
Pelo menos durante as próximas décadas, o motor econômico chinês continuará girando com potência tal que vai exigir um volume de recursos naturais e de matérias-primas muito além daquele que as fontes domésticas têm condições de suprir. As importações chinesas de commodities já determinam o nível dos preços e o dinamismo dos negócios em vários mercados internacionais desses produtos, do petróleo até a soja e o milho, passando pelo minério de ferro, cobre e níquel.
O cenário vai se repetir quando se trata de comércio internacional de carnes ou de laticínios. Superado apenas pelo mercado doméstico, o mercado chinês será, daqui para frente, o principal destino dos produtos comercializados pelo agro brasileiro. Nunca um país teve que integrar ao mercado, num espaço de tempo tão reduzido, uma classe média emergente tão importante.
Entre 2000 e 2011, 170 milhões de chineses viram melhorar seus níveis de renda, o que lhes possibilitou incluir produtos lácteos e carnes em seu cardápio. As estimativas são de que até 2020 cerca de 300 milhões de chineses passem a ter acesso a esses alimentos considerados inacessíveis até bem pouco tempo.
As autoridades chinesas não se limitam a estimular a ampliação do comércio tradicional com países fornecedores de metais, combustíveis fósseis, commodities agrícolas e proteínas animais. Elas consideram como sendo de vital importância para a economia chinesa investir na implantação de bases de suprimento desses produtos em países com capacidade para fornecê-los em grande escala.
No Plano Quinquenal 2001/2005 foi definida a política nacional do “going out”, uma diretriz muito clara e bem definida de incentivo a empresas chinesas – principalmente estatais – para investirem em países estrangeiros, com o único objetivo de multiplicar cadeias de suprimento de recursos naturais e matérias-primas à economia chinesa.
Com reservas cambiais ultrapassando US$3 trilhões o governo chinês pode incentivar suas empresas a investir muito além das fronteiras do país, seja através de investimentos diretos, oferta de financiamentos de projetos de infraestrutura e logística, aquisição de ativos ou formação de joint-ventures com empresas estrangeiras dos setores de mineração, energia, combustíveis e do setor agrícola.
As fusões e aquisições também se tornaram alvo das empresas chinesas por oferecerem acesso rápido a novos mercados e tecnologias. A ideia central da estratégia do “going out” é abastecer o mercado chinês dos recursos naturais e matérias primas de que ele necessita para continuar crescendo. Trata-se de criar uma rede internacional de parcerias cuja finalidade estratégica é garantir o suprimento das cadeias industriais e agroindustriais chinesas em energia, minérios e produtos agropecuários.
Com o objetivo de fortalecer essa estratégia, a diplomacia chinesa foi completamente reorientada chegando a operar como ferramenta fundamental do “going out”. Embaixadas e consulados chineses no exterior foram instruídos a mobilizar seus departamentos comerciais para assistirem as empresas chinesas em suas incursões em ambientes até então desconhecidos para elas do ponto de vista, jurídico, ambiental e até mesmo cultural.
Foram mobilizados para preparar e implementar acordos intergovernamentais de abastecimento a longo prazo. Receberam ainda a missão de identificar projetos em países estrangeiros que visavam aumentar as capacidades locais de produção de petróleo, minérios e matérias primas agrícolas. A partir do final da última década, as autoridades chinesas passaram a oferecer financiamentos de longo prazo aos governos estrangeiros no intuito de viabilizar e acelerar tais projetos.
Quase que sistematicamente, os contratos de financiamento firmados com os países parceiros previam um reembolso através da entrega, durante vários anos, de volumes pré-definidos de commodities. No setor de minerais foi instituída a política dos 3/3: um terço dos minérios importados deve ser fornecido por joint-ventures estrangeiras que contam com a participação de capital chinês; um terço deve ser fornecido através de acordos intergovernamentais de abastecimento a longo prazo, o último terço pode ser suprido por fornecedores estrangeiros usando os mecanismos normais de comércio internacional.
