A mandioca e suas 600 utilidades
Das 98 espécies do gênero, somente uma delas, que ocorre no Brasil, foi domesticada e é cultivada pelo homem. No Acre, a mandioca encontra grande importância alimentar e econômica
Das 98 espécies do gênero, somente uma delas, que ocorre no Brasil, foi domesticada e é cultivada pelo homem. No Acre, a mandioca encontra grande importância alimentar e econômica - e ambas podem ser evoluídas através da pesquisa e da organização das comunidades produtoras.
O governo do Acre, por meio da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), ampliou o programa de atendimento aos produtores de farinha, principal subproduto da mandioca, incentivando-os a embalar a mercadoria. Para isso, a Seaprof estabeleceu como foco a região de Rio Branco, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, os maiores pólos de produção no Estado.
"Na região do Juruá, o produtor recebe hoje pelo saco de farinha de 50 quilos entre R$ 37 e R$ 42. Embalando-a em sacos de um quilo, receberá, levando-se em conta a mesma saca de 50 quilos, R$ 102", disse Nilton Cosson, titular da Seaprof. Para começar, é necessário organizar as comunidades em cooperativas e prepará-las para a classificação correta da farinha.
Com a tecnologia de DNA, cuja descrição envolveu pesquisadores norte-americanos, estabeleceu-se que a mandioca cultivada é derivada de uma única espécie que seria o seu ancestral, denominada Manihot esculenta, da variedade flabellifolia. Durante uma viagem de coleta de plantas na Amazônia, o pesquisador Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, conheceu uma variedade de mandioca que em vez de amido tem grande quantidade de açúcares na raiz.
Esses açúcares são, em sua maior parte, glicose, que é o substrato utilizado no processo de fermentação para a produção do etanol. A variedade descoberta pelo pesquisador é na realidade uma mutação genética, guardada e usada pelos índios brasileiros antes mesmo de os portugueses chegarem ao Brasil, para obtenção de bebida alcoólica. "Eles usavam a bebida, chamada caxirim, nas cerimônias religiosas e nas celebrações", disse o pesquisador em entrevista a agências nacionais.
A planta mutante, após um processo tradicional de seleção de variedades e cruzamento com plantas adaptadas a algumas regiões escolhidas para futuros plantios, resultou em uma variedade que dispensa o processo de hidrólise do amido da mandioca para transformação em açúcar e conversão em álcoois, inclusive o carburante para o combustível. "A eliminação da hidrólise do amido reduz em torno de 30% o consumo de energia no processo de produção de etanol de mandioca", diz Carvalho.
Da variedade, chamada de mandioca açucarada, a raiz é colhida, moída e prensada, e o caldo sai pronto para ser usado no processo de produção do álcool, o que a diferencia das outras matérias-primas utilizadas com a mesma finalidade. A produção de álcool a partir da mandioca está sendo estudada em São Paulo no curso de doutorado de Dione Salla, técnico da Seaprof.
A perspectiva inicial do governo do Estado, no entanto, é ampliar o ganho do produtor a partir da embalagem da mandioca e a produção de fécula para adicionar ao trigo na formulação do pãozinho de cinqüenta gramas. "O álcool da mandioca é fino e pode ser utilizado para perfumes, por exemplo", informa Siviero.
Produdividade e receita líquida em sistemas de produção de mandioca no Acre.
Sistema de Produção Atual Baixa tecnologia Média tecnologia Alta tecnologia
Produtividade (t/ha) 18 24 35 45
Receita Líquda (/ha) R$105,00 R$273,00 R$385,00 R$480,00
Fonte: Embrapa
No caso da produção de etanol, os resultados de três anos de experimentos apontaram uma produção que variou de 8 a 60 toneladas de raiz por hectare, dependendo da variedade plantada. A que teve melhor desempenho foi utilizada para cruzamentos de autopolinização e cruzamentos convencionais com variedades locais, para transferir a característica de elevada quantidade de glicose para as plantas adaptadas em diferentes regiões.
"A mandioca é um dos grandes legados indígenas para o mundo moderno", disse a agências nacionais a pesquisadora Teresa Losada Valle, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Hoje, acredita-se na possibilidade de se desenvolver mais de 600 produtos à base de mandioca.
A adição da fécula ao trigo é uma luta que está sendo encampada por parlamentares acreanos. O senador Sibá Machado (PT) é um dos entusiastas e quer retomar o debate acerca do projeto de lei do deputado Aldo Rebelo, que prevê a adição de 10% da fécula de mandioca à farinha de trigo.
Pesquisadores e gestores concordam que o negócio da mandioca e seus derivados ainda é financeiramente negativo para os agricultores. A embalagem na farinheira e o uso da fécula no pãozinho são, nesse contexto, agregadores de valor. A vantagem é que há uma cadeia produtiva estabelecida - pequena, ainda, porém existente - e está na base alimentar do acreano. E é um dos poucos que estão na pauta de exportação do Acre.
Uma das características mais marcantes da mandioca é a capacidade de produção, mesmo em condições adversas. "Em solos pobres, com baixo nível de adubação, onde outras culturas são inviáveis ou de alto risco, a planta tem um desempenho bastante satisfatório", explica a pesquisadora.
Esse comportamento é explicado pela eficiente associação de fungos com raízes da mandioca, conhecida como micorrizas, e pela associação com outros microorganismos fixadores de nitrogênio. A planta também é resistente à falta de chuvas tanto no plantio como durante o período produtivo.
No artigo "30 anos de pesquisa com mandioca no Acre", Siviero cita estudos que afirmam que o Acre apresenta apenas 27% de solos inaptos ao cultivo da mandioca, situados, notadamente, no Vale do Rio Juruá. A principal limitação é de ordem química, que pode ser solucionada com uso de corretivos, adubação mineral e emprego de leguminosas (adubação verde).
"Entre os fatores críticos que afetam a cadeia produtiva da mandioca no Acre se destacam o cultivo em regime de consórcio com outras espécies produtoras de grãos como o milho em áreas recém-abertas de floresta dentro do sistema de derruba e queima; e a não realização de tratos culturais, como adubações, capinas e controle de pragas.
O processamento da farinha é a etapa mais importante da cadeia produtiva, representando 70% das atividades e despesas operacionais. Estima-se que somente na região de Cruzeiro do Sul existam, aproximadamente, três mil casas de farinha em operação, beneficiando milhares de famílias", diz o artigo de Siviero.
O consumo de mandioca no Acre é o maior da Amazônia, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): a aquisição anual per capita chega a 16,6 quilos, enquanto no segundo colocado, Rondônia, o consumo não passa de 7,9 quilos/ano per capita.
O consumo da farinha, apesar de alto, está em quarto lugar entre os Estados da Região Norte. Ou seja: o acreano prefere saborear o produto cozido. De olho nessa preferência, a Embrapa desenvolveu as variedades "colonial" e "caipora", as quais não levam mais que 22 minutos no fogo para estar suculentas e prontas para degustação.