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A mandioca e suas 600 utilidades

Das 98 espécies do gênero, somente uma delas, que ocorre no Brasil, foi domesticada e é cultivada pelo homem. No Acre, a mandioca encontra grande importância alimentar e econômica


Parece não haver mais dúvida: evidências obtidas em testes de DNA e estudos arqueológicos apontam a origem e a domesticação da mandioca (Manihot esculenta) em uma região que compreende Acre, Rondônia, Mato Grosso e Bolívia há cerca de 10 mil a 12 mil anos. "A história da agricultura do mundo pode ter começado com a mandioca", sustenta o cientista Amauri Siviero, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Acre, autor do artigo inédito "30 anos de pesquisa com mandioca no Acre".


Das 98 espécies do gênero, somente uma delas, que ocorre no Brasil, foi domesticada e é cultivada pelo homem. No Acre, a mandioca encontra grande importância alimentar e econômica - e ambas podem ser evoluídas através da pesquisa e da organização das comunidades produtoras.

O governo do Acre, por meio da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), ampliou o programa de atendimento aos produtores de farinha, principal subproduto da mandioca, incentivando-os a embalar a mercadoria. Para isso, a Seaprof estabeleceu como foco a região de Rio Branco, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, os maiores pólos de produção no Estado.

"Na região do Juruá, o produtor recebe hoje pelo saco de farinha de 50 quilos entre R$ 37 e R$ 42. Embalando-a em sacos de um quilo, receberá, levando-se em conta a mesma saca de 50 quilos, R$ 102", disse Nilton Cosson, titular da Seaprof. Para começar, é necessário organizar as comunidades em cooperativas e prepará-las para a classificação correta da farinha.

Com a tecnologia de DNA, cuja descrição envolveu pesquisadores norte-americanos, estabeleceu-se que a mandioca cultivada é derivada de uma única espécie que seria o seu ancestral, denominada Manihot esculenta, da variedade flabellifolia. Durante uma viagem de coleta de plantas na Amazônia, o pesquisador Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, conheceu uma variedade de mandioca que em vez de amido tem grande quantidade de açúcares na raiz.

Esses açúcares são, em sua maior parte, glicose, que é o substrato utilizado no processo de fermentação para a produção do etanol. A variedade descoberta pelo pesquisador é na realidade uma mutação genética, guardada e usada pelos índios brasileiros antes mesmo de os portugueses chegarem ao Brasil, para obtenção de bebida alcoólica. "Eles usavam a bebida, chamada caxirim, nas cerimônias religiosas e nas celebrações", disse o pesquisador em entrevista a agências nacionais.

A planta mutante, após um processo tradicional de seleção de variedades e cruzamento com plantas adaptadas a algumas regiões escolhidas para futuros plantios, resultou em uma variedade que dispensa o processo de hidrólise do amido da mandioca para transformação em açúcar e conversão em álcoois, inclusive o carburante para o combustível. "A eliminação da hidrólise do amido reduz em torno de 30% o consumo de energia no processo de produção de etanol de mandioca", diz Carvalho.

Da variedade, chamada de mandioca açucarada, a raiz é colhida, moída e prensada, e o caldo sai pronto para ser usado no processo de produção do álcool, o que a diferencia das outras matérias-primas utilizadas com a mesma finalidade. A produção de álcool a partir da mandioca está sendo estudada em São Paulo no curso de doutorado de Dione Salla, técnico da Seaprof.


A perspectiva inicial do governo do Estado, no entanto, é ampliar o ganho do produtor a partir da embalagem da mandioca e a produção de fécula para adicionar ao trigo na formulação do pãozinho de cinqüenta gramas. "O álcool da mandioca é fino e pode ser utilizado para perfumes, por exemplo", informa Siviero.


Produdividade e receita líquida em sistemas de produção de mandioca no Acre.
Sistema de Produção Atual Baixa tecnologia Média tecnologia Alta tecnologia
Produtividade (t/ha) 18 24 35 45
Receita Líquda (/ha) R$105,00 R$273,00 R$385,00 R$480,00


Fonte: Embrapa

No caso da produção de etanol, os resultados de três anos de experimentos apontaram uma produção que variou de 8 a 60 toneladas de raiz por hectare, dependendo da variedade plantada. A que teve melhor desempenho foi utilizada para cruzamentos de autopolinização e cruzamentos convencionais com variedades locais, para transferir a característica de elevada quantidade de glicose para as plantas adaptadas em diferentes regiões.

"A mandioca é um dos grandes legados indígenas para o mundo moderno", disse a agências nacionais a pesquisadora Teresa Losada Valle, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Hoje, acredita-se na possibilidade de se desenvolver mais de 600 produtos à base de mandioca.

A adição da fécula ao trigo é uma luta que está sendo encampada por parlamentares acreanos. O senador Sibá Machado (PT) é um dos entusiastas e quer retomar o debate acerca do projeto de lei do deputado Aldo Rebelo, que prevê a adição de 10% da fécula de mandioca à farinha de trigo.

Pesquisadores e gestores concordam que o negócio da mandioca e seus derivados ainda é financeiramente negativo para os agricultores. A embalagem na farinheira e o uso da fécula no pãozinho são, nesse contexto, agregadores de valor. A vantagem é que há uma cadeia produtiva estabelecida - pequena, ainda, porém existente - e está na base alimentar do acreano. E é um dos poucos que estão na pauta de exportação do Acre.
Uma das características mais marcantes da mandioca é a capacidade de produção, mesmo em condições adversas. "Em solos pobres, com baixo nível de adubação, onde outras culturas são inviáveis ou de alto risco, a planta tem um desempenho bastante satisfatório", explica a pesquisadora.
Esse comportamento é explicado pela eficiente associação de fungos com raízes da mandioca, conhecida como micorrizas, e pela associação com outros microorganismos fixadores de nitrogênio. A planta também é resistente à falta de chuvas tanto no plantio como durante o período produtivo.


No artigo "30 anos de pesquisa com mandioca no Acre", Siviero cita estudos que afirmam que o Acre apresenta apenas 27% de solos inaptos ao cultivo da mandioca, situados, notadamente, no Vale do Rio Juruá. A principal limitação é de ordem química, que pode ser solucionada com uso de corretivos, adubação mineral e emprego de leguminosas (adubação verde).

"Entre os fatores críticos que afetam a cadeia produtiva da mandioca no Acre se destacam o cultivo em regime de consórcio com outras espécies produtoras de grãos como o milho em áreas recém-abertas de floresta dentro do sistema de derruba e queima; e a não realização de tratos culturais, como adubações, capinas e controle de pragas.

O processamento da farinha é a etapa mais importante da cadeia produtiva, representando 70% das atividades e despesas operacionais. Estima-se que somente na região de Cruzeiro do Sul existam, aproximadamente, três mil casas de farinha em operação, beneficiando milhares de famílias", diz o artigo de Siviero.

O consumo de mandioca no Acre é o maior da Amazônia, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): a aquisição anual per capita chega a 16,6 quilos, enquanto no segundo colocado, Rondônia, o consumo não passa de 7,9 quilos/ano per capita.

O consumo da farinha, apesar de alto, está em quarto lugar entre os Estados da Região Norte. Ou seja: o acreano prefere saborear o produto cozido. De olho nessa preferência, a Embrapa desenvolveu as variedades "colonial" e "caipora", as quais não levam mais que 22 minutos no fogo para estar suculentas e prontas para degustação.
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