Criação de uma base global de abastecimento
Segundo o Ministério do Comércio da China, até o final de 2010 mais de 13.000 firmas do país tinham estabelecido 16.000 empresas no exterior (joint-ventures, subsidiárias ou fusões e aquisições), investindo um valor líquido acumulado de US$ 317.21 bilhões em 178 países e regiões de todo o mundo entre os quais estão, o Sudeste da Ásia, Austrália, Rússia, Canadá, México, Argentina, Venezuela, inúmeros países da África, Oriente Médio e outros tantos da América Latina, inclusive o Brasil. A maioria desses investimentos têm como destino os setores de mineração, energia e agropecuária.
Na Austrália, por exemplo – maior fornecedor de carvão e segundo maior exportador de minério de ferro ao mercado chinês – os investimentos aparecem sob a forma de joint ventures ou aquisições com empresas locais de mineração (minério de ferro). No caso dos recursos energéticos, especialmente o petróleo, desde que se tornou importadora líquida no início dos anos 90, chegando a importar mais da metade de sua demanda, a China vem adotando diferentes estratégias para garantir seu abastecimento.
Apoia-se no plano diplomático e financia todos os países que podem se tornar fornecedor de petróleo, seja no Oriente Médio (Irã), na África (Sudão) ou na América do Sul. No continente africano, a presença chinesa é mais antiga e muito importante, especialmente em países que são fornecedores de petróleo, de uma ampla gama de minérios e de produtos agrícolas.
A China tem investido pesadamente na região, na construção de toda uma infraestrutura exportadora que inclui desde os complexos minero-industriais, estradas, pontes, ferrovias até os terminais portuários, com o claro objetivo de assegurar a competitividade das matérias primas a que terá acesso, em troca.
As empresas chinesas constroem e o governo chinês financia os projetos de infraestrutura, mas o ressarcimento dos financiamentos e a geração de divisas desses mega-projetos nos países africanos estão associados e vinculados à aquisição de matérias primas – recursos naturais, commodities agrícolas e minerais – por outras empresas chinesas, privadas ou estatais, que contam com o apoio do Eximbank chinês.
Este é o chamado Angola Mode (ou modo angolano) de negócios da China na África. No caso, o Eximbank chinês exerce um papel importante de coordenação entre as partes e facilita a transferência de fundos entre a empresa de serviços de engenharia e a empresa chinesa que processa e consome recursos naturais.
Na América do Sul, as empresas e a diplomacia chinesas se tornaram muito ativas nos últimos anos. Procuram estabelecer parcerias de diversas formas com atores locais dos setores de mineração (terras e metais raros, cobre, minério de ferro, potássio), de energia (petróleo) e da agropecuária. No que tange a produção de petróleo vale mencionar a participação ativa de empresas chinesas nas atividades de exploração e produção nos campos do Pré-sal.
No mesmo setor, o envolvimento mais espetacular das estatais chinesas na produção petrolífera sul-americana se dá na Venezuela (primeira reserva mundial de petróleo). No país dirigido por Hugo Chavez, a estratégia chinesa é oferecer apoio financeiro e tecnológico para dinamizar uma produção petrolífera gravemente afetada pela política conduzida pelo regime bolivariano.
As empresas estatais chinesas do setor cooperam diretamente com a petrolífera venezuelana PDVSA (Petróleos de Venezuela S/A). O governo de Pequim financia projetos sociais (de habitação), de infraestrutura e logística. Em 2009 o governo da Venezuela assinou um contrato de US$ 7,5 bilhões com a China Railway para a construção de 468 quilômetros de ferrovias que vão interligar 4 estados venezuelanos e transportar 6 milhões de passageiros por ano.
Como parte do contrato, a China Railway concordou também em participar com 40% em uma joint venture com o governo da Venezuela para a construção dos vagões a serem utilizados nesse transporte. A contrapartida dos chineses nisso tudo é a garantia de acesso ao ouro negro venezuelano. Várias estatais chinesas ganharam recentemente, o direito de explorar importantes blocos de petróleo na bacia de Orenoco, uma das maiores reservas de óleo do planeta.
