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Impacto das Novas Leis Antidesmatamento da UE no Café



Giovanna Machado

O café é um dos pilares da economia brasileira, com o país sendo o maior produtor e exportador mundial, responsável por cerca de 40% da produção global. Em 2023/24, o Brasil exportou 47,2 milhões de sacas de 60 kg, das quais 49% foram destinadas à União Europeia (UE), principal mercado consumidor do café brasileiro. No entanto, a partir de 30 de dezembro de 2025, a nova legislação antidesmatamento da UE, conhecida como Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês), trará mudanças significativas para a cafeicultura brasileira. Esta lei proíbe a importação de produtos agrícolas, incluindo o café, provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020, exigindo rastreabilidade detalhada e conformidade com normas ambientais. Este artigo explora os impactos dessa regulamentação, os desafios para os produtores brasileiros, as oportunidades de mercado e as estratégias de adaptação, com linguagem acessível a todos os públicos e dados atualizados.

A EUDR, aprovada em abril de 2023 e em vigor desde junho do mesmo ano, é parte do Pacto Verde Europeu, que visa combater as mudanças climáticas e promover cadeias de suprimento sustentáveis. A lei se aplica a sete commodities (café, soja, carne bovina, cacau, madeira, óleo de palma e borracha) e seus derivados, como chocolate e couro. Para o café, ela exige que importadores europeus comprovem que o produto não foi cultivado em áreas desmatadas após 2020, por meio de georreferenciamento e auditorias. Além disso, os exportadores devem apresentar uma declaração de conformidade, garantindo que a produção respeita as leis ambientais e trabalhistas do país de origem.

A lei, inicialmente prevista para entrar em vigor em janeiro de 2025, foi adiada para 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas e 30 de junho de 2026 para micro e pequenas empresas, após pressão de países exportadores, incluindo o Brasil, e até mesmo de 18 nações da própria UE. No entanto, a pressão por conformidade já está acelerando mudanças no setor cafeeiro brasileiro.

O café brasileiro é diretamente afetado porque a UE representa 47,3% das exportações do país, com 21,2 milhões de sacas enviadas ao bloco em 2023/24, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Seis dos dez principais destinos do café brasileiro estão na UE, com destaque para Alemanha (14,3% das exportações) e Itália. A legislação impõe exigências rigorosas de rastreabilidade, que demandam tecnologia, investimento e adaptação, especialmente para pequenos e médios produtores, que representam 70% da cafeicultura brasileira.

Além disso, o Brasil enfrenta o desafio de ser classificado como país de "alto risco" de desmatamento pela UE até 30 de junho de 2025, devido ao histórico de desmatamento em biomas como a Amazônia e o Cerrado. Essa classificação pode impor barreiras mais severas, como auditorias mais frequentes e custos adicionais, impactando a competitividade do café brasileiro no mercado europeu.

Desafios para a Cafeicultura Brasileira

  1. Rastreabilidade e Georreferenciamento: A EUDR exige que cada lote de café seja acompanhado de coordenadas geográficas precisas, comprovando que a área de cultivo não foi desmatada após 2020. Muitos pequenos produtores não possuem acesso a tecnologias de georreferenciamento ou sistemas digitais, o que aumenta os custos de conformidade. Por exemplo, a plataforma de rastreabilidade do Cecafé, em parceria com a Serasa Experian, já abrange 50 cooperativas exportadoras, mas a adesão de pequenos produtores ainda é limitada.

  2. Falsos Positivos em Monitoramento: Sistemas de satélite, como o Joint Research Center (JRC) da UE, podem classificar áreas de cultivo de café como florestas, gerando "falsos positivos" de desmatamento. Por exemplo, fazendas em Minas Gerais e Espírito Santo, que cultivam café há décadas, foram incorretamente identificadas como áreas desmatadas, segundo Marcos Matos, diretor do Cecafé. Isso exige ajustes nos sistemas de monitoramento e maior diálogo com a UE.

