
Para bem compreender o que efetivamente o legislador pretendeu proibir, necessário se faz delimitar o conceito da expressão tecnologia de restrição do uso que trata a Lei 11.105/05. Outro conceito cuja clareza é de fundamental relevância para a interpretação do dispositivo legal em análise, é o de estrutura reprodutiva de plantas, somente com a definição clara dos conceitos das expressões citadas, o hermeneuta poderá realizar um estudo conclusivo a respeito do âmbito de aplicação da norma.
As Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso ou GURTs (sigla em inglês para Genetic use restriction technologies), são identificadas pelas siglas V-GURTs (Variety genetic use restriction technologies) ou TPS (Technology protection system), e T-GURT. (Traid variety genetic use restriction technologies).
A tecnologia V-GURT, também conhecida como Sistema de Proteção de Tecnologia - TPS, cuja letra V que antecede a sigla GURT surge da abreviação da palavra variety (variedade), é utilizada para desenvolver plantas cujas sementes da 2ª geração são estéreis.
Já a tecnologia T-GURT ou switch technologies (tecnologias de interruptor), cuja letra T vem da abreviação da palavra traits (traços), diferente da tecnologia V-GURT, a semente da planta pode até permanecer viável, mas um ou mais genes que regulam uma determinada expressão são desativados e só são reativados mediante aplicação de determinado produto químico. Esta característica ou expressão pode estar ou não ligada à capacidade de germinação da semente de 2ª geração. Nesse caso, quando a modificação genética não estiver ligada à fertilidade da semente, o agricultor não terá problema em usar grãos guardados de uma safra para o plantio da seguinte. Apenas não terá o benefício da característica introduzida pela modificação genética, que só seria ativada com o uso de determinada substância química.
Assim, no caso da Lei 11.105/05, se considerarmos que dentro do conceito de estrutura reprodutiva de planta encontra a semente, pode-se afirmar que a tecnologia V-GURT e a tecnologia T-GURT, quando a modificação genética puder impedir a fertilidade da semente, correspondem ao objeto da proibição prevista no artigo 6º caput, inciso VII, e seu parágrafo único. Já no caso onde a tecnologia T-GURT não interferir na fertilidade da planta, estará fora do âmbito de aplicação da norma.
Contudo, a conclusão acima não é suficiente para dirimir as dúvidas relacionadas ao âmbito de aplicação do dispositivo legal em análise. Por exemplo: modificar uma planta para que não produza flor seria uma ação de produzir estrutura reprodutiva estéril? Desenvolver e utilizar cana-de-açúcar geneticamente modificada para não florescer, que é uma planta que tem seu plantio realizado por meio de toletes e não por sementes, seria permitido? Desenvolver e utilizar eucalipto geneticamente modificado para não florir, uma vez que pode se reproduzir por meio de clonagem, seria permitido? Caso a resposta formulada na primeira pergunta seja negativa, poder-se-ia até concluir que a proibição não se aplicaria, visto que a planta em questão não teria uma estrutura reprodutiva estéril. Neste caso, a planta simplesmente não teria uma estrutura reprodutiva. Todavia, caso a modificação que impeça a planta de enflorar não o fizer de forma absoluta e permitir o surgimento de alguma flor estéril, a atividade já estaria no campo da ilegalidade.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.964/2005, que modifica o artigo 6º da Lei 11.105/05, e propõe regulamentação menos dogmática a respeito do uso da tecnologia de restrição de uso.
Todavia, dependendo do campo de abrangência do conceito de estrutura reprodutiva de planta, a modificação da norma pode chegar tarde para determinados projetos de pesquisas que estão na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio para análise. Projetos que, em sua maioria, tratam de pesquisas para desenvolver plantas sem capacidade para florescimento.
O artigo 6º, inciso VII, da Lei 11.105/05, impede a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso. Analisando os verbos e a disposição dos mesmos no texto do inciso VII do artigo 6º, resta claro que caso o legislador pretendesse permitir pesquisa utilizando essa tecnolgia, teria redigido o inciso de forma diferente, ou seja, teria afirmado ser proibido a utilização comercial da tecnologia e não a utilização e a comercialização como fez.
Dessa forma, caso a produção de planta que não possua capacidade para florescer, seja considerada uma atividade de criação de estruturas reprodutivas estéreis, a CTNBio não poderá aprovar os projetos de pesquisa.
Porém, mesmo considerando viável a aprovação de pesquisa e comercialização de plantas desenvolvidas para não florescerem, a proibição do uso dessas tecnologias continuará atingindo frontalmente a administração da biossegurança na agricultura molecular, principalmente para plantas biofábricas, modificadas por meio de transformação nuclear ou transformação de plasto, que depende da estrutura reprodutiva para a expressão da proteína desejada. Por exemplo, aquela desenvolvida para expressar a proteína de interesse na semente, seja por constituir um ambiente seguro frente à degradação ou para facilitar o uso, como nos casos das vacinas comestíveis ou alimentos funcionais.
Para estes casos, o uso da tecnologia de restrição de uso representa uma poderosa medida de biossegurança, pois resolve uma das maiores preocupações, que é a mistura dessas sementes geneticamente modificadas com as sementes convencionais. Sem o uso dessa tecnologia, uma semente modificada que for misturada com as convencionais, poderá replicar, o que não ocorreria com a semente estéril.
Considerando o que até aqui foi argumentado, resta claro que o dispositivo da Lei 11.105/05 que regulamenta a matéria, pelo fato de ter sido introduzido de última hora ao texto legal pelo relator do projeto no Senado Federal, não disciplinou a matéria de forma inteligente e, para evitar que ação judicial contestando determinada forma de interpretação e aplicação do dispositivo seja iniciada ou que a biotecnologia no Brasil seja prejudicada de forma desnecessária, deve ser modificado com urgência.
Brasília, 10 de maio de 2006.
Reginaldo Minaré
Advogado e Diretor Jurídico da ANBio