No Brasil, diante das restrições a estrangeiros para aquisições ou leasing de terras, os chineses tiveram que mudar seu modelo de investimentos em agricultura. Passaram a privilegiar investimentos industriais ou financiamentos de infraestruturas e equipamentos diversos em troca do direito exclusivo de comprar a colheita.
O primeiro grande investimento chinês nesse novo modelo deverá ocorrerá no município de Barreiras, região oeste da Bahia, onde a companhia estatal chinesa Chongqing Grain pretende processar 2 milhões de toneladas de soja já na safra 2012/2013, produzida por parceiros em joint venture, em 100 mil hectares de terra.
Em uma segunda etapa Pequim poderá fornecer fertilizantes, defensivos e sementes e investir também em infraestrutura de armazenamento de parte da produção de grãos visando aumentar a produção agrícola no Estado e incrementar o comércio com a China. Nessa modalidade parte da produção seria comprada pela empresa chinesa e parte ficaria em poder do produtor que poderia comercializá-la como bem quisesse.
A instalação de uma unidade de esmagamento de grãos e refino de óleo de soja com capacidade para processar 300 mil toneladas/ano de óleo de soja também está nos planos da estatal chinesa. Outro grande projeto, nesses mesmos moldes, pode envolver US$ 7,5 bilhões em investimentos em Goiás pela companhia Hopeful Sanhe. O plano é investir em transporte e armazenamento de soja para assegurar o suprimento anual de 6 milhões de toneladas para a China, o equivalente a 80% de toda a produção de soja de Goiás, que foi de 8,2 milhões de toneladas no ciclo 2010/2011.
Com esse novo modelo a China tanto assegura contratos de longo prazo para reduzir sua vulnerabilidade no abastecimento agrícola, como se torna menos dependente das tradings e evita custos de intermediação. Resta saber se o Brasil está preparado para tirar proveito desse “ganha-ganha” já que o modelo chinês corresponde, em parte, aos anseios do País de atrair investimentos em infraestrutura e exportar produtos de maior valor agregado.
De fato, aos poucos o Brasil está sendo integrado à rede internacional que as estatais e a diplomacia chinesa estão criando para garantir a segurança alimentar da crescente classe média da segunda economia mundial. De fato, a China tem demostrado que possui uma clara estratégia de montagem de parcerias internacionais para impulsionar essa politica de segurança nacional.
A integração nessa rede representa uma oportunidade fantástica para o agro brasileiro, já que significa o acesso garantido ao pujante mercado chinês para produtos agrícolas, carnes e alimentos processados. No entanto, se o agro brasileiro se deixar “seduzir” pelas propostas chinesas de parcerias sem ter definido sua própria estratégia nacional de participação, sem ter definido até onde quer ser o parceiro da China, a integração pode criar problemas e riscos enormes.
Pode levar elos de cadeias produtivas nacionais a depender excessivamente de decisões e financiamentos externos. Pode levar setores importantes do agro nacional a perder espaço nos mercados de países terceiros para garantirem o abastecimento do mercado chinês. Pode criar problemas de escassez de produtos no mercado interno (e tensões inflacionárias) em anos de safras ruins, se o atendimento da demanda chinês for um objetivo prioritário.
Em suma, tais riscos devem ser devidamente analisados e avaliados. Frente à estratégia chinesa do “going out”, o agro brasileiro precisa definir sua própria estratégia. Para os profissionais do setor, a China se tornou um desafio tão importante quanto os desafios políticos internos. O agro deve dedicar tanta energia à definição da sua estratégia em relação à China quanto dedica ao trabalho intenso de diálogo e negociação com as próprias autoridades brasileiras.
Deveria formar e contratar especialistas em mercado chinês com a mesma energia que usa para contratar especialistas em lobbying nacional. Se não trilhar esse caminho, corre o risco de entrar na rede de abastecimento chinesa sem ter tido o tempo de se posicionar devidamente.
O jogo de Go foi criado há cerca de 5000 anos na China e é reconhecido como um jogo que exige grande capacidade estratégica. Em um tabuleiro quadriculado dois jogadores movimentam pedras de cores diferentes com o objetivo de conquistar o máximo de território, rodeando-o com suas pedras. No Brasil, ele ainda é praticado principalmente pelos integrantes da diáspora asiática e curiosos. Está na hora de os profissionais brasileiros do agro conhecerem as regras do jogo de Go e treinarem intensivamente.
