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Buva: planta resistente ao glyphosate?

Manejo inadequado pode ocasionar resistência em plantas invasoras


Recentemente pesquisadores da Embrapa Soja notificaram a presença, em lavouras de soja do Paraná, de plantas do gênero Conyza spp. resistentes ao glyphosate, conhecidas vulgarmente como buva ou voadeira. A planta invasora apresenta-se como o principal problema no início da implantação da nova safra no estado.

Duas espécies do gênero Conyza se distinguem por sua forte capacidade de competição com as plantas cultivadas. As espécies Conyza canadensis e Conyza bonariensis, destacam-se por infestarem áreas abandonadas (terrenos baldios e margens de estradas), pastagens, culturas perenes (citros e café) e lavouras anuais (algodão, milho, soja e trigo). Estas espécies são amplamente distribuídas pelo mundo, infestando mais de 40 culturas.

A espécie Conyza bonariensis é nativa da América do Sul, ocorrendo na Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. É uma planta anual que se reproduz por sementes que germinam no outono/inverno, com encerramento do ciclo no verão, caracterizando-se assim como uma planta daninha de inverno e verão. A buva produz grande quantidade de sementes, que apresentam características e estruturas que conferem fácil dispersão, caracterizando a espécie como agressiva. Na Região Sul do país, a buva apresenta-se como importante planta daninha infestante de lavouras de trigo, soja e milho.

Em termos de interferência sobre as culturas, já foram relatadas reduções de até 83% na produtividade de soja em plantio direto e de 64% no milho e trigo, quando em altas infestações. Além disto, a planta dificulta a colheita mecanizada das lavouras de porte mais baixo, como a soja.

O controle da buva em lavoura de culturas anuais (cereais de inverno, soja e milho) é feito com emprego de herbicidas específicos ou não-seletivos. Em trigo, a buva é controlada com 2,4-D e chlorimuron-ethyl. Nas culturas de soja e de milho o controle da buva é realizado, principalmente, com uso de glyphosate, na dessecação pré-semeadura dessas culturas. Porém, nos últimos quatro anos-safra (2004/2005, 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008) vem sendo observado um baixo nível de controle da buva quando feito por método químico através do uso de glyphosate, o que gerou a suspeita de que a planta adquiriu resistência a essa molécula herbicida.

O glyphosate é um dos herbicidas mais usados no mundo no controle de plantas invasoras anuais ou perenes em diversos sistemas de produção e por muitos anos. O glyphosate age inibindo a enzima EPSPs (5-enolpiruvilshiquimato-3-fosfato sintase), resultando na redução da biossíntese de aminoácidos como triptofano, tirosina e fenilalanina.

Plantas invasoras resistentes são definidas como sendo aquelas com capacidade natural e herdável de sobreviver e se reproduzir, mesmo após a exposição a doses de herbicidas que seriam letais a indivíduos normais (suscetíveis) da mesma espécie. A ocorrência da resistência aos herbicidas é um fenômeno natural, ocorrendo naturalmente nas populações de plantas invasoras, não sendo o herbicida o causador do fenômeno, mas sim o agente selecionador dos indivíduos resistentes, que apresentavam baixa freqüência populacional inicial.

A seleção de espécies resistentes não é novidade e já aconteceu na agricultura do país, como no caso da seleção de espécies tolerantes ao herbicida Metribuzin, muito usado na década de 80. Como esse defensivo não apresenta controle satisfatório do leiteiro (Euphorbia heterophylla), selecionou esta espécie nas lavouras onde era utilizado. Na década de 80, essa era a principal planta daninha a ser eliminada nas lavouras. O problema com o leiteiro foi resolvido com o lançamento no mercado de soja de uma nova molécula herbicida, o Imazaquin, que passou a ser amplamente utilizada pelos produtores de soja. Então, em meados da década de 90, surgiram os primeiros casos de resistência relatados no Brasil (Euphorbia heterophylla e Bidens pilosa) e de plantas tolerantes (Cardiospermum halicacabum) ao Imazaquin.

