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Maurice Strong na FIESP


Richard Jakubaszko
A FIESP convidou Maurice Strong para que viesse ao Brasil proferir uma palestra. Para quem não o conhece faço registro de que o octogenário empresário é um magnata da extrema direita canadense que defende a ferro e fogo a causa ambientalista, tendo sido secretário geral da COP de 1972 e da Rio92, além de comandante do IPCC (International Panel Climatic Change, na sigla em inglês) até recentemente, além de assessor direto de Kofi Annan, quando este foi secretário geral da ONU. Maurice foi defenestrado da ONU, quando Annan saiu de lá, provavelmente pela sua famosa truculência. Apesar do andar claudicante, e da aparência frágil, o canadense é um ativista conectado, plugado, olhos espertos, e hoje em dia é consultor do governo Chinês para questões ambientais. Ele foi também presidente de uma das maiores empresas fornecedoras de energia elétrica dos EUA (energia fóssil e nuclear).

Na palestra proferida dia 27 de novembro último, lá na FIESP, a qual fui assistir, convidado pelo departamento ambiental da FIESP, ouvi o rosário de comentários "idealistas" sobre os problemas ambientais, desde as ameaças e os perigos da derrocada ambiental que a humanidade tem provocado ao planeta, e as críticas sinceras ao consumismo, especialmente dos americanos, que possuem menos de 4% da população, mas consomem cerca de 40% dos recursos naturais do planeta. Maurice Strong derramou-se em elogios ao Brasil, um país que, segundo ele, é líder mundial em iniciativas preservacionistas. Ganhou aplausos da plateia por afirmar isso. Mas tomou o cuidado de não citar o Código Florestal. Nem precisava.

Nos 45 minutos de palestra falou mais das oportunidades na China e de como os chineses se preparam para ser a maior nação do mundo, da experiência de ter morado na China, etc., do que das questões ambientais.

FIESP atrapalhada
O evento tinha um ar de improviso em quase todos os seus momentos. Era para ter sido iniciado 14h00 e iria até as 18h00, conforme informava o convite. Cheguei 10 minutos antes, mas os fones da tradução simultânea, me avisou a mocinha responsável, só seriam liberados a partir de 14h45... E tudo começou depois das 15h00... Jeitinho brasileiro, é claro... Já aos 20 minutos de palestra de Maurice um pequeno incidente. Uma das auxiliares do evento serviu água ao palestrante. Na verdade, interrompeu a palestra. Ele perguntou se era uísque, bebeu, agradeceu, e confirmou, era água, arrancando esporádicos risos da plateia pela piada canadense.
Não contente em ajudar com a água, a auxiliar ajustou o microfone uma, duas, três vezes, e aí o elétrico palestrante reclamou que estava sendo ajudado naquilo que não precisava. Ofereceu parceria para ela participar da palestra... Quando a auxiliar se retirou, a palestra foi em frente. Terminou logo em seguida, sem apresentar qualquer novidade importante ou interessante, com o brado de que precisamos reduzir os gases de feito estufa, de fazer algo, urgentemente, para dar chances de qualidade de vida aos nossos descendentes, pois os mares vão subir, afinal, as mudanças climáticas estão aí, vai faltar água e comida e muitos minerais essenciais.

Mais encrencas...

E tinha que ser comigo. Antes da iniciar a palestra o mestre de cerimônias avisou que o convidado responderia as perguntas da plateia, que deveriam ser registradas em formulário próprio, disponível com as auxiliares. Pois mal a palestra já havia iniciado e eu já tinha 3 perguntas escritas e as entreguei para uma das assistentes de palco, em 3 formulários diferentes, onde me identifiquei com nome, fone, e-mail e como jornalista. Aliás, havia menos de meia dúzia de jornalistas presentes, entre eles as equipes de TV-Internet da própria FIESP e do SESI. Desinteresse da imprensa? Talvez, mas pareceu-me que a imprensa não foi convidada. Fui convidado, desta forma, por mero acidente.

Percebi, logo de imediato, um frisson entre as assistentes e o diretor da FIESP, sentado à esquerda de Maurice, pois seria ele quem leria as perguntas. As papeletas com as perguntas foram e voltaram umas 3 vezes. Depois de lidas, e respondidas pelo palestrante mais de 30 perguntas, nenhuma das 3 que eu havia feito tinha sido apresentada. Quando vi que havia apenas mais uma papeleta na mão do diretor da FIESP chamei a auxiliar de palco e reclamei que minhas perguntas não haviam sido apresentadas.

Foi outro ti-ti-ti. Veio uma supervisora e explicou-me que havia 200 perguntas, inclusive feitas pela internet, e que não daria para responder a todas, mas que estas seriam entregues a Maurice Strong e que caberia a ele responder depois, talvez por e-mail. Comecei a encrenca: reclamei que aquilo era censura, e que não aceitaria isso, ainda mais vindo de uma entidade como a FIESP. Não apareceu ninguém da assessoria de imprensa da FIESP. Quase fui interpelado a "provar" que era jornalista e também, de certa forma, "desafiado" a provar o "como que eu estava ali se não fora convidado". Esclarecidas as dúvidas convidaram-me a participar da "coletiva" que haveria com a estrela ambientalista. Ele, por sua vez, enquanto isso, terminada a palestra, permitia-se tirar fotografias com pequenos grupos da plateia presente. Havia um total de 100 a 120 pessoas, número menor de assistentes do que o previsto, com certeza, pois havia outro tanto de cadeiras vazias. Pouca gente para uma estrela internacional da magnitude de Strong.

