CI

O etanol no Brasil e no mundo e o futuro


Antonio Carlos Mendes Thame
Para quem souber enxergar há cenários favoráveis à nossa frente, no curto e médio prazo, originados com a possibilidade da substituição do consumo e do exaurimento, não muito além de quatro décadas, prospectado dos combustíveis fósseis não-renováveis, e a difusão do uso dos biocombustíveis de múltiplas fontes renováveis.
Esta perspectiva já é o objeto de desejo de grandes investidores privados e grupos empresariais no mundo desenvolvido e nos países centrais do hemisfério ocidental. A substituição do petróleo pelos combustíveis obtidos da biomassa, para produzir energia elétrica e impulsionar carros leves e o transporte de massa nos meios urbanos, é uma realidade e as tendências observadas apontam para um futuro em que a utilização da biomassa para gerar energia seja o caminho para evitar-se um apagão mundial ou para não ficar submetido a uma permanente chantagem fruto das incertezas na continuidade do fornecimento e dos níveis de produção do combustível fóssil. A violência no Oriente Médio, interrupções na extração no Golfo do México em virtude de condições climáticas adversas como furacões, aumento da demanda de países como a China e a Índia, são fatores por trás do aumento nos preços do petróleo a que assistimos em 2005 e que podem repetir-se nos anos vindouros.
As fontes energéticas atualmente em uso em larga escala no mundo desenvolvido são de origem fóssil, como o carvão mineral e o petróleo (que respondem por mais de 60% da produção de energia) ou o gás natural (21%), que rivaliza com a produção de energia a partir do carvão mineral.
A energia atômica (usinas de produção de eletricidade a partir dos processos de fusão nuclear, com participação na matriz energética mundial em torno de 7%) desperta permanente preocupação pelos riscos decorrentes das exigências de disposição final segura dos rejeitos radioativos produzidos juntamente com o potencial energético gerado.
A hidroeletricidade, que no Brasil responde por cerca de 14% da energia produzida, não tem tanta importância no restante do mundo (2,3%) e ainda assim não está inteiramente livre de críticas sua ampla utilização, pelos impactos ambientais adversos decorrentes de grandes projetos e obras para utilizar a força das correntes e quedas d’água, sem considerar que nem sempre grande volumes de potencial hídrico ou desníveis aproveitáveis para a geração da hidroeletricidade são encontrados onde seja necessária a produção energética. O aproveitamento em escala da energia eólica ou a das marés é uma promessa, ainda.
É assim que a produção de biocombustíveis apresenta-se viável e potencialmente capaz de atender à demanda energética atual e futura, em curto prazo e com um horizonte de eficiência e utilidade de médio-longo prazo.
O Brasil tem experiência histórica a exibir e servir de exemplo e bússola para si e para outros países. E até antigos problemas que a produção em larga escala de álcool de cana-de-açúcar acarretava, como o vinhoto, já alcançaram soluções definitivas, possibilitando a reciclagem de nutrientes e uso sob forma de aditivos para a forragem do gado, não mais ocasionando a poluição em cursos d’água, como há algumas poucas décadas ainda ocorria.
O processo da produção de etanol integra o ciclo do carbono na atmosfera terrestre. As plantas enquanto crescem absorvem o CO2 e com isto reciclam o gás carbônico presente na atmosfera e o que resulta da emissão de fontes poluentes. Além disso, o etanol é biodegradável, não-tóxico e não-poluente, isento de riscos para os corpos hídricos e as fontes de suprimento de água para consumo. Seu transporte, portanto, desde os locais de produção até os centros consumidores, apresenta muito mais segurança do que o transporte de petróleo ou gasolina, que sabidamente já ocasionou inúmeros acidentes e desastres ecológicos de proporções quase catastróficas. O custo da produção do etanol brasileiro, no Centro-Sul do País, situa-se atualmente em torno de US$0.20/litro.-, enquanto os custos avaliados para o etanol de milho nos EEUU atingem US$0.33/litro, e, na Europa, etanol produzido de trigo ou beterraba chega, respectivamente, a US$0.48 e US$0.52 (dezembro/2004, US$1.-/R$2,80). E ainda se teria que somar as externalidades positivas desse combustível para configurar-se finalmente o seu custo real, inclusive ecológico.
