A descoberta da raça Zebu e os avanços na pecuária
Tecnologia abre caminhos para a genética e a seleção dos melhores animais
Tecnologia abre caminhos para a genética e a seleção dos melhores animais
O nascimento de um bezerro se repete milhões de vezes por ano no Brasil, mas cada um é um acontecimento único.
Em um curral na cidade de Serrana, interior de São Paulo, uma vaca teve dificuldades para parir, e os funcionários da fazenda precisaram ajudar, fizeram massagem e finalmente, o bezerrinho conseguiu respirar.
Depois do parto de emergência, a vaca é solta para que ela mesma termine o serviço que os vaqueiros começaram. Com as lambidas da mãe, o recém-nascido encontra o rumo da vida.
O Brasil tem o maior rebanho bovino comercial do mundo, são 200 milhões de cabeças.
A presença do boi é tão natural na paisagem brasileira que parece que ele sempre esteve aqui, mas não é bem assim. Até a chegada dos portugueses, os índios brasileiros nunca tinham visto um boi.
O curador do Museu Nacional do Zebu em Uberaba, Minas Gerais, Professor Hugo Prata, explica que os primeiros animais entraram no país em 1548 e a maioria da raça portuguesa Alentejano.
Mas o boi português não era suficiente para a grandeza que o futuro planejava para a pecuária no Brasil.
"Eles não se adaptaram bem ao nosso clima, logo definharam, a fertilidade diminuía e eles não tinham resistência aos nossos parasitas. Com o excesso de calor, eles não se alimentavam e não saiam da sombra, principalmente os touros, então o touro não procurando a vaca, até a fertilidade do rebanho diminuía", conta Prata.
Era preciso inovar, descobrir uma raça diferente. A primeira importação de Zebu foi feita por Theófilo de Godoy, em 1893. A viagem de navio da Índia até aqui demorou um ano.
A aceitação da nova raça também foi lenta e custosa. O selvagem da Índia enfrentou barreiras burocráticas e preconceitos durante décadas.
Existia uma espécie de sabotagem para a entrada do gado Nelore no Brasil. "Os grandes criadores, principalmente de São Paulo, que era o estado que mandava no Brasil naquela época, criavam Caracu e outra raças, e achavam o Zebu um animal grosseiro, muito precoce, de baixa velocidade de crescimento", conta Prata.
A grande autoridade naquela época era o Pereira Barreto, e ele fez declarações violentas contra o Zebu, dizia que quem criasse o gado precisaria de um matadouro perto para aproveitar os ossos para fazer pentes, botões. "No fim da vida ele reconheceu esse erro dele", diz Prata.
O pecuarista Tonico Carvalho conhece a história de perto, fez parte dela. Na Fazenda Brumado, em Barretos, interior de São Paulo, ele guarda pequenos tesouros das importações comandadas pelo pai, o pioneiro, Rubico Carvalho.
Fotos, documentos e o mapa que os pioneiros levavam para a Índia.
"Tinha tudo para dar errado, mas deu tão certo que nós não sofremos influência de colonização européia, nós fizemos a maior pecuária do mundo com boi indiano e capim africano", conta Tonico.
E tudo isso com tecnologia e ciência genuinamente brasileira. No país o estudo dos genes bovinos nasceu antes da genética humana. Em 1967 a USP de Ribeirão Preto desenvolveu o boi de proveta.
O presidente da Associação Nacional dos Criadores e Pesquisadores, Raysildo Barbosa Lobo, conta que quando começou, na década de 70, os cientistas davam palestras de melhoramento genético, uma coisa que ninguém tinha o menor interesse na época.
Mas logo isso mudou. O pesquisador aprendeu a olhar o boi pelo microscópio e enxergar códigos da saúde: "O grande instrumento de melhoramento genético é a inseminação artificial, porque ele permite que touros geneticamente superiores deixem milhares de descendentes".
Hoje os laboratórios controlam o pulso da vida, decidem quando o sêmen deve dormir e qual a hora do novo despertar. O veterinário Pedro Henrique de Oliveira explica que o sêmen chega identificado com o nome do animal, aí é feita a medida de volume e a concentração para posteriormente fazer o congelamento: "O congelamento parte de quatro graus positivo a menos 140, e depois a gente joga nitrogênio e vai para menos 196 graus".
Tudo isso está no campo, o benefício do conhecimento desfila na fazenda do Seu Cláudio Sabino, em Minas Gerais. A boiada de Guzerá da fazenda encanta qualquer um que goste de bicho bem tratado.
"Eu lutei muito para fazer um gado perfeito, de carcaça diferente, pelagem mais uniforme, e eu consegui. Acho que ainda falta muito, porque nós estamos engatinhando na seleção do Zebu, muito se fez, mas ainda falta muito para chegar num animal ideal de produção de carne", fala Sabino.
Aos 65 anos, o homem que só dormia na cidade quando precisava ir ao médico, fala de gado com a propriedade de quem nasceu no pasto e financiou tecnologia: "O futuro da pecuária é a genética, seleção e melhoramento, tanto com o olho como com o microscópio".