CI

O lobo e a soja



IZNER HANNA GARCIA

homem-em-frente-a-uma-interrogacao-duvida | Blog Consórcio Nacional

O LOBO E O USDA

Izner Hanna Garcia

           A fábula dos Irmãos Grimm, antes contada por Esopo, trata da história de um jovem pastor que, aborrecido por estar sozinho cuidando de seus rebanhos, resolve gritar “lobo, lobo” e, assim, a aldeia corre para ajudá-lo. Os pastor repete o logro e, a cada repetição falsa, tem menos crédito. Até que um dia, quando defrontado com o lobo de verdade, grita e, ninguém mais acreditando nele, fica sozinho vendo seu rebanho ser devorado.

A Cloroquina e o Presidente que gritava lobo – Justificando

         Os relatórios do USDA vêm gritando “lobo, lobo” e, cada vez mais, menos crédito tem. A ‘insistência’ do órgão em ‘desconhecer’ as perdas sofridas na produção da América Latina são, quase, inexplicáveis quando se supões que um órgão norte americano deveria ter acesso às informações que, aliás, são públicas e notórias.

         O último relatório, trazendo a informação mais divulgada do aumento da intenção de plantio da área de soja pelos produtores norte-americanos, teve AINDA o condão de provocar baixas expressivas nos mercados de Chicago, chegando a soja a perder o patamar dos USD 16,00 / bushel e testar a casa dos USD 15,50 / bushel.

         Não obstante, os mercados abriram a segunda-feira última (dia 04/abril) já em terreno positivo e ampliaram as altas na terça-feira (dia 05).

        Assim, se não podemos mais, cegamente, somente fiarmo-nos no então sacrossanto relatório do USDA, a pergunta que fica é: o que passa no mercado dos grãos e, mais, qual a tendência no futuro a médio prazo (de abril até agosto)?

        Façamos uma análise lógica que deve envolver várias condicionantes.

        Recordemos um fato. Em março de 2021 (quase um ano atrás) um navio cargueiro encalhou no Canal de Suez. Um navio somente interrompeu o fluxo naquele importante canal. Tal, conforme foi noticiado na época, gerou um prejuízo de USD 400 milhões por hora.

Foca na notícia - NAVIO ENCALHADO NO CANAL DE SUEZ PODE IMPACTAR ATIVIDADE  INDUSTRIAL DE SC https://cutt.ly/cxMV475 | Facebook

Reportagens da época traziam à compreensão o quanto a logística perfeita pode ser frágil:

“Eu disse a um dos meus clientes que sua mercadoria estava bloqueada no Canal de Suez. Ele não acreditou”, disse no sábado à BBC o diretor de uma empresa britânica especializada em madeira. A carga em questão incluía tábuas de carvalho francês, tratadas na China e bloqueadas no caminho de volta a bordo do cargueiro “Ever Given”, que também transporta uma centena de contêineres de móveis da Ikea. A liberação do navio gigantesco na segunda-feira, após seis dias de encalhe no Canal de Suez, permitiu o retorno do tráfego nesta via marítima crucial, por onde transitam mercadorias fabricadas na Ásia e compradas na internet pelos consumidores europeus. Apesar da retomada progressiva da navegação, “isto mostra mais uma vez a fragilidade das cadeias de abastecimento, longas e complexas, e os limites do ‘just in time'” (na hora certa), ou seja a logística pensada para que as mercadorias cheguem no “dia necessário ou um dia depois”, explica à AFP Ian Goldin, professor da Universidade de Oxford. (reportagem publicada em 30/03/2021 pela Revista IstoÉ Dinheiro com o título A logística do comércio mundial em xeque por um vírus e um navio encalhado)

Bem, o fato era um, um só navio encalhado. E somente por alguns dias.

Pensemos, agora, na situação atual que nos encontramos.

As variantes, a grosso modo, são:

1.Uma perda histórica da ordem de 30 milhões de toneladas de soja na América do Sul na atual safra

2.Os estoques mundiais de grãos baixos

3.Uma demanda de grãos que não se modificou, tal seja, o consumo se mantém

4.Uma guerra que envolve 2 grandes produtores de trigo e milho

5.A mesma guerra que ocasiona a alta do custo energético mundial (petróleo e gás)

6.Ainda a mesma guerra que gera uma grave incerteza quanto ao fornecimento de fertilizantes e insumos para agricultura mundial

7.Como consequência uma alta histórica dos custos de produção para próxima safra

8.Agravamento geopolítico da guerra

A lista destas 8 variáveis dá-nos a indicação de que a situação é extremamente complexa e grave.

          Na última segunda-feira (dia 04) o presidente do JP Morgan alertou seus investidores, em comunicado interno, que há um risco sério de uma crise energética.