Tudo se combina a fatores que, no Brasil, estão favorecendo adotar uma vigorosa e decidida política energética, industrial, comercial e tecnológica centrada no etanol e nos demais biocombustíveis.
O Brasil possui extenso território, condições climáticas amenas, altos índices de insolação anual, e vocação agrícola diversificada. A produção de biomassa e de alimentos é aqui, por isto, favorecida.
A interiorização do desenvolvimento e a desconcentração urbana também são aspectos que podem e merecem ser buscados e induzidos e conduzir a um refluxo das marés migratórias que, na última metade do século XX, levaram ao inchaço dos principais centros urbanos brasileiros e das regiões metropolitanas de nossas cidades. É preciso desconcentrar a riqueza e a população em nosso território, para que tudo retorne a uma real escala humana, que estamos arriscando perder.
Na produção de etanol, o aproveitamento de resíduos da matéria-prima vegetal utilizada deixa de gerar lixo para possibilitar co-geração de energia. Há exemplos atuais de usinas de açúcar e de álcool que são capazes de produzir, com os resíduos do processo industrial, toda a energia que consomem e ainda produzir excedente para a venda ao sistema de distribuição de eletricidade. Assim, se tem a co-geração de bio-eletricidade, como sub-produto da produção sucro-alcooleira, nas unidades industriais mais modernas.
O mesmo também é possível obter com a produção de biocombustíveis e biodiesel de outras matérias-primas vegetais e até de descarte de material ligno-celulósico, além das oleaginosas comuns, como a soja, o girassol, o amendoim, a mamona, o pinhão manso, e o nabo forrageiro. Até a mandioca produz álcool e está a merecer atenção e estudos à altura de seu potencial econômico e produtivo, prescindindo de medidas aleatórias e artificiais, como a obrigatoriedade por lei de mistura da farinha de mandioca ao trigo para panificação.
A geração de energia descentralizada e renovável em comunidades carentes isoladas está à portada de mão, com tecnologia disponível e de baixo custo, com a geração de eletricidade com recurso a microturbinas e motores estacionários de combustão interna e utilização de biocombustíveis de fontes múltiplas.
A venda de energia por usinas de açúcar e álcool, que até há pouco tempo era considerado um subproduto, hoje representa 8% do faturamento das usinas de açúcar, o custo do investimento para a geração de energia a partir do bagaço da cana variando entre US$ 1 e US$ 1,2 o quilowatt. Projeta-se um único empreendimento, pelo grupo brasileiro COSAN, para 2009, com investimentos da ordem de US$ 700 milhões, que irá produzir 700 MW, volume suficiente para abastecer uma cidade de 3 milhões de pessoas. Outros mais poderiam sucedê-lo.
Dois aspectos interessam ainda para estabelecer definitivamente a segurança ecológica da opção por uma política energética com ênfase nos biocombustíveis.
O primeiro relaciona-se ao aumento da área plantada, a competição entre cultivos energéticos e colheitas alimentares, e a preservação da cobertura vegetal nativa, caso haja maior produção de biocombustíveis, álcool anidro e hidratado à frente.
O segundo diz respeito ao estímulo a que haja de fato cuidados ambientais para impedir o avanço dos cultivos energéticos para áreas de preservação permanente ou de floretas nativas e, ao contrário, seja possível aumentar a produtividade desses cultivos com a utilização intensiva de insumos e tecnologia moderna para que o aumento da área plantada se dê mediante a incorporação apenas de áreas de pastagens já existentes ou o aproveitamento de terras degradadas, sem que haja perda da cobertura florestal em biomas nacionais sensíveis e em risco, como os cerrados e o pantanal no Centro-Oeste, as manchas remanescentes de Mata Atlântica no Sudeste e no Nordeste, a Floresta Amazônica.