A experiência vivida com os herbicidas Metribuzin e Imazaquin apresenta características semelhantes ao que está acontecendo com o glyphosate, ou seja, os aspectos sobre a dinâmica de populações das plantas daninhas e a possibilidade da seleção de espécies tolerantes e/ou resistentes não foram considerados. Além disto, a utilização constante de tecnologias que envolvem Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), associado ao uso de glyphosate, permitiu reduzir ou eliminar a necessidade de outros herbicidas para o manejo de diferentes espécies de plantas daninhas, o que acabou contribuindo para o aumento da pressão de seleção e o aparecimento de biótipos resistentes a molécula deste herbicida.

Sabe se que os herbicidas provocam mudanças no tipo e proporção de espécies de plantas daninhas que compõem a população da lavoura. Isso se explica pelo fato do herbicida não controlar igualmente as espécies existentes na área, com isso algumas acabam beneficiadas e se multiplicam. Desta forma, plantas invasoras que apresentavam baixa ocorrência podem acabar se tornando um grave problema para o produtor. O uso contínuo e repetido do mesmo herbicida, ou de herbicidas com mesmo mecanismo de ação, proporcionam a seleção de espécies resistentes e/ou tolerantes. O tempo para seleção de espécies tolerantes e/ou resistentes pode variar de dois anos (caso dos herbicidas inibidores da ALS) a até mais de 20 anos (caso do glyphosate), mas o importante é que vai acontecer.

O número de plantas daninhas resistentes ao glyphosate está aumentando rapidamente em áreas cultivadas com soja transgênica. No Mundo já foram relatados vários casos de resistência ao glyphosate, como Eleusine indica (Malásia), Lolium rigidum (Austrália e Estados Unidos), Plantago lanceolata (África do Sul), Conyza bonariensis (África do Sul e Espanha), Lolium multiflorum (Brasil, Chile e nos Estados Unidos), Conyza canadensis (Estados Unidos e na África do Sul), Digitaria insularis (Brasil) e Ambrosia artemisifolia (Estados Unidos).

O primeiro relato sobre biótipos de plantas do gênero Conyza resistentes ocorreu nos Estados Unidos, no estado de Delaware, com a espécie Conyza canadensis. Em 2003 foi relatado o primeiro caso de Conyza bonariensis resistente a glyphosate na África do Sul, sendo, a partir daí, identificados biótipos de buva resistentes na Espanha. No Brasil, os primeiros casos foram relatados em 2005 no Rio Grande do Sul e, posteriormente, no Paraná e São Paulo.

A Embrapa Trigo vem monitorando os casos de tolerância desta invasora, sendo que, na safra de soja de 2006/2007 foram avaliados cinco casos de suspeita de buva no estado do Rio Grande do Sul e cinco no estado do Paraná, todos positivos para resistência. No Brasil Central ainda não foram oficializados casos de resistência de plantas daninhas resistentes ao glyphosate, mas sabe se que a buva compõe a lista das espécies mais importantes da região, o que no mínimo serve como um alerta para justificar a adoção de técnicas que envolvem a prevenção e o controle de plantas resistente.

O principal impacto da seleção de espécies está na elevação do custo de produção, uma vez que o produtor terá que utilizar outros herbicidas na área, normalmente mais caros que o glyphosate, e com menor eficiência, menor controle e maiores perdas na produção. Assim, o produtor que desejar usar a tecnologia da soja transgênica por maior tempo deverá adotar medidas de prevenção e controle de plantas daninhas tolerantes e resistentes, visando evitar a inviabilização do glyphosate, pois, na impossibilidade de uso deste produto, qual herbicida será utilizado?

A resposta óbvia envolve o uso de produtos menos eficientes, mais caros e com maior impacto ambiental. Por isto cabe ao produtor, aliado a assistência técnica, buscar e considerar alternativas no manejo visando evitar o desenvolvimento das formas de resistências nas populações de plantas invasoras.

Contudo, é importante salientar que para evitar o agravamento da seleção de populações resistentes desta espécie de invasora e prolongar o tempo de utilização eficiente da tecnologia das culturas resistentes ao glyphosate, o produtor deve adotar medidas de manejo visando controlar as populações resistentes. Devido à dificuldade de controlar esta espécie, especialmente através do método químico, e devido ao aparecimento dos biótipos resistentes aos herbicidas, as práticas de manejo de buva requerem a combinação de múltiplas ações, através do aumento da intensidade de manejo do solo, uso rotineiro da rotação de culturas e adoção de técnicas culturais apropriadas.

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