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Agricultura e mudanças climáticas


Decio Luiz Gazzoni


Décio Luiz Gazzoni e Alexandre Lima Nepomuceno

      As mudanças climáticas chegaram para ficar. Observaremos cada vez mais eventos climáticos extremos, com maior frequência, duração e intensidade. Em particular, excesso e falta de chuvas (disponibilidade hídrica) serão fatores cruciais para manter a segurança alimentar da população mundial. A qual continuará crescendo, com renda per capita mais elevada, portanto com maior consumo e maiores exigências.
      Diversas técnicas agronômicas deverão ser melhoradas e empregadas para garantir o abastecimento de produtos agrícolas em um cenário de mudanças climáticas. Neste artigo discutiremos a regulamentação de técnicas de edição de genoma, no Brasil denominadas Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), derivada da expressão inglesa New Breeding Technologies (NBT).

Análise de risco
    A avaliação de risco é importante para garantir a segurança dos alimentos, desde que lastreada em informações científicas inequívocas. O risco de um alimento nunca é zero, sempre haverá um risco, contido em uma amplitude aceita pela sociedade, transcrita nos regulamentos. A discussão sobre TIMPs é potencializada com a necessidade de adaptar a agricultura a um ambiente de profundas mudanças climáticas. Países grandes produtores de grãos (Brasil, Argentina, EUA, Canadá entre outros), estabeleceram legislaçoes nas quais, quando não há introdução de DNA de outra espécie, a planta com genoma editado poderá ser considerada não transgênica.
    Vamos partir de um princípio socialmente aceitável: Se o risco de um novo produtos for igual ou menor que seus similares já existentes no mercado, ele deve ser aprovado para consumo. Do ponto de vista científico, o princípio se baseia na chamada equivalência substancial.
    Com o avanço das TIMPs é possível remover um gene, silenciá-lo ou alterá-lo para que não seja expresso, ou que sua expressão ocorra em níveis maiores ou menores. Qual o risco envolvido nessa ação? Tracemos um paralelo com o que ocorre na Natureza. Estima-se que o genoma da soja contenha 55 mil genes. As taxas de mutação natural de seres vivos variam de 1:100.000 a 1:1.000.000. Assim, a partir da segunda geração poderíamos ter uma mutação no genoma da soja, potencializada pelo fato de a soja ser cultivada em mais de 100 Mha no mundo. Logo, as mutações naturais no genoma da soja seriam em número muito maior do que aquelas introduzidas por cientistas, sob absoluto e estrito controle, e com um objetivo e um alcance restritos.

Riscos e regulamentos
    É impossível regular as taxas e os novos caracteres advenientes de mutações naturais. Na natureza, se a mutação for benéfica será transmitida e fixada na descendência. Se, além de beneficar a soja, também for benéfica para a espécie humana, nós, os humanos, nos incumbiremos de fixar e e ampliar a sua ocorrência.
    Aí vem a questão: se é impossível regular uma mutação natural, totalmente aleatória, quão severa deve ser a regulação de mudanças em genes, promovidas por TIMPs, altamente direcionadas e controladas? Estudos já demonstraram a enorme dificuldade para distinguir uma mutação feita por CRISPRs de uma mutação natural. A polêmica se potencializa porque o processo regulatório costuma ser muito caro e demorado. E os consumidores pagarão pelo custo e pelo atraso e, no caso das mudanças climáticas, estamos correndo contra o tempo.

TIMPs e mudanças climáticas
    Existem plantas (e animais) com adaptação a todas as condições climáticas existentes no planeta, tolerantes à seca, salinidade e encharcamento do solo. Plantas (cultivadas ou não), submetidas à pressão de seleção de eventos climáticos adversos, vão fixar mutações naturais que lhes confiram capacidade de adaptação. Só que isto pode demorar décadas ou séculos.
    Então, por que não acelerar o processo, com o uso de TIMPs? Será que alterar, de forma controlada, dois ou três genes – para tolerar estresse hídrico - entre milhares de genes de uma planta, é uma mudança que implica em elevado risco de consumo do produto obtido?
    Nos regulamentos dos países anteriormente citados, sSe a tolerância à seca já existir em uma determinada espécie, e essa característica for potencializada com o uso de TIMPs, o produto obtido poderá não exigir regulamentação adicional. Os regulamentos precisam ser apropriados ao risco, e aplicados quando houver uma mudança genômica significativa.
    A União Européia tem pautado a segurança da produção e do consumo de alimentos pelo príncipio da precaução. O medo e a incerteza dos produtos obtidos por meio de TIMPs permeiam o seu processo regulatório, emulando o que já ocorre com biotecnologia ou com pesticidas. A Europa sempre foi um grande polo científico e de inovação. A manutenção desta abordagem, em face da premência de soluções para mudanças climáticas, deslocará o eixo inovativo para fora do continente, bem como a produção de alimentos na Europa perderá competitividade conforme o ambiente produtivo se tornar mais inóspito.

Futuro
    É difícil traçar um cenário da evolução das mudanças climáticas no longo prazo a respeito, e como serão as respostas da Natureza e da Ciência, para que os cultivos a elas se adaptem.
    A nós parece que não é aconselhável apostar nas mutações naturais para garantir a oferta em um cenário de demanda por alimentos cada vez maior. A solução que se nos afigura mais apropriada é uma tríade composta por: a) portentosos investimentos em C&T para encontrar as melhores soluções para adaptação da agricultura às mudanças climáticas; b) sistemas regulatórios equilibrados e harmonizados, de maneira a garantir a segurança dos alimentos, sem impor custos e prazos desnecessários; c) rápida e abrangente adoção das inovações por parte dos agricultores, para garantir a oferta de alimentos a todos os consumidores.

Os autores são Engenheiros Agrônomos, pesquisadores da Embrapa Soja.
Este artigo foi publicado originalmente na edição de fevereiro da revista Cultivar
 

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