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Infra-estrutura: um dos principais gargalos da economia


Dante Scolari

O Brasil apresenta boas perspectivas de aumentar a sua participação atual de 4% no comércio mundial de produtos agrícolas, já que possui vários pontes fortes significativos. Nos últimos anos as exportações tem crescido a taxas de 6% ao ano e a balança comercial brasileira tem sido positiva. Como resultado o agronegócio já é responsável por 30% da geração de riqueza da nação (Produto Interno Bruto - PIB), 37% do total de empregos e mais de 40% das exportações. Em pouco mais de uma década mais do que duplicou a produção de grãos, estimada em 122 milhões de toneladas em 2006. A oferta doméstica de carnes, leite e hortigranjeiros aumentou substancialmente e os preços praticados ao nível dos consumidores estão extremamente baixos. Entretanto, os preços baixos pagos pelos consumidores possuem uma contrapartida perversa na outra ponta, a da produção.

O setor primário está atravessando uma grave crise de liquidez. Nos dois últimos anos, (2005 e 2006), houve perda de produção pela ocorrência de estiagens e queda substancial nos preços de comercialização dos principais produtos. Como resultado, as perdas acumuladas de renda agrícola neste período somam R$30 bilhões e a inadimplência no campo está aumentando. Uma parte substancial dos produtores rurais está com a capacidade de pagamento seriamente comprometida e as previsões são de redução significativa na área a ser cultivada na próxima safra 2006/07. Não existe renda nem disponibilidade de crédito para plantar a mesma área cultivada em 2005, de quase 60 milhões de hectares - as necessidades totais de recursos para o agronegócio são da ordem de R$110 bilhões/ano, o crédito rural cobre apenas 30% e fontes privadas cobrem o valor restante de R$77 bilhões/ano.

As recentes medidas conjunturais anunciadas pelo governo federal, para prorrogação das dívidas agrícolas que não foram pagas em 2005 e 2006, representam um pequeno percentual deste volume total de recursos de 110 milhões de reais. Embora importantes, são soluções parciais e paliativas e atendem somente os produtores adimplentes. Uma parcela significativa de médios e pequenos produtores inadimplentes ou sem garantias materiais para oferecer aos agentes financeiros, não foi contemplada pelas medidas e corre sérios riscos de quebrarem ainda em 2006. Para aqueles que conseguirem prorrogar os débitos de custeio (de três safras seguidas), a crise explodirá em maior intensidade em julho de 2007, já que dificilmente terão renda para pagar esta conta acumulada.

Esta crise não é passageira pois possui profundas raízes estruturais em diferentes setores da ecnomia. Uma das raízes mais profundas, que demanda soluções urgentes a curto prazo, é conhecida e está firmemente distribuída pelos principais estados produtores: a ocorrência de barreiras logísticas significativas na malha viária terrestre (rodovias e ferrovias), no transporte marítimo e fluvial, na limitada capacidade de armazenagem, na reduzida capacidade de escoamento dos portos e na real possibilidade de limitações no aumento da oferta futura de energia.

As principais rodovias de escoamento da produção estão em estado precário de conservação e muitos trechos rodoviários são quase intransitáveis na época das chuvas. A "operação tapa-buraco" em execução pelo governo federal nesta estação chuvosa de 2006 não está conseguindo resolver os problemas nas principais rodovias e as condições de trafegabilidade continuam limitadas. As estradas rodoviárias federais administradas pela União são na sua maioria consideradas inseguras, com elevado número de acidentes e de custos de manutenção, fatos que reduzem a vida útil da frota de transporte de carga. Além disso a regulação é deficiente, as regras de acesso a atividade são limitadas e a fiscalização é precária. Como conseqüência, os custos médios de transporte rodoviário no país são maiores do que aqueles praticados nos Estados Unidos (maior uso de ferrovias e hidrovias) e na Argentina (menores distâncias rodoviárias), nossos maiores concorrentes, em 24 dólares por tonelada de grão ou derivado exportado.