O cenário vai se repetir quando se trata de comércio internacional de carnes ou de laticínios. Superado apenas pelo mercado doméstico, o mercado chinês será, daqui para frente, o principal destino dos produtos comercializados pelo agro brasileiro. Nunca um país teve que integrar ao mercado, num espaço de tempo tão reduzido, uma classe média emergente tão importante.
Entre 2000 e 2011, 170 milhões de chineses viram melhorar seus níveis de renda, o que lhes possibilitou incluir produtos lácteos e carnes em seu cardápio. As estimativas são de que até 2020 cerca de 300 milhões de chineses passem a ter acesso a esses alimentos considerados inacessíveis até bem pouco tempo.
As autoridades chinesas não se limitam a estimular a ampliação do comércio tradicional com países fornecedores de metais, combustíveis fósseis, commodities agrícolas e proteínas animais. Elas consideram como sendo de vital importância para a economia chinesa investir na implantação de bases de suprimento desses produtos em países com capacidade para fornecê-los em grande escala.
No Plano Quinquenal 2001/2005 foi definida a política nacional do “going out”, uma diretriz muito clara e bem definida de incentivo a empresas chinesas – principalmente estatais – para investirem em países estrangeiros, com o único objetivo de multiplicar cadeias de suprimento de recursos naturais e matérias-primas à economia chinesa.
Com reservas cambiais ultrapassando US$3 trilhões o governo chinês pode incentivar suas empresas a investir muito além das fronteiras do país, seja através de investimentos diretos, oferta de financiamentos de projetos de infraestrutura e logística, aquisição de ativos ou formação de joint-ventures com empresas estrangeiras dos setores de mineração, energia, combustíveis e do setor agrícola.
As fusões e aquisições também se tornaram alvo das empresas chinesas por oferecerem acesso rápido a novos mercados e tecnologias. A ideia central da estratégia do “going out” é abastecer o mercado chinês dos recursos naturais e matérias primas de que ele necessita para continuar crescendo. Trata-se de criar uma rede internacional de parcerias cuja finalidade estratégica é garantir o suprimento das cadeias industriais e agroindustriais chinesas em energia, minérios e produtos agropecuários.
Com o objetivo de fortalecer essa estratégia, a diplomacia chinesa foi completamente reorientada chegando a operar como ferramenta fundamental do “going out”. Embaixadas e consulados chineses no exterior foram instruídos a mobilizar seus departamentos comerciais para assistirem as empresas chinesas em suas incursões em ambientes até então desconhecidos para elas do ponto de vista, jurídico, ambiental e até mesmo cultural.
Foram mobilizados para preparar e implementar acordos intergovernamentais de abastecimento a longo prazo. Receberam ainda a missão de identificar projetos em países estrangeiros que visavam aumentar as capacidades locais de produção de petróleo, minérios e matérias primas agrícolas. A partir do final da última década, as autoridades chinesas passaram a oferecer financiamentos de longo prazo aos governos estrangeiros no intuito de viabilizar e acelerar tais projetos.
Quase que sistematicamente, os contratos de financiamento firmados com os países parceiros previam um reembolso através da entrega, durante vários anos, de volumes pré-definidos de commodities. No setor de minerais foi instituída a política dos 3/3: um terço dos minérios importados deve ser fornecido por joint-ventures estrangeiras que contam com a participação de capital chinês; um terço deve ser fornecido através de acordos intergovernamentais de abastecimento a longo prazo, o último terço pode ser suprido por fornecedores estrangeiros usando os mecanismos normais de comércio internacional.
Criação de uma base global de abastecimento
Segundo o Ministério do Comércio da China, até o final de 2010 mais de 13.000 firmas do país tinham estabelecido 16.000 empresas no exterior (joint-ventures, subsidiárias ou fusões e aquisições), investindo um valor líquido acumulado de US$ 317.21 bilhões em 178 países e regiões de todo o mundo entre os quais estão, o Sudeste da Ásia, Austrália, Rússia, Canadá, México, Argentina, Venezuela, inúmeros países da África, Oriente Médio e outros tantos da América Latina, inclusive o Brasil. A maioria desses investimentos têm como destino os setores de mineração, energia e agropecuária.