Cabe-nos algumas perguntas:

01.)Haverá suprimento de fertilizantes e insumos para a agricultura, seja agora na safrinha do hemisfério sul ou na safra do hemisfério norte e na safra do hemisfério sul em agosto/setembro? De outra forma: será ‘normal’ o acesso aos fertilizantes necessários que devem, majoritariamente, vir do Oriente, região conflagrada?

02.) Admitindo que sim, que as cadeias logísticas consigam superar todas dificuldades, qual o custo final que chegará, aos produtores, estes insumos? É razoável projetar que as próximas safras terão um custo muito maior?

03.) Trazendo à análise a geopolítica (e o prenúncio de novas sanções à Rússia envolvendo a produção de energia – petróleo e gás) qual será o custo do petróleo em 3 meses, custo que este que esparge-se sobre toda cadeia de custo produtiva e de transporte?

             Além destas questões, que são objetivas e prementes, há interrogações subjacentes que, embora não prementes, devem ser levadas em conta:

1.Se Europa e EUA assumirem novas sanções contra a Rússia, restringindo o comércio de petróleo e gás, qual será a reação dos preços internacionais destas matérias primas?

2.Um cenário de um barril de petróleo em patamares de USD 150,00 ou mais qual a consequência para agricultura e economia como um todo?

3.Qual o reflexo direto do custo do petróleo no custo da agricultura? E na inflação mundial? E nos preços dos fertilizantes e insumos? E nos transportes?

4.Os preços atuais das commodities agrícolas remunerarão os custos da próxima safra considerando o cenário atual?

           Além destas questões acima, ainda de maneira mais subjetiva, é de se indagar:

1.Qual o comportamento do mercado financeiro a todas estas variantes? O dólar (seja no Brasil ou no mundo) irá valorizar-se ou cair?

2.O embate Ocidente vs Oriente irá provocar uma “desdolarização” da economia mundial? Se sim qual o reflexo de tal para as commodities agrícolas?

3.A alta da inflação no EUA irá levar o FED a aumentar as taxas de juros? Se sim tal levará a uma “dragagem” dos recursos mundiais em favor dos bônus norte americanos? Se não aumentar as taxas a “sinalização” será de mais inflação em dólar e, assim, poderão os fundos e agentes financeiros tomarem as commodities como reserva de capital?

         O agricultor/produtor, por índole, é um otimista. Tem de o ser. Não poderia dedicar-se a uma atividade com tantas incertezas, sempre “olhando para o céu” se não fosse, intrinsicamente um otimista.

         Este otimismo, mesmo considerando toda eficiência e profissionalismo que hoje dirige a atividade agrícola, não deixa de contaminar a sua forma de sentir e termina por levar à tendência de se olhar somente as cotações de preços de venda.

           É fato que a soja e outros grãos estão com os preços em alta. Soja a USD 16,00 / bushel neste período do ano é, de fato, uma cotação elevada. Contudo, estes preços irão remunerar a próxima safra frente a todo aumento dos custos?

            Outra dúvida relevante: toda as áreas a serem plantadas, considerando as safras do hemisfério norte agora e do hemisfério sul no segundo semestre encontrarão fertilizantes e insumos ou o cobertor vai ficar curto?

           Se faltar, mesmo que parcialmente, fertilizantes e insumos qual será o impacto na produtividade? A expectativa de safra, de produção de ‘x’ quilos por hectare poderá ser afetada? Poderemos ver uma expansão da área plantada e uma colheita menor?

         Com os estoques em patamares baixos, como são agora e que não foram repostos pela safra latino-americana e, na conjuntura da produtividade cair em virtude de preços e falta mesmo de insumos e fertilizantes, qual o cenário para abastecimento e oferta de grãos no segundo semestre?

         Aliás, mesmo no curto prazo: frente à quebra da safra brasileira como será a queda de braçp entre a indústria nacional e o mercado importador? De agora até final de agosto, antes da safra norte americana, o cobertor (estoque) de soja é curto.

        Este fato é inegável e não é uma incerteza. Aliás, é a única certeza real.

       Mais ainda se considerarmos a quebra da safra Argentina e sua política de retenções.

      De tudo o analisado o que resta é que as interrogações, condicionantes, variáveis, situações imponderáveis abundam e formam um quadro que é quase um borrão indistinguível.

      Como, em um cenário tal, pode-se apontar senão que as cotações dos grãos tem de subir por um ou outro fator ou por uma conjugação de circunstâncias?

Izner Hanna Garcia, advogado, pós graduado FGV

https://fazendasnouruguai.com/

https://www.youtube.com/watch?v=az7mmt6zstA&list=PL3fec7DyBUADW8UjFG5dGhra0z4vhQZ8H

[email protected]

 

 

 

 

 

 

 

 

               

 

               

 

               

 

 

 

 

 

           

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.