamos vivenciando agora na guerra Rússia vs. Ucrânia trata-se do enfrentamento Ocidente vs. Oriente onde alinha-se todo Ocidente (Europa e EUA) contra a Rússia.

            Evidente que, ainda e por hora, grande parte da Ásia e Oriente Médio (principalmente China e Índia) abstêm-se de, diretamente, participarem do conflito. Contudo, indiretamente a Ásia já está envolvida visto que uma parcela da guerra dá-se por meio de enfrentamento comercial e financeiro.

            Não obstante a América Latina não seja um ator que ‘tenha um script’ neste teatro conflagrado há consequências substanciais que recaem e refletem em nosso destino.

            Em apertada síntese as consequências imediatas da guerra são:

 

  • Aumento de preço do petróleo
  • Aumento de preço dos derivados de petróleo, especialmente fertilizantes e insumos
  • Consequente aumento dos custos de produção
  • Consequente alta dos preços das commodities
  • Consequente alta da inflação de forma generalizada
  •  Desorganização da logística mundial
  • Grandes gastos governamentais com a guerra de parte a parte
  • Consequente aumento dos déficits públicos dos governos
  • Subida dos juros, notadamente no EUA e Europa
  • Abalos nos mercados acionários mundiais
  • Desaceleração das economias, seja pelo aumento dos juros seja pela perda do poder aquisitivo do consumidor via da inflação
  • Choque de oferta de cereais, especialmente trigo e milho fruto de que Rússia e Ucrânia são dois players relevantes de produção destes cereais

Além destas consequências imediatas, que já estão em curso, há:

 

  • Grande risco de crise energética mundial em razão das sanções ao gás e petróleo russo
  • Grande risco de aumento brutal de custos de produção em virtude da crise energética agravada
  • Grande risco de escalada militar e complexidade da situação geopolítica
  • Grande risco de desabastecimento mundial de grãos
  • Grande risco de recessão mundial em virtude de altas de juros

 

Enfim, o cenário é extremamente preocupante, complexo e, não só complexo e complicado mas, pior, um panorama que dia a dia vai se complicando.

Nesta situação, ‘olhando’ para o mercado de grãos, qual a realidade que nenhum relatório, nenhuma assertiva emanada de um gabinete pode superar?

Uma só realidade: a produção de grãos 2021/2022 não supriu a demanda.

 Em parte, sim, tal se deu em virtude da quebra da safra da América Latina. Não há dúvida. Mas mesmo que desconsiderássemos esta perda os números chegariam muito justos.

 O que acontece e poucos estão dispostos a falar ou pensar sequer é que a demanda mundial de grãos tem um ritmo de aumento ano a ano superior ao aumento da produção. Tal se dá, em larga medida, pelo incremento do consumo majoritário da Ásia, não só China (embora este país puxe a fila) mas toda a Ásia.

Não é o aumento em si demográfico puro e simples mas sim o enriquecimento daquele continente que, ano a ano, por décadas, traz ao mercado de consumo milhões de pessoas que passam a consumir mais. Mais grãos, mais carne, mais energia, etc..

Um ponto fundamental que não podemos nos esquecer: grãos, hoje, não são destinados somente ao consumo (animal ou humano) mas também já parcela importante é destinada à produção de energia, como o milho no EUA para produção de etanol e a soja para produção de biodiesel.

Aqui voltamos ao quadro anterior: a crise energética, com o barril de petróleo forçando a barreira de USD 110,00, é um incentivo a destinar-se parte dos grãos à energia e, assim, tira do mercado grãos que seriam para o consumo animal ou humano diretamente.

Agora voltemos à Guerra.

Vamos pensar no quadro de produção de trigo:

Dos 8 maiores exportadores de trigo, que somam (ou somariam) 176 milhões exportáveis, a região conflagrada (Rússia e Ucrânia) exporta (ou exportaria) 49 milhões de toneladas. Algo aproximado a 30% do trigo do planeta.

Neste quadro de guerra é crível pensar que esta exportação da Rússia e Ucrânia se dará de forma, digamos, ‘normal’?

Agora pensemos na notícia recente da proibição de exportação feita pela Índia. Temos mais, ou melhor, menos 8,5 milhões de toneladas deste mercado.

Este números demonstram o quão grave é a situação de abastecimento de trigo no mundo.

Com o milho a situação se repete já que Rússia e Ucrânia são também grandes produtores exportadores.

Somemos a este fato (já em curso e inegável) a crise de energia, a alta do petróleo e, então, a conclusão única é que a questão de abastecimento está já extrapolando uma questão puramente de mercado para tornar-se geopolítica e, porque não dizer, militar.

Se um país como a Índia, que todos os dias ‘acorda’ com 1,2 bilhões de pessoas que tem de consumir ao menos 1.500 calorias até o fim deste dia e de todos demais dias, tiver uma crise alimentar a questão não será mais de preços e sim de (in)segurança mundial.

Idem e até agravada a situação da China.

Neste sentido as projeções otimistas (ou ilusionistas) do relatório do USDA pouco dizem à realidade. A previsão de recorde de safra norte americana (se confirmada) pouco afetará este quadro de produção / demanda extremamente fragilizado.

A quebra da safra 2021/2022 da América Latina colocou o mundo em uma situação perigosamente vulnerável em termos de estoques de grãos.

Mesmo que a safra norte americana alcance os recordes projetados pelo relatório do USDA somente haverá 4,6% mais de produção de soja.

É pouco frente à fome do mundo.

E se a safra norte americana não atingir este recorde?

Alguns afoitos, frente ao recrudescimento do Covid na China e os lockdowns, dizem que a demanda chinesa irá diminuir.

É risível esta análise.

A história recente nos ensina justamente o contrário.

Ora, acaso a pandemia, mesmo em seu auge, significou diminuição de consumo de alimentos? Acaso por que uma pessoa está em quarentena ela deixa de comer, de ter necessidade das 1.500 calorias (isto para se manter magro, em um regime bem apertado) diárias?

Lembremos de novo: a China acorda todos os dias com 1,5 bilhão de pessoas que precisam comer sua cota mínima e este fato não é revogado em virtude de quarentenas.

Note o gráfico abaixo. Se disse tanto da ‘falta de apetite’ chinês pela safra brasileira, contudo, de janeiro à abril, os embarques foram recordes:

Assim, que não se levante de modo nenhum o argumento de ‘diminuição de consumo’ de alimentos. Isso não existe. A demanda por alimentos está dada e não recuará.

O que se tem, isso sim, é um quadro complexo de produção, com dificuldades em regiões importantes (notadamente Rússia e Ucrânia), estoques baixos, aumento de produção, dificuldade de logística para distribuição de fertilizantes e insumos, aumento de custos.

E, a conferir nas próximas semanas, um início não auspicioso, em termos climáticos, da produção norte americana.

Não há outra conclusão senão que a Lei da Oferta e Demanda, preconizada por Adam Smith, irá sobrepujar toda e qualquer especulação financeira do mercado e, da mesma forma, a conclusão é que o cobertor é curto e a demanda sobrepuja a oferta.

Izner Hanna Garcia, pós graduado FGV

https://fazendasnouruguai.com/

https://www.youtube.com/watch?v=az7mmt6zstA&list=PL3fec7DyBUADW8UjFG5dGhra0z4vhQZ8H

[email protected]

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.