Na Austrália, por exemplo – maior fornecedor de carvão e segundo maior exportador de minério de ferro ao mercado chinês – os investimentos aparecem sob a forma de joint ventures ou aquisições com empresas locais de mineração (minério de ferro). No caso dos recursos energéticos, especialmente o petróleo, desde que se tornou importadora líquida no início dos anos 90, chegando a importar mais da metade de sua demanda, a China vem adotando diferentes estratégias para garantir seu abastecimento.
Apoia-se no plano diplomático e financia todos os países que podem se tornar fornecedor de petróleo, seja no Oriente Médio (Irã), na África (Sudão) ou na América do Sul. No continente africano, a presença chinesa é mais antiga e muito importante, especialmente em países que são fornecedores de petróleo, de uma ampla gama de minérios e de produtos agrícolas.
A China tem investido pesadamente na região, na construção de toda uma infraestrutura exportadora que inclui desde os complexos minero-industriais, estradas, pontes, ferrovias até os terminais portuários, com o claro objetivo de assegurar a competitividade das matérias primas a que terá acesso, em troca.
As empresas chinesas constroem e o governo chinês financia os projetos de infraestrutura, mas o ressarcimento dos financiamentos e a geração de divisas desses mega-projetos nos países africanos estão associados e vinculados à aquisição de matérias primas – recursos naturais, commodities agrícolas e minerais – por outras empresas chinesas, privadas ou estatais, que contam com o apoio do Eximbank chinês.
Este é o chamado Angola Mode (ou modo angolano) de negócios da China na África. No caso, o Eximbank chinês exerce um papel importante de coordenação entre as partes e facilita a transferência de fundos entre a empresa de serviços de engenharia e a empresa chinesa que processa e consome recursos naturais.
Na América do Sul, as empresas e a diplomacia chinesas se tornaram muito ativas nos últimos anos. Procuram estabelecer parcerias de diversas formas com atores locais dos setores de mineração (terras e metais raros, cobre, minério de ferro, potássio), de energia (petróleo) e da agropecuária. No que tange a produção de petróleo vale mencionar a participação ativa de empresas chinesas nas atividades de exploração e produção nos campos do Pré-sal.
No mesmo setor, o envolvimento mais espetacular das estatais chinesas na produção petrolífera sul-americana se dá na Venezuela (primeira reserva mundial de petróleo). No país dirigido por Hugo Chavez, a estratégia chinesa é oferecer apoio financeiro e tecnológico para dinamizar uma produção petrolífera gravemente afetada pela política conduzida pelo regime bolivariano.
As empresas estatais chinesas do setor cooperam diretamente com a petrolífera venezuelana PDVSA (Petróleos de Venezuela S/A). O governo de Pequim financia projetos sociais (de habitação), de infraestrutura e logística. Em 2009 o governo da Venezuela assinou um contrato de US$ 7,5 bilhões com a China Railway para a construção de 468 quilômetros de ferrovias que vão interligar 4 estados venezuelanos e transportar 6 milhões de passageiros por ano.
Como parte do contrato, a China Railway concordou também em participar com 40% em uma joint venture com o governo da Venezuela para a construção dos vagões a serem utilizados nesse transporte. A contrapartida dos chineses nisso tudo é a garantia de acesso ao ouro negro venezuelano. Várias estatais chinesas ganharam recentemente, o direito de explorar importantes blocos de petróleo na bacia de Orenoco, uma das maiores reservas de óleo do planeta.
No Brasil, diante das restrições a estrangeiros para aquisições ou leasing de terras, os chineses tiveram que mudar seu modelo de investimentos em agricultura. Passaram a privilegiar investimentos industriais ou financiamentos de infraestruturas e equipamentos diversos em troca do direito exclusivo de comprar a colheita.
