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Cai expectativa do Brasil de avanço na OMC


Meio brincando, meio a sério, Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, diz que a reunião ministerial de Cancún da Organização Mundial do Comércio "não vai ser a salvação da lavoura". O uso dessa antiga expressão popular significa duas coisas: primeiro, baixou substancialmente o nível de expectativas do governo brasileiro justamente na negociação comercial a que dá prioridade (a da OMC); segundo, a liberalização do comércio agrícola, a grande aposta brasileira, caminha devagar.

A avaliação de Furlan foi feita após dois dias e meio de intensas negociações em Montréal para desbloquear o caminho até Cancún, em setembro. Houve de fato "tímidos passos na direção certa", como diz Franz Fischler, o comissário (espécie de ministro) europeu para a Agricultura, mas "falta muito para fazer e não há muito tempo para fazê-lo", nas contas de Pierre Pettigrew, ministro canadense do Comércio.

Afinal, foram 18 meses desde que terminou a Conferência Ministerial de Doha (Qatar), na qual foi lançada a Agenda Doha de Desenvolvimento, ambiciosa o suficiente para cobrir praticamente tudo o que o ser humano produz e comercializa vencendo fronteiras. Faltando apenas 42 dias para a nova reunião ministerial, a de Cancún, toda a ambiciosa agenda está bloqueada porque não há acordo sobre agricultura.

Em busca de acordo

Em Montréal, de todo modo, ficou resolvido que Estados Unidos e União Européia, as duas grandes potências econômicas e comerciais do planeta, começariam ontem mesmo a tentar entender-se até 11 de agosto, quando fecha para férias o casarão que serve de sede para a OMC às margens do lago Léman, em Genebra. Se conseguirem chegar a um acordo, os demais países-membros (no total são 146) apresentariam suas próprias sugestões e se chegaria a Cancún com algo mais concreto que o pântano atual.

As chances de entendimento entre os dois grandes parecem reduzidas, a julgar pelas farpas publicamente distribuídas pelos seus principais negociadores comerciais, em entrevistas coletivas concedidas ao término da reunião de Montréal.

Pascal Lamy, comissário europeu para o Comércio, começou dizendo que a União Européia fez a sua "lição de casa", ao reformar a sua política agrícola, e por isso mesmo estava "pronta para passar à ofensiva".

Lamy refere-se ao fato de que os europeus anunciaram modificações internas pelas quais os produtores rurais deixam de receber pelo que produzem, com o que, em tese, reduzirão a produção (e, por extensão, a exportação), abrindo, sempre em tese, espaço para bens de outros países.

Ironia dos EUA

Robert Zoellick, o chefe do USTr, uma espécie de ministério norte-americano do Comércio Exterior, ironizou, na sua vez de responder perguntas: saudou o fato de a União Européia achar que fez a lição de casa, mas disse que, "se é assim, agora é a hora de passar pelo teste". Em seguida, emendou: todo mundo acha que os subsídios à exportação deveriam ser eliminados. Como os europeus não acham, nem foi preciso acrescentar que, para Zoellick, a "lição de casa" européia não passaria no teste.

De todo modo, europeus e norte-americanos partem agora para a busca de uma fórmula intermediária entre as duas que estiveram sobre a mesa, em matéria de redução de tarifas de importação de bens agrícolas. Uma propõe modesta redução de 36% nas atuais tarifas, com um corte mínimo de 15%. Tem o apoio de 75 países, entre eles União Européia, Coréia do Sul, Japão e Suíça.

A segunda fórmula é mais ambiciosa: corta todas as tarifas para um máximo de 25%. É, obviamente, a preferida pelo Brasil (e também por Estados Unidos, pela China e pelo Grupo de Cairns, formado pelos grandes exportadores agrícolas). Para Zoellick, o tema das tarifas é "o mais desafiador". Mas não é o único no campo da agricultura.

Os europeus anunciaram, "pela primeira vez", como diz o comissário Fischler, a disposição de cortar 60% dos subsídios à exportação que mais distorcem o comércio, mas cobram contrapartida dos parceiros, em especial dos Estados Unidos, que não dão subsídios, mas dão créditos à exportação.

Só um avanço

É principalmente em cima desses dois pontos que UE e EUA tentarão entender-se doravante. Mas seus representantes já tratam, como Furlan, de reduzir as expectativas para Cancún. "A negociação agrícola não termina em Cancún. Trata-se apenas de avançar devidamente", diz Lamy. Ecoa Zoellick: "Cancún é uma reunião intermediária [entre o lançamento e o fim de uma rodada]. Trata-se, portanto, de manter o ímpeto de Doha, mas não de concluir uma negociação".

A cautela se justifica porque ainda há um segundo nó a desatar, que é o do acesso de países pobres a medicamentos genéricos (rompendo a patente, portanto), assegurado em Doha. Ficou no entanto uma brecha: o que fazer no caso de países tão pobres que não podem nem importá-los nem fabricá-los internamente?

A OMC vem tentando um equilíbrio entre "o objetivo humanitário, que todos compartilhamos, de oferecer acesso a medicamentos aos países mais pobres, e o respeito à propriedade intelectual, sem o que haverá pouco interesse dos laboratórios em desenvolver novos medicamentos", como diz Pierre Pettigrew, ministro canadense do Comércio.

Uma fórmula em estudo é uma "carta de conforto" aos laboratórios, inquietos com o rompimento das patentes, na qual se diria que o mecanismo não será usado para fins comerciais indevidos. Mas a UE, pela voz de Lamy, adverte: "Precisamos ser prudentes para que o conforto [dos laboratórios] não se traduza em desconforto para o outro lado. A margem de manobra é pequena".

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