A maior garantia de que, concomitantemente ao aumento da produção de etanol e de biocombustíveis de diversa origem vegetal, vai-se preservar o ambiente natural em nosso país, está na manutenção dos esforços públicos e privados da Pesquisa e do Desenvolvimento tecnológico. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária S.A. – EMBRAPA tem sido durante todo o desenvolvimento do agronegócio brasileiro o esteio da produtividade e da busca pela eficiência da agricultura e da agroindústria. Outras iniciativas de fontes privadas também já são conhecidas e demonstram a pujança do agronegócio brasileiro e a confiança do investidor em buscar oportunidades mediante a inovação tecnológica. É preciso, então, políticas integradas de desenvolvimento científico e tecnológico, associadas ao estímulo ao setor produtivo. E estas ainda aliadas ao esforço para a melhor qualificação da mão-de-obra pelo ensino de boa qualidade e aumento da escolaridade e dos anos de estudo desde a primeira infância até a adolescência das novas gerações.
Mas há vertentes tecnológicas que necessitam de apoio continuado e mais bem direcionado do poder público, a exemplo a produção de energia elétrica nas usinas de destilação e de produção de açúcar com a tecnologia da gaseificação da biomassa integrada a turbinas de gás ou, ainda, a tecnologia da hidrólise de material ligno-celulósico (palha e bagaço de cana).
A integração total das usinas de destilação de álcool e de produção de açúcar, mediante a co-geração de bio-eletricidade irá propiciar o aumento da lucratividade das unidades industriais e do retorno do investimento realizado nelas. Assim, plantas industriais que propiciem ao investidor e empresário maior retorno por unidade de produto garantirão lucratividade maior, e servirão de estímulo tanto a que não haja substituição nem competição entre culturas energéticas e alimentares, tampouco uma expansão descontrolada da área plantada avançando sobre regiões virgens ou sobre áreas de preservação permanente ou florestas nativas. A maior eficiência produtiva, mediante o agregado tecnológico aos produtos e processos, será eficaz barreira a que a substituição ou competição entre culturas origine escassez de alimentos ou aumentos de preços dos produtos agrícolas para consumo alimentar interno.
Outra garantia, evidentemente, é encontrada nos órgãos de administração ambiental, nos três níveis da federação brasileira, e que são hoje em dia corolário para a ação do poder público e da cidadania. O Brasil tem, ao contrário de outras nações emergentes ou em desenvolvimento, um aparato fiscal ambiental de reconhecida competência, ao lado de leis que demonstram o avanço da consciência ecológica em todos os setores administrativos e da sociedade civil.
E exatamente é este aparato legal e administrativo que nos permite afastar quaisquer críticas de que possa ocorrer descaso, descuidos e leniência quanto a ações de quaisquer agentes pondo em risco a segurança ambiental em nosso País, principalmente nas regiões Centro-Sul e Oeste brasileiras.
E o aumento da eficiência produtiva nestas regiões, onde a tecnologia da produção de cana-de-açúcar já é extremamente avançada, até sob parâmetros internacionais, aliado a que aí se encontra a melhor infra-estrutura logística de produção e de comercialização e de transporte e escoamento do produto, servirão também de anteparo a ações deletérias ao ambiente do bioma amazônico que, além do mais, terá sua vocação respeitada para o turismo ecológico e o para o desenvolvimento sustentável do manejo florestal.
Trata-se de estabelecer, com segurança e com visão administrativa de longo alcance, as estratégias de políticas desenvolvimentistas adequadas a cada região nacional. Ao mesmo tempo, a diversidade de culturas energéticas e a descentralização que a produção de biocombustíveis também possibilita podem ser a solução para que também áreas do interior mais profundo de nosso país disponham de fontes de geração de energia abundante e barata, e de baixo impacto ambiental.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.