  3. Custos e Barreiras para Pequenos Produtores: A adequação à EUDR pode custar caro, especialmente para pequenos agricultores, que muitas vezes não têm recursos para contratar agrimensores ou obter certificações como Rainforest Alliance. Estima-se que apenas 10% dos pequenos produtores brasileiros estejam preparados para cumprir as exigências, segundo a Organização Internacional do Café (OIC).

  4. Falta de Clareza na Implementação: Apesar do adiamento, a Comissão Europeia ainda não publicou diretrizes detalhadas sobre a implementação da EUDR, como o funcionamento do Sistema de Informação para due diligence ou a definição universal de "floresta". Essa incerteza dificulta a preparação do setor.

Oportunidades para o Café Brasileiro

Apesar dos desafios, a EUDR pode trazer vantagens competitivas para o Brasil, que já possui um arcabouço técnico e normativo mais avançado que outros países exportadores, como Vietnã, Honduras e Uganda. Entre as oportunidades, destacam-se:

  1. Sustentabilidade como Vantagem de Mercado: O Brasil reduziu a área cafeeira em 55% nas últimas décadas, enquanto aumentou a produtividade em 400%, segundo o Cecafé. Essa eficiência, aliada ao Código Florestal Brasileiro, que exige a preservação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais, posiciona o café brasileiro como sustentável. A conformidade com a EUDR pode ampliar sua participação no mercado europeu, que valoriza produtos éticos.

  2. Fortalecimento das Exportações: A antecipação às exigências da EUDR levou a um aumento de 32,1% nas exportações de café brasileiro para a UE em 2024 (13,3 milhões de sacas de janeiro a julho), segundo o Rabobank. Esse crescimento reflete a confiança dos importadores na capacidade do Brasil de cumprir as normas.

  3. Inovação em Rastreabilidade: Iniciativas como a plataforma do Cecafé e parcerias com empresas como Safetrace e Algrano estão impulsionando a adoção de tecnologias de rastreabilidade. Essas ferramentas podem não só atender à EUDR, mas também agregar valor ao café brasileiro, destacando sua origem e sustentabilidade.

  4. Certificações como Diferencial: Produtores como Marcelo Urtado, da Fazenda Três Meninas (MG), já utilizam certificações internacionais e plataformas europeias para comprovar conformidade. Essas práticas podem atrair compradores dispostos a pagar mais por cafés certificados.

A EUDR pode ter impactos mistos. Por um lado, a exclusão de produtores não conformes pode reduzir as exportações, afetando a renda de cerca de 2 milhões de trabalhadores na cafeicultura. Por outro lado, a conformidade pode abrir portas para mercados premium, onde o café brasileiro pode ser vendido a preços mais altos. Estima-se que a UE pague até 20% a mais por café sustentável, segundo a CNA.

Socialmente, a lei pode beneficiar comunidades rurais ao incentivar práticas sustentáveis, mas também pode marginalizar pequenos produtores sem recursos para se adaptar. Programas de apoio, como linhas de crédito do Banco do Brasil para georreferenciamento, são essenciais para mitigar esse impacto.

A Lei Antidesmatamento da UE representa um marco na busca por cadeias de suprimento sustentáveis, mas impõe desafios significativos à cafeicultura brasileira. Embora a rastreabilidade e os custos sejam obstáculos, o Brasil está bem posicionado para se adaptar, graças à sua estrutura tecnológica e práticas sustentáveis. A EUDR é uma oportunidade para o país reforçar sua liderança no mercado global de café, desde que produtores, governo e indústria trabalhem juntos para superar as barreiras. Para o consumidor, seja ele um apreciador casual de café ou um especialista, a mensagem é clara: o futuro do café brasileiro na Europa depende de transparência, sustentabilidade e inovação.

 

Referências

  • Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Dados de exportação 2023/24.
  • Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), 2023.
  • Rabobank. Relatório de Exportações de Café, 2024.
  • Organização Internacional do Café (OIC). Declarações de Vanusia Nogueira, 2023.
  • Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio). Análise da EUDR, 2023.
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