Pedi as minhas papeletas de volta. Recebi duas, e não três, com a explicação chinfrim de que uma delas (a pergunta 3, abaixo) havia sido apresentada ao palestrante. Ficou clara e comprovada a censura, pois a terceira pergunta foi apresentada, sim, mas deturpada. Vejamos:

Pergunta 1: O que o Senhor tem a comentar sobre o pedido de desculpas apresentado pelo ambientalista inglês James Lovelock, em abril último, de que exagerou em suas previsões catastrofistas e recomendações?
OBS. Leia aqui o post que publiquei, sobre as "explicações" de James Lovelock: http://richardjakubaszko.blogspot.com.br/2012/04/aquecimento-global-pai-da-hipotese-gaia.html

Pergunta 2: Apresente uma única prova científica de que está havendo aquecimento no planeta, ou mudanças climáticas, de acordo com as previsões feitas pelos ambientalistas, inclusive o Senhor.

Pergunta 3: Por quê os ambientalistas nunca debatem e nem recomendam a questão da redução do crescimento demográfico no planeta, esta, na verdade, a grande causa dos problemas ambientais, como poluição e ameaça de fome?

No caso da pergunta 3, "refeita" pelos assessores da FIESP, e que não citaram meu nome, como inquiridor, como fizeram com os demais perguntadores, a pergunta feita foi algo como "O que o Senhor teria a comentar sobre o crescimento populacional". E Monsieur Strong desandou a falar sobre esses problemas e suas consequências, do consumismo, e de que tínhamos de reduzir nossos padrões de consumo.
"A coletiva"...
Aí, começou a "coletiva", ou seja, duas repórteres das TVs-Internet da FIESP e SESI, acompanhadas de 2 cinegrafistas, e eu, em que ele comentou rápido, frente às câmaras, da sua satisfação em mais uma vez voltar ao Brasil, um país ambientalista. Depois da "entrevista" disse ao seu assessor que não haveria coletiva, pois "I dont need publicity". Depois, reclamou para o assessor, de que havia pedido "No press" no evento.
Ciente do problema da censura, o assessor perguntou se Maurice poderia responder as minhas duas perguntas, não formuladas. Com a concordância, e de um gesto de enfado de Strong, o assessor traduziu a pergunta 1, não sem antes me segredar em português que James Lovelock "é amigo pessoal dele" (Maurice...). Pois Maurice Strong afirmou que as declarações de Lovelock não são de sua responsabilidade, com as quais ele não concorda, e que eram afirmações feitas por um "chicken" (galinha, em inglês, que significa uma pessoa sem opinião, fraca, que muda de ideia toda hora), portanto, sem valor algum. Grande amigo, pensei com meus botões...

Para a pergunta 2, feita em seguida, Strong me olhou friamente, carrancudo, músculos da face imóveis, pensou rápido e deu a resposta em fração de segundos: "o degelo do Polo Norte", seguida de um meio sorriso viorioso. Retruquei que inúmeros cientistas sérios já desmentiram isso, inclusive a NASA. Insisti na apresentação de uma prova científica, direto com ele, usando meu inglês macarrônico, mas já fluente diante das contrariedades surgidas. Maurice mais uma vez safou-se rápida e brilhantemente, com a esperteza de um bom brasileiro: "é a opinião deles (os cientistas)". Inverteu a posição e me perguntou o que eu achava, se essa era a minha opinião. Confirmei, e acrescentei que acho que é uma mentira dos ambientalistas. Ele encerrou a conversa com um "Yes, so, it is your opinion". Me deu as costas e foi conversar com outros.

Fui embora na sequência. Frustrado por ter caído na trapalhada da FIESP, na censura velada e "jeitosa" dos assessores de poucas práticas da mais importante instituição representativa dos empresariado brasileiro. Se a FIESP é assim, imagina o resto...

Entre o local do evento, até chegar à rua, muitos corredores e escadarias, um longo percurso. Fui pensando na síndrome brasileira, igual a do cachorro vira lata, que aplaude qualquer gringo que por aqui apareça, que dita regras, faz um elogio sobre nossas praias, nossas lindas mulheres, e agora falam sobre o como "somos bons ambientalistas". Só Freud para explicar essa neurose subalterna infiltrada no comportamento das elites políticas e empresariais. E que agora chega aos futebolistas envelhecidos, como Ronaldos, Ronaldinhos, Adrianos, Fabianos, nos músicos como Madonna e Paul McCartney, e nos ambientalistas como Maurice Strong. Não servem mais ao primeiro mundo, mas nós queremos, e contratamos...E eles vêm faturar um troco por aqui, afinal, agora somos um país rico, a 6ª economia do planeta...

Na saída quase "tropecei" no orelhão da Telefônica, um monumento ao mau gosto, implantado bem em frente ao portentoso prédio da FIESP, na calçada, junto ao meio fio, e ao lado da saída da estação Trianon do metrô. Pareceu-me uma sutil ironia do pessoal da Telefônica para com o pessoal da FIESP, pois o orelhão estilizado é um cérebro exposto, como pode ser visto na foto. Deve ser o cérebro de alguém da equipe da FIESP, fica funcionando do lado de fora do prédio...

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