A malha ferroviária de um modo geral é velha, obsoleta, mal conservada e extremamente limitada. Existem poucos trechos ferroviários modernos e operacionais, poucos ramais secundários e limitada infra-estrutura de transbordo de carga seca nas principais zonas produtoras. O número de pontos críticos nas linhas é elevado e a interligação com zonas portuárias é deficiente, resultando em tempo de trânsito muito elevado e baixa capacidade operacional. Não existe disponibilidade nem de locomotivas nem de vagões ferroviários adicionais, devido à demanda de outros setores como siderurgia, cimento, celulose e papel, ferro gusa e químicos derivados do petróleo. A regulação no transporte ferroviário é deficiente e indefinida quanto a novos investimentos e direito dos usuários. Como resultado, o escoamento ferroviário é responsável por uma pequena parcela da produção agrícola brasileira.

As hidrovias embora sejam o meio mais barato de transporte são pouco utilizadas e quase inexistentes. Existem pelo menos dois casos de eficiência, no Rio Madeira (soja e fertilizantes) e no trecho Tietê-Paraná. Falta uma clara definição política sobre a importância e prioridades de investimentos em hidrovias, uma vez que decisões judiciais embargaram novos trechos (casos de Pires-Tapajós e Araguaia-Tocantins). Além disso, existem movimentos ambientalistas, muitos financiados com recursos externos, que sistematicamente se posicionam contra a utilização de hidrovias no país. A navegação de cabotagem não é significante embora o potencial de utilização possa alcançar uma demanda acima de 3 milhões de t, principalmente para transporte de fertilizantes, soja, milho e arroz. Não existe uma política nacional de cabotagem nem um plano conhecido para o futuro próximo.

Os portos brasileiros (os principais são Paranaguá/PR, Santos/SP, Rio Grande/RS, Vitória/ES, São Francisco do Sul/SC, Itacoatiara/AM, São Luís/MA, Ilhéus/BA, Santarém/PA e Corumbá/MS), na modalidade cais de uso público são antigos, mal dimensionados, mal equipados, obsoletos, mal localizados, de difícil acesso, pouco operacionais e caros. Os terminais privados, principalmente aqueles especializados em grãos, podem ser considerados relativamente modernos e eficientes, tanto com relação aos equipamentos quanto com relação à movimentação das cargas. Mas, a gestão portuária como um todo no Brasil, delegada a estados e municípios, nem sempre pode ser considerada eficiente, uma vez que muitas vezes atende a interesses políticos em detrimento da eficácia e da eficiência. Em alguns casos, como em Paranaguá, o custo de "demurrage" para um navio graneleiro pode chegar a US$ 50 mil por dia – se atrasar 20 dias o custo adicional pode ser de um milhão de dólares. Além disso, a construção de novos portos ou de novos terminais marítimos emperra na barreira ambiental construída e administrada por autoridades ambientais brasileiras, que tornam o licenciamento ambiental um processo custoso e demorado.

A capacidade brasileira de armazenagem de grãos é de 106,36 milhões de toneladas (t), distribuídas por 14.857 armazéns. Deste total, 80 milhões (7.540 armazéns) são de armazenagem a granel e 26,36 milhões (7.317 armazéns) de armazenagem convencional, com 47,554 milhões de t (7.897 armazéns) localizado na região sul e 33,511 milhões de t (3.023 armazéns) localizada na região Centro-oeste. A grande maioria dos armazéns e da capacidade de armazenagem está localizada fora da porteira da fazenda e existe uma parcela significativa de armazéns antigos, mal conservados e sem condições de armazenar grãos diferenciados. Nos anos recentes, houve reduzida expansão na capacidade de armazenagem do país. Caso se concretize a expectativa do IBGE de uma produção de grãos de 122 milhões de t para 2006, novamente haverá dificuldades de armazenagem da produção.

Este conjunto de dificuldades impõe custos adicionais significativos e reduzem a competitividade do país no comércio de produtos agrícolas. Mas apesar de todas estas dificuldades na infra-estrutura existe uma boa notícia: há interesse de investidores privados em investir no país, desde que os marcos regulatórios sejam claramente definidos e os contratos e direitos de propriedade rigorosamente respeitados.

 

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