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STF manda desapropriar terras por desmatamento ilegal



Leandro Marmo

STF manda desapropriar terras devastadas por incêndios criminosos e desmatamento ilegal

 

Em recente decisão proferida no âmbito da ADPF 743, o Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Flávio Dino, autorizou a desapropriação de propriedades rurais envolvidas em desmatamento ilegal ou incêndios florestais, mesmo que em pequena proporção, desde que se entenda que houve responsabilidade do proprietário. Trata-se de um marco polêmico na jurisprudência ambiental brasileira, que, embora disfarçado de avanço, acarreta grave insegurança jurídica e viola princípios basilares do ordenamento jurídico nacional.

De acordo com o sistema normativo vigente, caso fique comprovada a responsabilidade do proprietário por degradações ambientais como o desmatamento ou a ocorrência de incêndios em sua propriedade rural, já existem mecanismos legais suficientemente robustos para puni-lo e para assegurar a reparação ambiental. Entre as medidas previstas estão sanções administrativas, como multas, embargos de atividades e cassação de licenças; sanções penais, previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998); e sanções civis, como a obrigação de reparar o dano mediante reflorestamento ou outras formas de compensação ambiental.

Essas sanções são adequadas e proporcionais ao dano ambiental, pois permitem punir o infrator e restaurar o equilíbrio ecológico sem comprometer de forma extrema o direito de propriedade. A inclusão da desapropriação como nova penalidade, conforme decidiu o STF, excede os limites do razoável. Imagine-se, por exemplo, uma propriedade de mil hectares na qual ocorra um incêndio criminoso em uma área ínfima de dois ou três hectares. Mesmo que o proprietário não tenha sido responsável direto ou que sua culpa seja apenas presumida, ele poderá ser privado de toda a sua propriedade. 

Não por acaso, o ordenamento jurídico brasileiro veda, inclusive no campo penal, penas cruéis e desumanas — como a pena de morte — exatamente porque entende que sanções devem respeitar a proporcionalidade entre a infração cometida e a punição aplicada. Se no direito penal, onde estão em jogo valores fundamentais como a vida e a liberdade, impõe-se a observância do princípio da proporcionalidade, com muito mais razão isso deve ocorrer no direito ambiental, onde o interesse coletivo deve ser equilibrado com o respeito aos direitos fundamentais dos proprietários.

A decisão do STF ainda ignora que o Brasil dispõe de instrumentos suficientes para reprimir e reparar os danos ambientais sem necessidade de recorrer à expropriação. A aplicação de multas ambientais, o embargo da área afetada, a exigência de planos de recuperação de áreas degradadas (PRADs) e a responsabilização civil e criminal já são práticas consolidadas e eficazes. A desapropriação se mostra, portanto, uma punição excessiva, que desconsidera o princípio da razoabilidade e ameaça diretamente a atividade rural.

Além disso, tal decisão pode abrir precedentes perigosos para a responsabilização objetiva do proprietário em casos de culpa presumida ou por atos de terceiros, como incêndios criminosos causados por invasores ou vizinhos,  sem a devida comprovação de dolo ou culpa. Isso fere frontalmente o princípio do devido processo legal e ameaça a própria essência do direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XXII.

É preciso reconhecer que a função social da propriedade deve incluir, sim, a preservação ambiental. No entanto, não se pode permitir que o cumprimento desse dever seja imposto mediante medidas de força que destroem a confiança nas instituições e comprometem a segurança jurídica no campo. A decisão do STF, da forma como foi construída, erra ao ignorar os instrumentos já existentes e ao impor uma sanção de natureza expropriatória que, na prática, funciona como uma pena de morte patrimonial.

Por fim, cabe alertar para os efeitos práticos dessa decisão sobre o setor agropecuário nacional. Produtores rurais de boa-fé,  que já enfrentam instabilidades econômicas, insegurança fundiária, burocracias ambientais e ameaças externas, veem-se agora expostos a mais um risco jurídico imprevisível: a perda de sua terra, seu patrimônio e sua história.  É preciso repensar urgentemente os limites dessa decisão, sob pena de transformar a proteção ambiental, legítima e necessária, em instrumento de arbitrariedade estatal e de violação de direitos constitucionais fundamentais.

 

Autor: Advogado especialista em Direito do Agronegócio, professor da pós-graduação de Direito do Agronegócio da PUC-PR, autor de obras jurídicas e CEO do João Domingos Advogados.

 

 

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