CI

Soja com baixas emissões


Decio Luiz Gazzoni

                Embora já fosse um tema recorrente, a realização da COP26 em Glasgow ratificou a urgência de a sociedade limitar drasticamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE), uma vez que as mudanças climáticas deixaram de ser apenas alertas provenientes de estudos e modelos matemáticos, passando a ser parte do cotidiano. O ano de 2021 será lembrado na História Mundial como aquele em que “caiu a ficha”, a sociedade sofreu com múltiplos eventos climáticos catastróficos, que já vinham se tornando cada vez mais frequentes e mais intensos.

                De acordo com o Observatório do Clima, em 2019 as atividades agropecuárias no Brasil emitiram 598 Mt de GEE, sendo 232 Mt devidas à agricultura (38,8%). Com base em alguns estudos é possível dimensionar a amplitude da participação da soja nesse quantitativo. O USDA (Field to Market, ed. 2015) estima emissões de 0,143 t CO2 eq/t de soja colhida e, com base na colheita de 2021 (141 Mt), teriam sido emitidas 20,2 Mt de CO2 eq. Daniel Kemerich e colaboradores (Revista CREA, 2018) reportam emissões de 0,56 kg CO2 eq/kg soja produzida, o que significaria emissões de 79 Mt de GEE. Já de acordo com a Coppe (Carvalho, P. T., 2012), as emissões seriam de 0,315 t CO2 eq/ha, representando 11,34 Mt de GEE. Verifica-se, assim, a dificuldade de calcular as emissões relativas ao cultivo da soja, que variariam entre 1,9 e 13% das emissões da agropecuária.

                Claro está que todos devemos nos incorporar no esforço por um mundo melhor, reduzindo as emissões de GEE. E a cadeia produtiva de soja não pode furtar-se de tornar os sistemas de produção progressivamente mais sustentáveis. Um trabalho pioneiro, denominado PSA (Programa de Serviços Ambientais) Soja Brasil, está sendo desenvolvido pela Sumitomo, em parceria com a TFA (uma plataforma do Fórum Econômico Mundial). Um projeto piloto testa a metodologia de precificação para o Pagamento por Serviços Ambientais em áreas de cultivo de soja. Na mesma linha, o CESB também está desenvolvendo métricas de pagamento de Serviços Ambientais na cultura da soja, em parceria com a TFA e a Ecofix.

                Nesse contexto, a Embrapa Soja está desenvolvendo o Programa Soja Baixo Carbono (SBC), para valorizar práticas agrícolas sustentáveis por meio de pesquisa e criação de parâmetros de produção. Logicamente, o objetivo primordial será reduzir ainda mais a emissão de GEE no cultivo da soja.

 

Aumentando a sustentabilidade

                Temos que considerar que as emissões começam a ser computadas na etapa de produção de insumos, máquinas e implementos, prosseguindo com as tecnologias utilizadas pelo produtor, finalizando nas etapas de transporte, processamento, armazenagem, distribuição e consumo. É a análise do ciclo de vida completo que nos confere a dimensão das emissões de GEE associadas a um determinado segmento ou cadeia produtiva.

                Excluindo-se a mudança do uso da terra, há três grandes maneiras de reduzir as emissões de GEE em uma cadeia produtiva: com tecnologias adequadas, logística otimizada e consumo consciente.

                Do ponto de vista da tecnologia, o exemplo mais emblemático é a fixação biológica de nitrogênio (FBN). Sua adoção evita o uso de, aproximadamente, 930 kg/ha de ureia anualmente, sendo a produção de fertilizantes nitrogenados uma das principais fontes de emissão de GEE. A Embrapa estima que a FBN evitou a emissão de 208 Mt CO2 eq na safra passada. Sem o uso da FBN as emissões do cultivo da soja seriam superiores às emissões totais calculadas para a agricultura brasileira!

                A maioria dos insumos (fertilizantes, pesticidas) apresenta altas emissões na fase de produção. Para reduzi-las devemos observar rigorosamente as recomendações técnicas e aumentar a utilização de bioinsumos. Em especial devemos atentar para a estrita observância do Programa de Manejo de Pragas (insetos, microrganismos, nematoides ou plantas invasoras), bem como a análise do solo e o uso adequado de corretivos e fertilizantes.

                Tecnologias como o Sistema de Plantio Direto (SPD) e a Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) contribuem para redução das emissões. O SPD vem sendo utilizado desde a década de 1970, atingindo, atualmente, mais de 90% das lavouras de soja. Melhor cobertura de solo e rotação de cultivos podem aprimorá-lo. O ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), ainda em estágio inicial, deverá angariar cada vez mais adeptos, aumentando a sustentabilidade e reduzindo as emissões nos sistemas em que a soja está inserida.

                Máquinas e implementos são fontes de emissões em sua cadeia produtiva. E, seu uso na lavoura, significa consumo de óleo diesel, aumentando as emissões. O correto dimensionamento do parque de máquinas, a programação correta – associada ao uso de pesticidas e fertilizantes conforme recomendado – contribuirá para reduzir as emissões na cultura da soja.

                Embora a soja seja considerada autopolinizável, estudos realizados pela Embrapa mostraram que a sua produtividade pode crescer, em média, 12% com polinização suplementar por abelhas, sem necessidade de uso de mais insumos. Além de aumentar a margem do produtor, significa em torno de 10% de redução nas emissões de GEE por unidade de soja produzida.

                Finalmente é fundamental que os entes governamentais atentem para a necessidade de modais logísticos de baixo custo e baixas emissões, em especial hidro e ferroviários, além da melhoria no acesso e operação de portos. E que a ponta final do sistema, a distribuição ao varejo e o consumo sejam cada vez mais eficientes, reduzindo desperdícios e evitando emissões.

                A legislação de Pagamento de Serviços Ambientais dará um impulso maior à sustentabilidade, auxiliando a plasmar sistemas que comporão o conceito de Soja Baixo Carbono, assim como o fará a implantação do Plano ABC+. Em resumo, já temos um sistema de produção de soja no Brasil considerado sustentável, mas é possível melhorá-lo sempre mais.

 

O autor é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro fundador do CCAS e do CESB.

Este artigo foi publicado originalmente na edição de janeiro de 2022 da revista Cultivar.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.