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O carrasco, a pipoca e a santa.


Richard Jakubaszko

Aprendi que nunca se deve misturar as coisas. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Se umbanda funcionasse o campeonato baiano terminava sempre empatado, conforme o aforismo de Nenê Prancha, futebolista juramentado. Inesquecível Itália 3 x Brasil 2, Copa do Mundo, Espanha, 1982, o carrasco Paolo Rossi 3 e nós 2. Uma tortura! Tínhamos o mais belo dos padrões de jogo de seleções brasileiras de todos os tempos, sob o comando de Telê Santana, que se mandou embora semanas atrás, às vésperas portanto, e vai assistir a copa no telão de plasma do divino, 128 polegadas, som quadrifônico, sem delay. Telê vai lembrar que, no Sarriá, Zico, Falcão, Éder, Cerezzo & Cia., jogavam por música. A seleção encantava até os inimigos. Pode não ter sido a melhor seleção de todos os tempos, mas foi das melhores. O  Brasil inteiro jogava embalado pelo ritmo daquela seleção, tão ou mais que a seleção de hoje na Alemanha.

Lá em casa, antes do jogo, fizemos a preparação das mandingas tradicionais como em todos os jogos da seleção em mundiais. Antes do jogo pipoca na panela e cerveja no freezer. Tudo ficava pronto, em estado de concentração, à espera do grande momento. Quando a TV abria o sinal da transmissão direta acendia-se o fogão, a pipoca explodia até os piruás em comemoração prévia. Na audição dos hinos a farta tigela de pipoca já "segurava" a expectativa da turma. Minha mulher, as duas filhas, elas na época com 9 e 7 anos, e eu, com os rituais de sempre, na frente da telinha. São raros os brasileiros que não têm seus rituais, esses eram os nossos... tem gente que assiste os jogos sempre com o mesmo chinelo, ou a mesma camisa velha, boina, e até cueca, sem nunca lavar, porque se uma vez funcionou tem de funcionar sempre. Tenho um tio, hoje na casa dos setenta, que na copa de 58 teve o braço quebrado, e ouviu pelo rádio a copa inteira com o braço engessado. Pois até hoje, em todas as copas, ele engessa o mesmo braço, na certeza de que mais uma vez vai funcionar... bem, funcionou 5 vezes, vai funcionar pela sexta vez?

Em 1982 a bola rolou no Sarriá, muita ansiedade na sala de casa, a pipoca se foi rápida, e Paolo Rossi fez o primeiro. Mais nervosismo. Empatamos, que alegria!!!, agora vai... veio o intervalo e no reinício do segundo tempo Rossi fez 2 x 1, que sofrimento!, quase uma eternidade depois, empatamos de novo! Que festa! A seleção crescia em campo. Somos melhores, vamos ganhar! A primogênita ia da sala para o dormitório, sem disfarçar o pânico. Fazia orações para Santa Rita de Cássia, padroeira da família. Não dei importância para suas idas e vindas, mas percebia o movimento, até que Rossi - carrasco filho da puta!!! - fez 3 x 2, quase no fim do jogo. Que decepção! Maledeto esse Rossi!

 No final do jogo, estupefata, candidamente, minha filha comentou que não entendia mais nada, rezara e acendera vela para Santa Rita, e nos dois gols anteriores o pedido tinha dado certo. Aí caiu minha ficha! Descarreguei a raiva de uma só vez:
- maluca, bandida, panaca!!!, você rezou prá santa errada, Santa Rita de Cássia é italiana, nunca iria atender teu pedido...
A santa meteu seu dedo em favor da azurra? Vai saber... na dúvida nunca mais misturamos orações e futebol, só pipoca e cerveja, e seguimos adeptos de Santa Rita de Cássia.

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