O primeiro grande investimento chinês nesse novo modelo deverá ocorrerá no município de Barreiras, região oeste da Bahia, onde a companhia estatal chinesa Chongqing Grain pretende processar 2 milhões de toneladas de soja já na safra 2012/2013, produzida por parceiros em joint venture, em 100 mil hectares de terra.
Em uma segunda etapa Pequim poderá fornecer fertilizantes, defensivos e sementes e investir também em infraestrutura de armazenamento de parte da produção de grãos visando aumentar a produção agrícola no Estado e incrementar o comércio com a China. Nessa modalidade parte da produção seria comprada pela empresa chinesa e parte ficaria em poder do produtor que poderia comercializá-la como bem quisesse.
A instalação de uma unidade de esmagamento de grãos e refino de óleo de soja com capacidade para processar 300 mil toneladas/ano de óleo de soja também está nos planos da estatal chinesa. Outro grande projeto, nesses mesmos moldes, pode envolver US$ 7,5 bilhões em investimentos em Goiás pela companhia Hopeful Sanhe. O plano é investir em transporte e armazenamento de soja para assegurar o suprimento anual de 6 milhões de toneladas para a China, o equivalente a 80% de toda a produção de soja de Goiás, que foi de 8,2 milhões de toneladas no ciclo 2010/2011.
Com esse novo modelo a China tanto assegura contratos de longo prazo para reduzir sua vulnerabilidade no abastecimento agrícola, como se torna menos dependente das tradings e evita custos de intermediação. Resta saber se o Brasil está preparado para tirar proveito desse “ganha-ganha” já que o modelo chinês corresponde, em parte, aos anseios do País de atrair investimentos em infraestrutura e exportar produtos de maior valor agregado.
De fato, aos poucos o Brasil está sendo integrado à rede internacional que as estatais e a diplomacia chinesa estão criando para garantir a segurança alimentar da crescente classe média da segunda economia mundial. De fato, a China tem demostrado que possui uma clara estratégia de montagem de parcerias internacionais para impulsionar essa politica de segurança nacional.
A integração nessa rede representa uma oportunidade fantástica para o agro brasileiro, já que significa o acesso garantido ao pujante mercado chinês para produtos agrícolas, carnes e alimentos processados. No entanto, se o agro brasileiro se deixar “seduzir” pelas propostas chinesas de parcerias sem ter definido sua própria estratégia nacional de participação, sem ter definido até onde quer ser o parceiro da China, a integração pode criar problemas e riscos enormes.
Pode levar elos de cadeias produtivas nacionais a depender excessivamente de decisões e financiamentos externos. Pode levar setores importantes do agro nacional a perder espaço nos mercados de países terceiros para garantirem o abastecimento do mercado chinês. Pode criar problemas de escassez de produtos no mercado interno (e tensões inflacionárias) em anos de safras ruins, se o atendimento da demanda chinês for um objetivo prioritário.
Em suma, tais riscos devem ser devidamente analisados e avaliados. Frente à estratégia chinesa do “going out”, o agro brasileiro precisa definir sua própria estratégia. Para os profissionais do setor, a China se tornou um desafio tão importante quanto os desafios políticos internos. O agro deve dedicar tanta energia à definição da sua estratégia em relação à China quanto dedica ao trabalho intenso de diálogo e negociação com as próprias autoridades brasileiras.
Deveria formar e contratar especialistas em mercado chinês com a mesma energia que usa para contratar especialistas em lobbying nacional. Se não trilhar esse caminho, corre o risco de entrar na rede de abastecimento chinesa sem ter tido o tempo de se posicionar devidamente.
O jogo de Go foi criado há cerca de 5000 anos na China e é reconhecido como um jogo que exige grande capacidade estratégica. Em um tabuleiro quadriculado dois jogadores movimentam pedras de cores diferentes com o objetivo de conquistar o máximo de território, rodeando-o com suas pedras. No Brasil, ele ainda é praticado principalmente pelos integrantes da diáspora asiática e curiosos. Está na hora de os profissionais brasileiros do agro conhecerem as regras do jogo de Go e treinarem intensivamente.